PÃO DE VIDA

Dos Estatutos da Casa de Repouso do Gaiato Pobre

Obra da Rua ou Obra do Padre Américo tem novos Estatutos vai para uma década, aprovados pela Autoridade eclesiástica – Bispo do Porto, em 11.11.2015, e pela autoridade civil – Direcção Geral da Segurança Social, em 29.9.2016. Ao longo de mais de oito décadas, teve outros Estatutos; e, actualmente, «é uma pessoa jurídica canónica de natureza pública, sujeita em Direito Canónico de obrigações e de direitos consentâneos com a índole de Instituto autónomo da Igreja Católica (cânone 113, § 2), para desempenhar o múnus indicado nos presentes Estatutos, em ordem ao bem público eclesial (cânone 116 § 1), erecta canonicamente por decreto do Bispo do Porto e sob sua vigilância e tutela, com Estatutos aprovados por esta autoridade eclesiástica (cânones 113, § 2 e 117).» [Estatutos da Obra da Rua ou Obra do Padre Américo, Paço de Sousa, 2016, p.13].

Num artigo de referência obrigatória na Obra da Rua, em 1952, Pai Américo chamou a atenção para a sua matriz. Vale bem a pena reler aqui os primeiros parágrafos:

«A Obra da Rua nasceu há onze anos e teve por padrinho um estatuto dado pelo governador civil de Coimbra. Um outro estatuto, pelo governador civil do Porto. E o último, foi na Arcada, por um magistrado da Nação. Todos dizem essencialmente o mesmo, porque inspirados na mesma Lei. Aceitei os três instrumentos. Tinha evidentemente de me munir deles, para ter voz nos Ministérios. Não me deixariam, tão pouco eu poderia, só por mim, fazer a demonstração do Incrível, sem primeiramente me acreditar. A história universal está cheia destes casos, em todos os campos aonde o homem passa a ser chamado. Nós sabemos e cuidamos que isso foi outrora, sem reflectirmos que também pode ser hoje. Pode, sim. Eu estou a fazer história. Aceitei os três documentos como facilidade de agir, mas nunca com o propósito de fazer como lá vem. Eu nunca li nenhum deles.

Dez anos andaram. As provas estão feitas. A Obra da Rua acreditou-se. O Incrível aparece em beleza estonteadora. É tempo de desfazer o equívoco. Nós não somos uma Obra de Assistência.

Sem olhar ao cofre, vamos direitos às feridas do Pobre. O abandonado que nos bate à porta, entra e ao depois, vamos procurar o seu pão. Uma Obra de Assistência não faz assim.

Nós somos a porta aberta ao indigente de qualquer terra, cor, idade, credo. Todos os defeitos. Todas as pústulas. Todos os vícios. Eles são nossos em qualquer tempo, em todo o local, todas as idades, na vida e na morte. […]» ['Um Equívoco', in O Gaiato, 24 Maio 1952, p. 1].

Assim sendo, terá interesse histórico dar a conhecer o teor dos primeiros Estatutos, que recolhemos há vários anos, mas cuja transcrição foi adiada. Este articulado legal servirá como memória futura da acção profética de Pai Américo [e da Obra da Rua], que na prática não se prendeu à Lei, na vigência do Estado Novo, mas que deu toda a primazia a Deus e ao próximo fragilizado. O Alvará que os antecede, passado pelo Governo Civil de Coimbra, em 28 de Maio de 1942, já foi transcrito [vd. 'Alvará', O Gaiato, N.º 2027, 20 Nov. 2021, p. 3-4]. Eis, conforme cópia digital:

«ESTATUTOS DE "A CASA DE REPOUSO DO GAIATO POBRE"

DESIGNAÇÃO

Artigo 1.º – Esta instituição chama-se "A Casa de Repouso do Gaiato Pobre" [C. R. G. P.], e tem a sua sede no lugar de Bujos, concelho de Miranda do Corvo – Distrito de Coimbra.

FINS

Artigo 2.º – É uma Obra de Assistência particular e destina-se a proteger e a educar a creança que vem das famílias desorganizadas pela miséria física e moral.

Artigo 3.º – A Obra tem uma Comissão Executiva, que procura obter os fundos necessários por meio de donativos eventuais e de subscritores.

Artigo 4.º – São sócios da C. R. G. P. os indivíduos do sexo masculino que por deliberação da Comissão Executiva forem inscritos nalgumas das seguintes classes:

I – Efectivos – os que concorrerem, pelo menos, com a quota anual de 10$00.

II – Benfeitores, com a cota de 200$00.

III – Aderentes, os que trabalham na Obra sem pagarem cotas.

Artigo 5.º – Os sócios da C. R. G. P., exceptuados os aderentes, reúnem em Assembleia Geral, em reunião ordinária, até ao dia 31 de Dezembro de cada ano, para discussão do relatório da Comissão Executiva e parecer do Conselho Fiscal, eleições a que haja de proceder-se e resoluções sôbre actos e contas de gerência e, extraordinariamente, quando fôr necessário para outro fim reconhecido pela Comissão Executiva ou pelo Conselho Fiscal, ou, ainda, por um quinto dos sócios.

§ 1.º – A convocação será feita por meio de anúncio publicado num jornal de Coimbra com a antecedência de cinco dias pelo menos.

§ 2.º – A Assembleia Geral funcionará sempre com maioria de sócios, a não ser em segunda convocatória, pois neste caso o fará com qualquer número, contando que os membros dos Corpos Gerentes não constituem maioria.

Artigo 6.º – A Gerência Administrativa da C. R. G. P. é constituída por uma Comissão Executiva composta de um Presidente, um Secretário, um Tesoureiro, dois Vogais e dois Substitutos, todos eleitos pela Assembleia Geral dos sócios.

§ 1.º – O mandato dos membros da Comissão Executiva é por 3 anos, podendo ser reeleitos.

Artigo 7.º – A inspecção económica e a apreciação anual das contas, para sobre elas resolver a Assembleia Geral, será exercida por um Conselho Fiscal composto de 3 membros efectivos e 2 substitutos eleitos trienalmente por aquela Assembleia, os quais podem ser reeleitos.

DAS RECEITAS

Artigo 8.º – Constituem receita da C. R. G. P.:

a) – As cotas dos sócios.

b) – Os donativos particulares.

c) – Os subsídios de entidades oficiais, e

d) – Os legados e deixas testamentárias.

DISSOLUÇÃO

Artigo 9.º – No caso de dissolução da C.R.G.P., observar-se hão tôdas as disposições legais aplicáveis.».

Estes primeiros Estatutos, que Pai Américo não leu, concederam afinal personalidade jurídica à primeira Casa do Gaiato [Obra da Rua, Coimbra, 1942, p. 57].

Padre Manuel Mendes