
PÃO DE VIDA
O Padre Américo e as Criaditas dos Pobres
Ainda no tempo da mãe Maria Carolina [1892 †1969], as Criaditas dos Pobres expandiram a sua missão para várias zonas e Dioceses de Portugal: Aveiro, Portalegre e Porto. É certo que chegaram à cidade invicta pela mão do Padre Américo. Nas suas visitas e ajudas aos pobres do Barredo, aproximou-se da miséria de muitas famílias desse sítio emblemático do Porto. Em Miragaia, na margem direita do rio Douro, empreendeu a construção de um bairro do Património dos Pobres; e lembrou-se que o carisma das Criaditas também poderia ser realizado nesse lugar, servindo os Pobres.
Em Maio de 1954, na rubrica 'Património dos Pobres', Padre Américo deu notícia da construção de um bairro em Miragaia – Porto, com a presença das Criaditas dos Pobres:
«[…] Havemos de construir uma casa adequada à residência das criaditas dos pobres. Falo das criaditas de Coimbra. Estiveram há dias no Barredo as duas fundadoras. Ficaram espantadas, elas que tanto sabem e tanto conhecem! Nós precisamos das criaditas. Elas são as religiosas do momento; não têm horas, nem capela, nem hábito, nem capelão, nem regra, nem rendimentos. Com o seu bairro em Miragaia e sua presença nas famílias, muito temos a lucrar.
Aqui há tempos, no jornal do dia, era uma carta de alguém que passou na Ribeira e protestava contra a má-língua daquela gente; sugerindo a presença de um agente de autoridade. Eu cá não. Proponho outro caminho. As Criaditas. As Criaditas dos pobres com seu lenço na cabeça e saca na mão. Tal como nas ruas de Coimbra e sítios aonde se fala mal, em vez do medo da polícia, haja antes devoção: olha que vem ali a nossa mãe! Assim se diz em Coimbra quando passa a Carolina ou qualquer das criaditas. Quantas palavras sustadas! Quantos pensamentos cortados, desejos suprimidos, crimes suspensos, horas arrependidas! Quanto de tudo isto só porque vem lá a nossa mãe.
Tiremos o medo do mundo e implante-se o amor. Amor operoso, activo, constante, pronto, realizador; diria dinâmico, se esta palavra não andasse por aí tão barata. Amor por causa do Amor. Por intenção ao Amor. […]» [O Gaiato, N.º 267, 22 Maio 1954, p. 1].
Em Novembro de 1955, no começo dos caboucos de uma casa para as Criaditas dos Pobres, no Bairro D. António Barroso – Porto, o Padre Américo celebrou nessa hora a Eucaristia, na Capela da Casa do Gaiato de Paço de Sousa. A propósito, no artigo 'Uma data', escreveu um belo naco de prosa, com profunda espiritualidade eucarística. Eis:
«Tinha eu recomendado ao mestre-de-obras, de
seu nome Francisco Loureiro, para começar na próxima segunda-feira com os
caboucos da futura casa das Criaditas dos Pobres, no Bairro D. António Barroso,
Miragaia. Comece na próxima segunda-feira. Ao mesmo tempo, decidi
interiormente abrir os caboucos no mesmo dia e à mesma hora, só o lugar é que
não. Este seria no altar da capela da nossa aldeia; e foi. De véspera, noite
fora, fiz a preparação remota. No dia próprio, quase à hora, faço a preparação
próxima. Eu ardia. Os trabalhadores em Miragaia, eu em Paço de Sousa. O
ajudante da missa entrega-me o missal! Abro. Era o dia catorze de Novembro.
Qual não é o meu espanto quando dou com a festa de um bispo mártir
[S. Josafat]. A Igreja chama festa ao dia em que os seus mártires morrem.
Começo a ler. A oração diz assim: Senhor, dai à Vossa Igreja o espírito dos
vossos mártires, a fim de que nós, movidos e fortificados por aquele mesmo
espírito, tenhamos a coragem de arriscar a vida pelos irmãos. Ao ter
escolhido este dia para início da obra, não me lembrei que era festa de
mártires e guardei a coincidência…! Prosseguindo nas partes da missa, chego ao
ofertório e leio: não há sinal de maior caridade do que dar a vida pelos
seus. Se tivesse havido arranjo prévio entre mim e o mestre, não teríamos
escolhido com maior acerto e nada foi escolhido! Maior o meu espanto. Maior a
minha alegria. Finalmente chego ao fim e dou com estas palavras: eu sou o
Bom Pastor, conheço as minhas ovelhas e dou a vida por elas. Continuando a
descrever este mundo de maravilhas, onde os homens de Fé vão buscar certezas,
quero dizer que não há muito, ainda, as Criaditas estavam sem ninguém. As
noviças eram raras. Havia na comunidade permanente inquietação. Era assim a
vida delas. E eis que hoje o noviciado está munido e há postulantes à espera,
de tal sorte que a Carolina acaba de me pedir para começar no Porto, porquanto
em Coimbra já não há casa que chegue! Por estes caminhos incógnitos e
indecifráveis aos que não têm o hábito da oração, é meu desejo conduzir todos
os leitores. Conduzir o mundo inteiro para que vejam, sintam e acreditem. As
Criaditas dão a vida pelos seus pobres. São da Igreja. O selo branco da vinda
delas para o Porto está nisto de se haver escolhido inconscientemente o dia de
um mártir para o lançamento da primeira pedra da sua residência. […] [O
Gaiato. N.º 307, 3 Dez. 1955, p. 1].
Depois da partida de Pai Américo para o Céu, no seu aniversário natalício (23 de Outubro de 1956), as Criaditas iniciaram a sua acção em Miragaia – Porto. Para marcar esta chegada para nova missão, na festa do Arcanjo Rafael, foi celebrada a Eucaristia, como relatou Padre Carlos: «A festa foi como Pai Américo a projectara, ao jeito dele e delas. Missa às 8 horas na Paroquial de Miragaia. Doutor [Guilherme) Braga da Cruz assistiu como parente e grande amigo da 'Mãe' Carolina. Pai Américo assim desejava. Depois, foi o cafezinho muito quente e bom, com pão e manteiga vindos da América.» ['Criaditas dos Pobres`, in O Gaiato, N.º 331, 10 Nov. 1956, p. 2]. Ainda, de notar a inauguração, no Bairro D. António Barroso, do Infantário Pai Américo, assim chamado pelas Criaditas ['Criaditas dos Pobres', in O Gaiato, N.º 333, 8 Dez. 1956, p. 1 e 4].
Se não fosse esta uma breve memória, poderíamos prosseguir com mais notícias sobre o tema Padre Américo e as Criaditas dos Pobres, que se podem encontrar, v.g.: no arquivo das Criaditas dos Pobres, na correspondência e no jornal O Gaiato. Há ainda mais pano para mangas, isto é, sobre as ligações de Pai Américo e a Obra da Rua com as Criaditas dos Pobres, vestidas de facto pobremente – de pano riscado aos quadrados. Verifica-se que, em alguns momentos e especialmente festivos, foi um tema destacado por Padre Carlos.
Nos nossos passos andados por Coimbra, como outros Padres ao serviço da Obra da Rua, também temos testemunhado o serviço eclesial destas servas dos Pobres e a sua amizade. Este centenário [1924-2024] foi celebrado festivamente com uma Eucaristia na Sé Velha de Coimbra, presidida pelo Bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, na Solenidade de Todos os Santos – 1 de Novembro de 2024, na sequência do convite das Criaditas dos Pobres: É tempo de dar graças a Deus que continua a ouvir o clamor dos pobres. Depois, no claustro, foi lançado um belo livro comemorativo, de memórias, editado pela Paróquia: Criaditas dos pobres – cem anos a fazer o bem, bem-feito. No desdobrável de uma exposição, na entrada da Sé Velha, diz assim: «A nossa vocação 'criaditas dos Pobres', com minúscula para significar o nosso nada diante do Senhor e dos Pobres, a quem servimos, dedicamo-nos à cristianização das famílias, como ponto de partida para a evangelização da sociedade».
Neste centenário das Criaditas, também nós elevamos as nossas preces para que sejam chamadas jovens que desçam aos sofrimentos dos Pobres, cuidando-os e alimentando a esperança num mundo melhor – com rostos de pessoas salvas. Renovamos, pois, hic et nunc, o apelo de D. Manuel de Almeida Trindade: Criaditas dos Pobres… precisam-se!
Padre Manuel Mendes