PÃO DE VIDA
Uma carta de D. Gabriel de Sousa
Continuando a dar conta de alguma documentação referente a Pai Américo no espólio de Monsenhor Moreira das Neves, na Biblioteca Municipal de Paredes, desta vez foi recolhida uma linda carta do saudoso amigo D. Gabriel de Sousa [17-III-1912 †23-I-1997]. Foi Abade do Mosteiro de Singeverga — Roriz e grande historiador beneditino, sendo autor de vasta bibliografia. Era primo do Padre Américo e foi o primeiro Postulador da sua Causa de Beatificação. Certamente, fica bem n'O Gaiato, como memória gratíssima pelo seu labor beneditino, nomeadamente neste Processo de glorificação canónica, que todos desejamos seja conduzido a bom termo.
Então, segue-se este belo achado, transcrevendo tal missiva, com a sua letrinha certa e legível, com muito amor à Ordem de S. Bento, e na qual surgem informações interessantes sobre o parentesco e a amizade entre D. Gabriel de Sousa e Padre Américo, de cujo Processo foi grande cabouqueiro. Eis:
«Porto e S. Crispim
23.1. 1987
Monsenhor Moreira das Neves
E meu prezadíssimo Amigo:
Recebi com enorme satisfação a sua prezada carta de 20 do corrente, que muito agradeço. E, antes de mais, sou a desejar a Monsenhor a mais robusta saúde com a graça do Senhor, no novo ano que começou.
Agradeço de todo o coração o recorte que fez o favor de me mandar, artigo de João Palma Ferreira sobre o Mosteiro de Tibães. Não tinha, não, e fiquei bem contente por poder enriquecer com ele os meus ficheiros. M.to obrigado.
Quanto ao Padre Américo. Pois não só fui abordado, como até já fui nomeado Postulador junto da Cúria diocesana do Porto, em ordem ao Processo de glorificação canónica do grande Homem de Deus. A minha nomeação é de 1 de Janeiro e a sua aceitação pelo Sr. Arcebispo — Bispo D. Júlio do dia 8. Estou a preparar as peças fundamentais (Artigos p.ª o Processo, Lista dos Escritos e Rol das Testemunhas) para se pedir o Nihil obstat à Santa Sé e dar início ao Processo.
Nós éramos primos. A avó materna dele ("a avó Lourença") era irmã do meu avô paterno — da Casa de Vales, Paço de Sousa. Éramos muito amigos, assim como de seu irmão mais velho, P.e José Monteiro de Aguiar, que foi missionário na Índia e morreu pároco de S. Miguel de Paredes (Penafiel). Alguma vez, nas minhas crises depressivas (quando abade efectivo de Singeverga), me abrigou na sua "casa da mata" — refúgio que para si próprio tinha construído entre o arvoredo da velha cerca monástica de Paço de Sousa, mandando um gaiato servir-me. Se não fosse ele, eu não teria tido coragem de construir o que existe do mosteiro de Singeverga.
Sim senhor, fico sabendo do seu novo ermitério, na igreja do Sagrado Coração de Jesus. Fico sabendo, e não deixarei de lhe bater à porta, quando for a Lisboa. Talvez não demore… Mas aviso. Tenho um trabalhito para a Academia da História em Março, e na sua preparação devo precisar ir a Lisboa em Fevereiro.
Mais uma vez, muito obrigado.
Creia-me
m.to af. te in X. to
Fr. Gabriel de Sousa, O.S.B.».
***
Em rodapé e como memória, ficam algumas considerações sobre as ligações familiares referidas supra, que Sua Paternidade D. Gabriel de Sousa sublinhou com beleza e carinho numa conferência na Casa do Gaiato de Paço de Sousa, em 20 de Dezembro de 1981 [Gabriel de Sousa, OSB — «Padre Américo: O Homem e o Padre — O Santo e a Obra», in Penafiel — Boletim de Cultura da Câmara Municipal, 2.ª série, n.º 3, 1982, p. 35-42.].
De facto, Padre Américo era da sua família e um parente muito querido — 2.º primo. O parentesco provém dos antigos senhores da Casa e Quinta de Vales de Cadeade, em Paço de Sousa. Esta bela terra teve paço senhorial junto ao ribeiro de Gamuz e ao célebre Mosteiro, cujos monges também foram expulsos em 1834, por decreto — classificado como «o mais violento traumatismo espiritual da história portuguesa» [Hipólito Raposo — Folhas do meu cadastro, Lisboa, 1945, XVII.].
Na árvore genealógica de Américo Monteiro de Aguiar — cujas fontes principais são os livros de registos paroquiais, no Arquivo Distrital do Porto — encontra-se também esta cepa de Paço de Sousa, conforme escreveu D. Gabriel de Sousa: «E se dela um ramo esbracejou para além-rio, e deu os "doutores do Outeiro", outro ficou deste lado e… também deu doutores; que eu já tive ocasião de proclamar Padre Américo "doutor amoris causa pelo muito que ensinou ex-cáthedra da sua vida.» [idem, p. 36; vd. Monachus — «Doutor 'amoris causa'», in Mensageiro de S. Bento, Ano XVII, n.º 4, Abril 1948, p. 73-75.].
Teresa Ferreira Rodrigues, a mãe de Américo Monteiro de Aguiar, era filha de Lourença Rodrigues Moreira da Silva [†20-I-1885], da Casa de Vales de Cadeade, casada com António Joaquim Ferreira [†5-III-1892], da Casa de Antelagar — Paço de Sousa. Lourença Rodrigues, sua avó materna, era filha de João Rodrigues Moreira, da dita Quinta de Vales de Cadeade. João Rodrigues Moreira, senhor da Quinta de Vales, foi casado com Teresa Maria Lopes Pereira, senhora da Quinta de Cimo de Vila, em Esmegilde — Paço de Sousa.
Lourença Rodrigues Moreira era irmã de António Rodrigues Moreira [da Silva] — formado em Direito [28-V-1840] pela Universidade de Coimbra e que foi Presidente da Câmara Municipal de Paredes [1858-64] — senhor da Quinta de Vales, em Cadeade — Paço de Sousa, onde nasceu a 18-XI-1814, mas viveu casado com Margarida Máxima de Meireles Vidal Pinto Brandão, na Casa do Outeiro d'Além, em Mouriz — Paredes, onde faleceu a 9-XI-1878.
José Rodrigues Moreira era filho de António Rodrigues Moreira [José do Barreiro — Monografia de Paredes: Correcções e acrescentos, Porto: Barros & Costa, 1924, p. 648-650], formado em Medicina pela Escola Médico-Cirúrgica do Porto [1887] e que foi Delegado de Saúde de Paredes. José R. Moreira viveu com o Padre Bernardo [1855 †1922], seu irmão, na Casa do Outeiro, em Mouriz, onde nasceu a 22-I-1857 e faleceu solteiro a 15-VII-1918, vítima da gripe espanhola. José Rodrigues Moreirasucedeu a seu pai António R. Moreira como senhor da Quinta de Vales, em Cadeade — Paço de Sousa. José Rodrigues Moreira teve um filho natural — Joaquim de Sousa [Da história da Casa e Quinta de Vales, Paço de Sousa, 1983, dact.], reconhecido erudito e ilustre beneditino português — D. Gabriel de Sousa. O Padre Bernardo — formado em Teologia pela Universidade de Coimbra [27-VI-1879], Pároco de Mouriz [1882-1894] e Castelões de Cepeda [1895-1897] — foi também senhor da Quinta de Vales de Cadeade, por compra que fez ao irmão José R. Moreira, e deixou-a [a 12-II-1917] a seu irmão Francisco Manuel.
Padre Manuel Mendes