PÃO DE VIDA

Pai Américo — Um «Microfone» de Deus

Do acervo da Biblioteca de Monsenhor Moreira das Neves, que faz parte do Fundo da Biblioteca Municipal de Paredes, vale a pena transmitir um texto apologético sobre Padre Américo, cujo original manuscrito consta de três páginas. No seu jeito próprio, simples e poético, diz-nos algumas verdades sobre um grande sacerdote católico da Igreja Católica em Portugal, no século XX, pois testemunhou a sua acção em favor dos Pobres.

Este reconhecimento público foi afirmado vivamente pela Conferência Episcopal Portuguesa, numa Nota Pastoral sobre o Centenário do Padre Américo [1887-1987], no Natal de 1986. No dito espólio, encontra-se parte deste documento, dactilografado, do qual se escolheu este justíssimo parágrafo:

«O Padre Américo, pelo que foi, pelo que fez e pela obra que realizou e que perdura, em favor dos mais desprotegidos da nossa sociedade, foi um homem que deixou mais rico Portugal. E foi um Padre que, incarnando com generosidade e realismo o espírito do Evangelho, se tornou sinal do amor infinito e eficaz de Deus. A história da Igreja entre nós neste século não se poderá fazer sem lhe reconhecer lugar de primeiro plano».

Nesta sequência, eis as anunciadas palavras sábias do Padre Francisco Moreira das Neves, cuja elevação nos compromete:

«O Padre Américo, cujo centenário do nascimento se está este ano a celebrar, foi na vida portuguesa deste século um caso singular de apóstolo, com seu quê de revolucionário, no sentido do Bem e no processo de olhar para os pobres e para a infância e a juventude abandonadas, facilmente caídas na delinquência. Reconhecendo que lhe faltava jeito para tratar de problemas submetidos a burocracias mais ou menos espartilhantes, lançou-se numa série de autênticas aventuras que fazem a história mais verdadeira e mais bela da sua vida tão desprendida como arrojada. Criou numerosas obras com programas diferentes, mas todas animadas pelo mesmo espírito evangélico, pela mesma mística da caridade, supremo segredo dos seus êxitos mais retumbantes. Não estudava tratados de pedagogia. Costumava dizer que o Novo Testamento lhe ensinava tudo. Não queria outro livro.

Não significava isto que fosse de qualquer maneira refractário às técnicas modernas que podiam concorrer para a mais larga expansão da mensagem Divina. Apenas fundou a Casa do Gaiato em Paço de Sousa, logo a dotou de uma tipografia capaz de imprimir livros de doutrina e de um jornal de pequeno formato, mas de grande tiragem. Para O Gaiato escreveu milhares de notas que, reunidas, deram já pelo menos doze volumes, alguns com várias edições. E quando a rádio era, entre nós, ainda uma experiência, já ele se servia dela para comunicar com as multidões. Assim aconteceu nas suas viagens pelo País, pelo Brasil, pelas nossas ilhas atlânticas, por Angola e Moçambique. Pode dizer-se que ele foi, como Monsenhor Fulton Sheen nos Estados Unidos, um «microfone de Deus». Onde quer que aparecesse, era avidamente escutada a sua palavra, simples, natural, popular, forte e oportuna, como a de S. Paulo na ágora de Atenas, e num estilo tão comunicativo que o Dr. Agostinho de Campos, numa palestra transmitida pela Emissora Nacional, não hesitou em apontá-lo como um dos nossos escritores contemporâneos mais originais. Dessa palavra luminosa e fresca, sem o mínimo de pretensões de gramaticómano, nos ficaram ecos inextinguíveis.

A morte que o surpreendeu num trágico desastre de automóvel, fechou-lhe a boca para sempre, mas continua aberta e dominadora a sua alma de aventureiro de Deus e pai dos pobres. Em seguir-lhe os apelos veementes está a melhor forma de lhe celebrarmos o centenário.

Prestigiando a Igreja e a Pátria, o Padre Américo é, sem dúvida, um dos grandes portugueses de todos os tempos. Por isso o Prof. Doutor Hernâni Cidade, racionalista confesso, mas imparcial e justo, não dispensou o seu nome na galeria das glórias nacionais, a que dedicou dois grossos volumes em edição de luxo.

Não surgem todos os dias homens excepcionais pelas suas virtudes cristãs, como foi, na humildade, na confiança, na Providência, na pureza e na solidariedade humana, o Padre Américo.».

Depois deste belo elogio, fazem sentido algumas notas complementares sobre várias figuras citadas. De facto, em 16 de Agosto de 1949, foi inaugurada a Tipografia da Casa do Gaiato de Paço de Sousa, que Pai Américo empreendeu, escolhendo como responsável Júlio Mendes, meu saudoso Pai. Assim, o jornal O Gaiato e edições doutrinais do fundador da Obra da Rua passaram a ser impressos nestas Escolas Gráficas.

O Venerável Fulton John Sheen [8-V-1895 †9-XII-1979] foi um Arcebispo da Igreja Católica nos Estados Unidos da América, muito conhecido como grande comunicador, especialmente na rádio e na televisão. Está em curso a Causa da sua Beatificação.

É muito certeira a comparação com o jeito do apóstoloS. Paulo, considerando até a sua leitura assídua das suas Cartas e as referências que fez dos Escritos Paulinos. Na sua segunda viagem missionária [49-52 d. C.], em que também passou por Atenas — reparando numa inscrição ao deus desconhecido — S. Paulo foi à sinagoga, à ágora e ao areópago, onde pregou e falou sobre Jesus Cristo ressuscitado de entre os mortos, sendo confrontado com a filosofia grega e com os ídolos [Act 17, 16-34].

O Dr. Agostinho de Campos [21-VII-1870, Porto †24-I-1944, Lisboa], em 19 de Fevereiro de 1942, numa palestra — Pobres de Cristo e Servos de Deus - na Emissora Nacional, afirmou: «[…] o Autor destes livros [Pão dos Pobres] é dos bons prosadores portugueses do nosso tempo, vernáculo, nervoso, cheio de carácter, e que sabe dosear natural e perfeitamente, no seu estilo, a tradição clássica e a vivacidade popular […]» [in semanário Rádio Nacional, Lisboa, 8 Março 1942.].

Na obra monumental Os Grandes Portugueses [II vol., Lisboa: Ed. Arcádia, [1962], p. 477-481], dirigida pelo Dr. Hernâni Cidade, vem o artigo 'Padre Américo', de Mons. Moreira das Neves.

Padre Manuel Mendes