PÃO DE VIDA

Da correspondência de Padre Horácio

A comemoração do centenário do nascimento do Padre Horácio [1924-2024] é uma boa oportunidade para dar a conhecer alguma correspondência manuscrita e inédita que guardou numa modesta pasta de arquivo, tendo na lombada o título: Correspondência Pai Américo e Família. Como já decorreram cerca de setenta anos, desta forma, não será imprudente rememorar e acrescentar mais luz sobre alguns acontecimentos da Obra da Rua. Neste espólio pessoal, entre outras, encontram-se algumas missivas trocadas entre Padre Horácio e Padre Américo, sendo que algumas delas foram respondidas na própria carta, com anotações interessantes.

Situando a primeira carta que vai ser transcrita, desde já, recortámos esta breve notícia escrita por Pai Américo no quinzenário da Obra da Rua:

«UMA INAUGURAÇÃO

É no próximo dia 6 de Setembro [1953] com a presença do Senhor Bispo de Coimbra [D. Ernesto Sena de Oliveira]. A Casa aonde a Obra nasceu, hoje enriquecida com um admirável edifício, aonde estão chuveiros no rés-do-chão, cozinha e refeitório no primeiro andar e dependências das senhoras no segundo. Do que eu mais gosto, é de saber e ter observado que todo este trabalho foi risco e execução dos Padres Adriano e Horácio. Que beleza! Padres obreiros!

Eu cá não risquei, sim, mas andei…! Eu é que ando sempre…!» [O Gaiato, N.º 247, 15 Agosto 1953, 3.].

Sobre este evento, em papel timbrado da Obra da Rua, Padre Horácio dirigiu uma missiva a Padre Américo, cuja resposta com tinta azul deu na mesma carta e depois devolveu. Eis:

«Miranda, 23 de Agosto de 1953

Senhor P.e Américo

Está tudo preparado para o dia 6. O Senhor P.e Américo virá cá celebrar nesse dia. [Sim] O P.e Chico Antunes está aí no dia 4, 5 e 6 e celebrará. Fui eu que lhe pedi para V. Rev.ª poder vir no dia 5, o mais tardar. [Muito obrigado]. Nesse dia é a Casa-Mãe que impera. [— e eu que gemo.]

Peço que me responda. [Aí fica.]

Os meus cumprimentos amigos. [Os meus para contigo, na mesma.]

P.e Horácio

[P.e Américo

O Padecente.].

Esta característica peculiar dos escritos de Pai Américo reveste-se de certo interesse literário, sendo também um sinal de alguém muito prático, sem tempo a perder. Mais, deste modo não foi parar ao cesto dos papéis parte da correspondência que lhe foi enviada. É também muito significativo o adjectivo biográfico que apôs a seguir à sua assinatura. O P.e Chico era o Padre Francisco Antunes e irmão do Padre Adriano, da Diocese de Coimbra, que foi colaborador a nível espiritual da Casa do Gaiato de Miranda do Corvo.

Esse acontecimento na Casa do Gaiato de Miranda do Corvo também foi anunciado por Padre Horácio num artigo da sua coluna Tribuna de Coimbra, do qual transcrevemos alguns parágrafos:

«[…] O 6 de Setembro vai ser um dia grande para a história da Obra da Rua. O Snr. Bispo de Coimbra vem passar esse dia connosco. Ao meio dia Sua Ex.ª Reverendíssima benzerá a casa nova e depois comerá do nosso caldo.

Às três horas da tarde os gaiatos apresentam-se: o chefe dirige a festa; o Enguiço agradece; o Sardinha vai falar da história da Casa, berço da Obra; o Tira-Olhos fala pela cozinha; o Carequita pelos do campo. O Jaquim vai à frente dos da limpeza; o Figueiredo Saco relata a venda do jornal; e o Russo aparece com os batatas em peso.

Não faltarão também os pequeninos a comprar na loja do Mestre André; o orfeão apresenta-se várias vezes e Malaposta canta sozinho. O Snr. P.e Américo também tem que falar. Vai aparecer tudo e de tudo. Vão também estar presentes os nossos amigos e especialmente os que contribuíram para a construção.

[…] O Snr. P.e Américo chama a esta Casa a mais linda da Obra. Um Snr. Dr. Juiz diz que nunca viu cozinha tão boa. Um grupo de sacerdotes novos afirma que os seminários não têm salas de jantar iguais. Tudo um encanto!

Estará agora presente o Snr. P.e Américo. Quem quiser vê-lo e ouvi-lo, aproveite agora. Depois não me andem a moer por esse mundo fora que já há muito tempo o não vêem; que gostariam de o conhecer; que desejavam ouvi-lo falar!... Aproveitem agora. […] [O Gaiato, N. 248, 29 Agosto 1953, p. 2.].

Para a próxima vez, considerando o melhoramento realizado, recordaremos o belo relato da inauguração de tais obras pela pena de Pai Américo, n'O Gaiato. Deste acontecimento, o fotógrafo António Guimarães, de Penafiel, fez uma boa reportagem, que preservou num lindo álbum, arquivado na Casa do Gaiato de Miranda do Corvo; e que transitou para o Memorial Padre Américo — Obra da Rua.

Padre Manuel Mendes