PÃO DE VIDA

Não desviar o olhar dos Pobres

«Nunca afastes de algum pobre o teu olhar.»

[Tob 4, 7]

No grave momento histórico em que no encontramos, com o aumento de pessoas fragilizadas, será que vivemos uma prolongada noite do mundo, devastado por guerras e mais desgraças, despedaçando tantos seres humanos? A mensagem fundamental da Escritura, nomeadamente do Evangelho de Jesus, é uma novidade permanente e sempre actual de confiança e esperança que os cristãos e as pessoas de boa vontade são chamados necessariamente a descobrir e pôr em prática: o amor a Deus e ao próximo. O Dia Mundial dos Pobres, sendo uma iniciativa do Papa Francisco para centrar a pastoral da Igreja no essencial, vem pela sétima vez chamar a atenção para o acolhimento dos pobres, nossos irmãos e irmãs, cujos gritos de socorro e silêncios de agonia vão aumentando paradoxalmente, considerando a superabundância de bens nas mãos de poderosos e os sofrimentos de que padecem milhões de vidas humanas.

O nosso Deus, Criador do mundo e Salvador da humanidade, cujo rosto único é Jesus, compromete-Se e compromete-nos com o ser humano para o ajudar a atravessar as provas da vida e a própria morte. É extremamente difícil entender as múltiplas desgraças, porém são um apelo forte, nas quais Deus vê misérias a socorrer, como é dito pela boca do pobre de Assis: «É verdade; não temos o direito de ficar indiferentes perante o mal e o pecado — declarou-nos Francisco.» [Elói Leclerc — Sabedoria dum pobre. Braga: Ed. Franciscana, 1977, p. 176.].

A recomendação veterotestamentária vai ao cerne da vida humana, descentrada do eu, pois destaca com sabedoria o conteúdo central do testemunho cristão: para quem sou? — Procurar uma vida digna com os outros e para os outros. Na verdade, nessa cena familiar, um pai, Tobite [Deus é bom], sendo velho, despediu-se do seu filho, Tobias, que vai iniciar uma longa viagem. Tobite, que foi deportado pelos assírios e estava cego, teme não voltar a vê-lo; por isso, deixou-lhe um testamento espiritual — o caminho certo a seguir na vida: «Lembra-te sempre, filho, do Senhor, nosso Deus, em todos os teus dias, evita o pecado e observa os seus mandamentos. Pratica a justiça em todos os dias da tua vida e não andes pelos caminhos da injustiça.» [Tb 4, 5]. Essa sábia exortação tornou-se mais concreta: «Dá esmolas, conforme as tuas posses. Nunca afastes de algum pobre o teu olhar, e nunca se afastará de ti o olhar de Deus.» [Tb 4, 7]. Desde a sua juventude que Tobite se dedicou a obras de misericórdia: «fornecendo pão aos esfomeados e vestindo os nus e, se encontrava morto alguém da sua linhagem, atirado para junto dos muros de Nínive, dava-lhe sepultura [Tb 1, 17].

Por causa do seu testemunho de caridade, foram-lhe confiscados os bens pelo rei, ficando na pobreza material, «[…] a não ser com Ana, a minha mulher, e com o meu filho Tobias» [Tb 1, 20]. Depois, continuou o seu estilo de vida, conforme relato de um almoço na Festa das Sete Semanas: «[…] Filho, vai procurar um entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho» [Tb 2, 2]. Tobias fez o que seu pai lhe ordenara, mas trouxe a notícia que um pobre foi estrangulado e atirado para o meio da praça. Logo Tobite se levantou da mesa e foi enterrá-lo ao anoitecer. Depois desse gesto de caridade, ficou invisual… Mais tarde, Deus devolveu-lhe a vista e a alegria de rever o seu filho: «Ao ver o filho, Tobite abraçou-o a chorar e disse: 'Até que enfim, estou a ver-te, meu filho, tu que és a luz dos meus olhos'. Depois acrescentou: 'Louvado seja Deus, e louvado seja o Seu Nome poderoso. Louvados sejam os seus santos anjos!'» [Tb 11, 13-14]. Este é um exemplo extraordinário, de coragem e força interior para amar o próximo, no meio de um povo pagão. De facto, quem pratica o bem está sujeito a provações.

Na mensagem para este dia, o Papa Francisco sublinhou: «Se sou pobre, posso reconhecer de verdade quem é o irmão que precisa de mim. Somos chamados a ir ao encontro de todo o tipo de pobreza, sacudindo de nós mesmos a indiferença e a naturalidade com que defendemos um bem-estar ilusório».

Depois, na homilia da Eucaristia de 19 de Novembro, o Santo Padre elencou a multidão de pobres, em que cada pessoa humana tem rosto e nome: «Pensemos nas inúmeras pobrezas materiais, culturais e espirituais no nosso mundo, nas existências feridas que povoam as cidades, nos pobres tornados invisíveis, cujo grito de dor é sufocado pela indiferença geral duma sociedade atarefada e distraída. Pensemos em quantos estão oprimidos, cansados, marginalizados, nas vítimas das guerras e naqueles que deixam a sua terra arriscando a vida; naqueles que estão sem pão, sem trabalho e sem esperança. Quando se pensa nesta multidão imensa de pobres, a mensagem do Evangelho resulta clara: não enterremos os bens do Senhor! Ponhamos em circulação a caridade, partilhemos o nosso pão, multipliquemos o amor! A pobreza é um escândalo.».

Nas questões sinodais a aprofundar sobre a pobreza, é dito claramente: «Nalgumas partes do mundo, a Igreja é pobre, com os pobres e para os pobres. Existe o risco constante, que deve ser evitado com cuidado, de considerar os pobres em termos de 'eles' e 'nós', como 'objectos' da caridade da Igreja. Colocar os pobres no centro e aprender com eles é algo que a Igreja deve fazer cada vez mais.».

Neste Caminho certeiro e verdadeiro, vivendo da Eucaristia e da Palavra, Pai Américo — um profeta do século XX — foi encontrando com os pobres o Menino Jesus e da Cruz. Desse itinerário junto do próximo sofredor, eis este inciso acutilante como exemplo interpelador:

«Fui ver com meus próprios olhos a toca de uma Menor, errante dos caminhos, com seu filhinho ao peito. Topámo-nos muitas vezes na Baixa [de Coimbra] e o pequenito, do colo da mãe, puxa os botões da minha batina, enquanto ela desfia as contas da vida.

Não tomes a mal nem te escandalizes, se um Sacerdote da Igreja conversa em público e vai a casa da mulher de má nota, que o pecado está no coração, não nas passadas. Pior nota tem o homem que a faz cair, e tu dás-lhe a tua direita!» [Pão dos Pobres, Coimbra, vol. III, 1943, p. 71.].

A parábola do bom samaritano desafia-nos sempre. Faz sentido, pois, perguntarmo-nos sobre a viagem da nossa vida, como frisou o Papa Francisco: «Que estrada estamos nós a percorrer: a de Jesus que Se fez dom ou a estrada do egoísmo?»

Padre Manuel Mendes