
PÃO DE VIDA
Das marteladas em Américo Monteiro de Aguiar
Tendo sido apresentados alguns documentos-chave sobre o chamamento divino de Américo Monteiro de Aguiar, na sua adolescência, ficou comprovado o seu desejo de ser Padre, nomeadamente com os pedidos à sua mãe Teresa, que foi intercedendo pelo seu último filho, de uma prole de oito. Contudo, verificou-se que foram infrutíferas as tentativas para continuar a estudar e entrar no Seminário.
O factor financeiro terá sido um dos motivos para este desvio vocacional, conforme carta de seu pai Ramiro, datada de 7 de Janeiro de 1901: «[…] E o Américo, que não fez exame de portuguez e francez porque, por evitar despesa, eu não deixei, ainda traz melhores notas d'estudo do collégio, que mesmo o António. Daqui a 2 annos, se Deus quiser, irá elle ver terras africanas». ['Facetas de uma Vida', in O Gaiato, N.º 505, 20 Julho 1963, p. 2.]. O seu irmão António formou-se em Medicina, em 1913; mas, tuberculizou, vindo a falecer [1884 †1916].
Certo é que Américo deixou mesmo de estudar no Colégio de Santa Quitéria, da Congregação da Missão, que funcionava num edifício airoso e de horizontes abertos. É significativo que aí foi admitido na Associação dos Filhos de Maria e ouviu falar de S. Vicente de Paulo. Então, acabou por ir trabalhar para o Porto, com 15 anos, conforme testemunhou o Padre José:
«[…] O Américo quis fazer exame no Seminário, mas o Pai não deixou. Fez exame no liceu, para o comércio.
Em Outubro de 1902, já estava colocado no Porto, numa loja de ferragens, Rua de Mousinho da Silveira, 110-112. 'Estou muito bem, os patrões são muito meus amigos. Passo muito bem. Não estou arrependido pela escolha que fiz, e mesmo quando o Pai me falou, já tinha a casa arranjada e tudo pronto'. Era gente boa e piedosa; não se perdiam as devoções da Igreja! Ajudava às missas e confessava-se muitas vezes, na Igreja do Seminário, à Sé. Vivia num ambiente de piedade que lhe aguçava o desejo de ser padre. Em Setembro [Outubro] de 1905, matriculou-se no Instituto Comercial e Industrial do Porto, sem deixar o serviço da casa onde trabalhava. Começou, então, a sofrer de reumatismo que lhe passou com a mudança para África […]» [O Gaiato, N.º 326, 1 Set. 1956, p. 2.].
Como se verifica, desde a lareira da Casa do Bairro, em Galegos — Penafiel, Américo continuava a procurar viver a fé cristã no Porto, pois não deixou de se abeirar dos Sacramentos e das devoções da Santa Igreja. Uma carta-resposta para seu irmão Padre José - que o foi aconselhando — enviada do Porto e datada de 8 de Julho de 1903, comprova esta asserção:
«[…] Porem quem examinasse bem a carta ver-lhe-ia ao cimo um dever de bom Irmão: Nunca te esqueças de Deus, nem deixes de ir à missa aos domingos e dias santos.
Bem sei que não é nosso dever contar a alguém as virtudes de cada um; mas para que fique certo de que executo os conselhos que me dá, os quais penhoradissimamente lhe agradeço, digo-lhe que tenho meses que me confesso de 2 ou 3 vezes para cima no seminário Episcopal que fica muito perto d´aqui, vamos a todos os exercicios espirituais como o mez de Maria. […]» ['Cantinho dos Rapazes', in O Gaiato, N.º 1090, 21 Dezembro 1985, p. 4.].
Ainda é possível dizer que recebeu o sacramento da Confirmação, no tempo em que trabalhou no Porto [1902-1906], conforme documento posterior na Cúria Diocesana de Coimbra - de 21 de Outubro de 1926. Terá sido crismado na Sé Catedral do Porto, pelo Bispo D. António Barroso [1899-1918]?
Acontece que a sua mãe Teresa também não desistia de o acompanhar e escutar, de acordo com uma carta ao seu filho mais velho, Padre José:
«Hoje, 28 de Junho de 1903, Padre José estou admirada do teu silensio. […] Beijo numa carta do Pai em que dizes que o dinheiro das missas deve ser só para pagar o collegio. Em tão nesse caso para que foi o Americo bender ferros? Com o teu ausilio podião andar ambos e dar um modo de vida de letras ao Americo da maneira que elle é fino e aprende. Tenho tido um desgosto que tu não imaginas. Tinha-me dito que queria ser Padre. Já uvi uma so vez e disse-me que se não fosse o Jaime não asseitava aquela pozisão e como conheceu a bontade do Pai disse-lhe que sim, mas está constrangido. […]» ['Facetas de uma Vida', N.º 479, 21 Julho 1962, p. 4.].
É de notar que, aos 18 anos, sendo empregado comercial, Américo conseguiu retomar os estudos, mas teve de os interromper por falta de saúde. Neste sentido, na sua matrícula, que consultámos no Arquivo Histórico do Instituto Superior de Engenharia do Porto, vem o seguinte: «[…] a 12 de Outubro de 1905 foi matriculado […] como aluno livre para seguir o curso sup. [superior] de com.º [comércio] o estudante Américo Rodrigues Monteiro de Aguiar.» [Livro de Matrículas (A96) Anno Lectivo de 1905-1906,n.º 44, Classe Liv.]. De notar neste documento um apelido de sua mãe: Rodrigues.
Por carta de 15 de Dezembro de 1905, a sua mãe Teresa comunicou ao seu filho Padre José o seguinte: […] o Américo está em casa doente dos ossos. Já estava no Instituto Comercial, mas parece que este inverno passa por aqui até ir às caldas a ver se melhora» [O Gaiato, N.º 505, 20 Julho 1963, p. 2.].
O seu irmão Zeferino [1886 †1938] emigrou para o Brasil. Em Novembro de 1906, com 19 anos, Américo embarcou em Lisboa com destino à colónia portuguesa de Moçambique, para trabalhar, onde se encontrava o seu irmão Jaime Aguiar [1879†1954], desde 1898.
Assim, tendo deixado a sua terra, a sua família e a casa de seus pais, ia dar um salto bem maior, seguindo o caminho da África oriental portuguesa, onde outros encontros providenciais o esperavam… De facto, como escreveu Padre Carlos Galamba: «Em Padre Américo, o chamamento é um processo de demorada maturação, que começa na infância e verdadeiramente nunca foi interrompido» ['Mais fortes que a morte — Padre Américo Monteiro de Aguiar', in Lumen, N.º 6-7, Junho/Julho 1986, p. 25 (265).].
[continua]
Padre Manuel Mendes