
PÃO DE VIDA
Fez-Se Menino
«É a criança; são as crianças. Foi por elas que chamou o Filho de Deus
no início da sua Missão de Salvador.»
Pai Américo [O Gaiato, N.º 137, 28 Maio 1948, p.1.]
O Natal de Jesus aconteceu seguramente com o Seu nascimento [7-6 a. C.], no seio de uma pobre família judia rural radicada na baixa Galileia, na Palestina, no tempo do imperador romano Augusto. A encarnação é o abaixamento misterioso de Deus à nossa humanidade, em Maria, para dar a Sua vida totalmente até à Cruz pela salvação de todo o ser humano. Dois milénios depois, o Natal de Jesus, como acontecimento único na História da Humanidade e da Salvação, encontra-se bem visível na alegria jubilosa dos meninos que são dados à luz ao mundo; e em milhões de seres humanos que padecem tantas e tamanhas dores.
Neste tempo carregado de emoções, quem fala no Nome de Jesus, o Salvador do mundo?... As sociedades com matriz cristã têm-se deixado invadir fortemente, por pressões comerciais e subliminares, de muitos sinais de paganismos destruidores. Em Novembro, em vez do Pão por Deus, obrigam-se as crianças das escolas a entrar nas trevas do Halloween, com o nosso protesto; e em Dezembro lá vem uma multidão de pais natais ocupar o lugar único do Menino Jesus - do presépio.
Vilipendiados e esquecidos são os valores da família natural - pai e mãe, filhos, avós - e cristã; porém, há felizmente muitos cristãos e pessoas de boa vontade que pugnam pela defesa e promoção da vida humana - desde a concepção à partida terrena - e pelo equilíbrio familiar e social, anunciando-os aos mais novos e abertamente, sem medo, especialmente em momentos de fractura política e social [v.g., discussões sobre o aborto, a eutanásia]. É dito que a civilização ocidental está órfã de pai. Em certos países é possível conceber em laboratório uma criança sem pai, o que constitui uma grande ruptura antropológica, com tremendas implicações éticas, fragilizando assim o essencial do ser humano. «Na nossa sociedade actual, em que os pais são discriminados, em vias de extinção, os equilíbrios relacionais familiares fragilizam-se.» [François-Xavier Bustillo - A vocação do padre perante as crises, Fátima: S. N. Liturgia, 2022, p.94].
Actualmente e infelizmente, tem-se acentuado um inverno demográfico no Ocidente, que atinge também Portugal. Porém, a nível mundial, é de notar um acontecimento demográfico recente: em 15 de Novembro, a população total terá ultrapassado os 8 biliões. Os cristãos não podem ter receio de um crescimento demográfico catastrófico, da teoria malthusiana [1798] - em que a população cresce em progressão geométrica, enquanto a produção alimentar cresce em progressão aritmética. É de contrapor, em palavras e obras, a perspectiva cristã da justiça, da caridade e do desenvolvimento sustentável.
É reconhecido que o planeta Terra tem, ainda, o suficiente para as necessidades das populações, mesmo com as alterações climáticas graves [v.g., aquecimento global], e recursos escassos e de qualidade [v.g., água]. Porém, a ganância de alguns poderosos, e o esbanjamento e desperdícios alimentares são obstáculos sérios à sua distribuição justa, com cenários confrangedores de fome e desnutrição. O seu agravamento tem sido causado pela crise ecológica, guerras [como na Ucrânia] e pela pandemia covid-19. A fome atinge mais de 800 milhões de pessoas, sendo que o sul da Ásia é a região com valores mais elevados e a África subsariana também apresenta níveis graves.
O impacto do crescimento demográfico faz-se sentir na chamada pegada ecológica - no meio ambiente, embora não sejam os países pobres os principais causadores das mudanças climáticas. De facto, entre outros, os países que provocam maior quantidade de poluição, de tipos diversos - como a emissão de enormes quantidades de dióxido de carbono para a atmosfera - são principalmente: a China, os Estados Unidos da América, a Índia, a Rússia, etc. É preocupante o degelo dos glaciares.
A Criação inteira, a Terra como lugar escolhido em que o Homem habita, é um mundo infindável de mistérios fabulosos e belezas extraordinárias, cujo cuidado e respeito são tarefas gigantescas - obrigatórias, urgentes e permanentes - de todas as pessoas, em todos os tempos e lugares. As economias mais fortes e sugadoras de recursos têm a maior responsabilidade nesta matéria. Salvar a biodiversidade em declínio no nosso planeta - protegendo os ecossistemas, os habitat e a diversidade biológica - é de uma exigência crucial para a sobrevivência das espécies, em especial a espécie humana - Homo sapiens L. Tendo por mote o Cântico das criaturas, de S. Francisco, o Papa Francisco dedicou ao tema do cuidado da casa comum - como inadiável e fulcral para a Criação e a humanidade - uma bela Carta Encíclica: Laudato Si [24-V-2015], com alertas muito fortes, como: «Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou.» [n. 2].
Sublinhamos, então, que as pessoas - o ser humano único e irrepetível - são a maior riqueza das famílias e das sociedades, que devem viver com dignidade e em meios saudáveis, pugnando pelos valores éticos e tendo Deus o Seu lugar de primazia. Há metrópoles urbanas e periferias em que se acumulam pessoas sem os mínimos de qualidade de vida. Em lugar prioritário de atenção e cuidado devem estar sempre os frágeis, como rostos mais crucificados de Cristo: «A vida humana, mesmo se débil e com sofrimento, é sempre um esplêndido dom do Deus de bondade» - da Exortação Apostólica Familiares Consortio [n. 30], do Papa João Paulo II[22-XI-!981]. Há sete décadas que o Padre Américo ia caminhando seguro e actuante por uma civilização cristã viva, contrariando o perigo de uma mentalidade contra a vida [anti-life mentality], afirmando: «[...] Mesmo que a ciência venha a 'progredir' e os 'cientistas' a multiplicar-se e chegue a ordem à Casa do Gaiato de matar os que não prestam - eu não obedeço. Não cumpro. Amo-as mais e lanço à terra mais semente.» [O Gaiato, N.º 215, 24 Maio 1952, p.39.].
Santo e feliz Natal, sempre do Menino Jesus - do presépio e da cruz!
Padre Manuel Mendes