
PÃO DE VIDA
Sopa dos Pobres - há 90 anos
Esta obra social católica meritória, entre outras, na Diocese de Coimbra, desde 1932 que se revelou significativa no itinerário do apostolado do Padre Américo, depois da sua ordenação e no serviço aos pobres. Para a enquadrar de forma breve, seguem-se algumas notas sobre o contexto em que surgiu, como noutros centros populacionais, devido às enormes carências desses tempos muito difíceis entre as Guerras Mundiais.
Depois da crise resultante da I Guerra Mundial [1914-1918], em 24 de Outubro de 1929, a quinta-feira negra, deu-se o colapso [crash] da bolsa de valores de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América. Esta quebra drástica piorou drasticamente os efeitos de uma recessão económica, com o encerramento de muitas empresas e o aumento acentuado do desemprego. Sendo uma grave crise económico-social, conhecida como a grande depressão, teve efeitos no mundo inteiro, causando pobreza geral em diversos países, persistindo na década de trinta e com o ápice em 1933.
Ainda de notar que em Portugal, na I República, implantada em 1910, se verificou um clima de tensão política e religiosa, surgindo a Lei da Separação do Estado das Igrejas e um processo de perseguição à Igreja Católica, cujo fenómeno teve antecedentes anteriormente. Depois, aconteceu a Revolução de 28 de Maio de 1926, visando rever a Constituição de 1911; e instaurou-se um regime autocrático. No sentido de promover a recristianização, a Igreja realizou o Concílio Plenário Português, iniciado em 24-XI-1926 e apresentado numa Pastoral Colectiva do Episcopado Português em 1930, que chamou a atenção para situações de clamorosas injustiças, recomendando as obras católicas, como a Acção Católica em face da Questão Social, na linha da Encíclica Rerum Novarum [15-V-1891], do Papa Leão XIII. Entre outras instruções, os Bispos também desejaram «ardentemente ver prosperar e crescer as obras de assistência e as obras de caridade»; e afirmaram: «estamos no nosso papel levantando bem alto o clamor em favor dos pobres de quem o nosso divino Mestre foi amigo desvelado e cujo cuidado nos confiou» [Concílio Plenário Português, Lx.ª, 1931, p. XXXI-XXXII].
Na Diocese de Coimbra, sendo Bispo D. Manuel Luiz Coelho da Silva, entre outras Pastorais, fez logo uma exortação ao Clero sobre o Apostolado dos pobres [2-IV-1916], instituindo as Conferências de S. Vicente de Paulo e aconselhando: «A vossa e minha dedicação deve estender-se especialmente às crianças, aos doentes e aos pobres, porque são estes os maiores amigos de Deus» [Boletim da Diocese de Coimbra, Abril 1916, p.23]. No propósito que abordamos, deu muito valor à imprensa católica, para marcar posição coerente na defesa da Igreja e da justiça social, surgindo do seu zelo pastoral o Correio de Coimbra, em 18 de Março de 1922, cujo centenário foi comemorado. Ad multos annos! Este grande Prelado promoveu outras obras de caridade, v.g.: a Sopa dos Pobres, o Patronato, as Criaditas dos Pobres, o Refúgio da Rainha Santa. O Cónego Manuel Trindade Salgueiro, num elogio sobre o seu passamento [1-III-1936], sublinhou: «Pode dizer-se que não havia miséria ou privação aonde não chegasse o calor do seu carinho, o óbolo da sua bondade» [Um Bispo. Coimbra, 1936, p. 23].
No Correio de Coimbra, periódico de referência entre os jornais de inspiração cristã, o Padre Américo, como que um esmoler do seu Bispo, desde 1932 foi «relatando, semana após semana, numa linguagem fluente, que encantava os leitores» [A. Jesus Ramos - Correio de Coimbra, 18-III-2021, p.3] o serviço caritativo de ajuda e promoção dos pobres e doentes, cujo crescimento veio a resultar na Obra da Rua. No seu processo, na Cúria Diocesana, não vimos referência escrita a esta missão específica, embora se encontrem notas de outras missões pastorais. Sobre as diversas Obras católicas em Coimbra, há 90 anos, ver o Anuário Católico de Portugal 1932 [p. 200-204].
Assim sendo, para já, pois isto é como as cerejas, tendo encontrado a primeira notícia sobre a Sopa dos Pobres, nesse importante semanário católico de Coimbra, então dirigido pelo Dr. Herculano de Carvalho, achamos por bem transcrevê-la nestas colunas como ponto de partida para esta singela referência à comemoração da efeméride em apreço. Eis:
«SOPA DOS POBRES
Foi hontem inaugurada no Patronato, na Rua da Matemática, a Sopa dos Pobres fundada por Sua Ex.ª Rev.ma o Sr. Bispo Conde.
A sopa foi servida por caridosas senhoras do Patronato, tendo assistido a Senhora Directora.
A sopa, que continua a ser servida todos os dias à 1 hora da tarde, é mais uma bela obra de caridade criada por Sua Ex.ª Rev.ma, que muito contribui para minorar a grande crise de assistência que actualmente atravessa a pobreza.
Que Deus abençoe o Sr. Bispo-Conde e as caridosas senhoras do Patronato que tão desveladamente auxiliam esta Obra.» [Correio de Coimbra, Ano X, N.º 499, sábado, 2 de Janeiro de 1932, p. 2, col. 4].
Padre
Manuel Mendes