PÃO DE VIDA

Do ambiente digital

Continuando a abordar um dos pontos cruciais do Sínodo dedicado aos jovens, em Outubro de 2018, é incontornável que o mundo digital actual é um tema de suma importância. O ambiente digital, além dos benefícios, também está atravessado por limites e perigos de vária ordem, que são um grande desafio para as sociedades e também para a Igreja. De facto, «não é saudável confundir a comunicação com o mero contacto virtual. Com efeito, 'o ambiente digital também é um território de solidão, manipulação, exploração e violência, até chegar ao caso extremo da dark web [internet obscura]. Os meios de comunicação digitais podem encerrar o risco de dependência, de isolamento e de progressiva perda de contacto com a realidade concreta, levantando obstáculos ao desenvolvimento de relações interpessoais autênticas.'» [Papa Francisco - Cristo vive: Exortação apostólica pós-sinodal Christus vivit aos jovens e a todo o Povo de Deus, 25 Março 2019, n. 88].

Neste mundo que nos é dado viver, no século XXI, depois de duas guerras mundiais, com tragédias terríveis, essas tristíssimas lições não foram aprendidas, pois continuam a disseminar-se maldades tremendas e os conflitos agudizando em várias áreas da Terra, como na Ucrânia, mártir e heróica, numa espiral infernal, em que o que é mau pode ser pior [da lei de Murphy]. Pode, assim, provocar algum desalento que o mal se vá tornando banal; e haja pessoas que o determinem, pactuem e não façam sequer advertências. No entanto, recorde-se que, em 1961, na ONU, John Kennedy sublinhou o dilema: «a humanidade tem de acabar com a guerra antes que a guerra acabe com a humanidade». Parece, então, que actualmente se vai chegando à banalidade do mal [de Hannah Arendt], cuja enfermidade preocupante também acontece a nível digital.

A tecnologia digital deverá sempre promover a dignidade humana e a confiança entre as pessoas, aproximando-as, mas tantas vezes se desconecta de imperativos éticos. Como os conflitos emergem do coração humano [Mt 7, 21-22], isso também se verifica com a violência digital; embora neste cenário os intervenientes muitas vezes estejam incógnitos. A cibersegurança é uma preocupação crescente, surgindo os chamados hackers [pessoas que usam computadores para obter acesso não autorizado a dados] e com intenções prejudiciais, malévolas e fraudulentas - os crackers [piratas informáticos].

É de notar que, «no mundo digital estão em jogo ingentes interesses económicos, capazes de fomentar formas de controlo tão subtis como invasivas, criando mecanismos de manipulação e do processo democrático. [...] Estes circuitos fechados facilitam a difusão de informações e de notícias falsas, fomentando preconceitos e ódios. A proliferação das fake news [notícias falsas] é a expressão de uma cultura que perdeu o sentido da verdade e que submete os factos a interesses particulares. A reputação das pessoas corre perigo mediante julgamentos sumários online. Tal fenómeno também afecta a Igreja e os seus pastores.» [Ibid., n. 89].

Os próprios jovens - nativos digitais - reconheceram que «as relações on-line se podem tornar desumanas. Os espaços digitais cegam-nos relativamente à vulnerabilidade do outro, dificultando a reflexão pessoal. [...] A imersão no mundo virtual tem propiciado uma espécie de 'migração digital', quer dizer, um afastamento da família, dos valores culturais e religiosos, que conduz muita gente a um mundo de solidão e de auto-invenção, até ao ponto de experimentarem uma falta de raízes, mesmo permanecendo fisicamente no mesmo lugar. A vida nova e transbordante dos jovens, que impele e tenta auto-afirmar a sua própria personalidade, enfrenta hoje um novo desafio: interagir com um mundo real e virtual, em que penetram sozinhos, como num continente global desconhecido. Os jovens de hoje são os primeiros a fazer esta síntese entre a pessoa, o próprio de cada cultura e o global. No entanto, isso requer que consigam passar do contacto virtual a uma boa e sã comunicação» [Ibid., n. 90].

Padre Manuel Mendes