
PÃO DE VIDA
Última viagem
No horizonte
O Padre Américo manifestou-se claramente como um cristão ímpar, apaixonado por Jesus Cristo e amigo dos pobres, para bem da Igreja Católica e de Portugal contemporâneo. Em espírito de pobreza, seguiu S. Francisco de Assis. Ao seu jeito peculiar, viveu na linha dos exemplos de grandes santos mais dedicados aos Pobres, como S. João de Deus, S. Vicente de Paulo, Beato Antoine-Frédéric Ozanam [1813†1853] e S. João Bosco. Desde a sua infância à idade adulta, ao longo da sua vida profissional e depois na sua vida sacerdotal, de serviço por inteiro aos Pobres, para comer o pão com o suor do seu rosto e distribuir aos famintos, percorreu várias terras, em alguns Continentes, não guardando o tesouro escondido nos campos e mares por onde passou e sulcou. Sendo Presbítero para servir a Igreja e o mundo, em especial os mais caídos, deu de comer sem medida e cuidou dos pobres e enfermos, como Jesus mandou. A sua pena certeira resumiu assim a vida cristã: Da Cruz para cá, viver é amar [Pão dos Pobres, I, 1941, p.91].
Ao aproximar-se dos seus irmãos - pessoas com rostos de miséria, desfiguradas, como crianças, velhinhos, enfermos, pobres e reclusos - o Padre Américo não se limitou a denunciar situações injustas, com retórica de palavras, não atirando pedras. Então, em comunhão com os mais pobres e desafiando à partilha, foi um Padre sem medo, ao serviço da vida humana, como se verifica: Senhora de Lisboa, cujo nome não conheço: - aquele enxoval rico e pequenino para um recém-nascido, no qual diz haver posto toda a sua devoção, esse enxoval, trazia dentro de si o fermento de uma vida nova, coube a uma meretriz, doente no hospital, em vésperas de ser mãe. Tomou-o nas mãos, apertou-o ao coração num ai que é para o meu filhinho e escondeu-o na cama, muito contente, afagando esperanças..., ela, a pobrezita, a quem a mercancia do lupanar não derrancou ainda a maior glória da mulher [Pão dos Pobres, I, 1941, p. 210]. Sendo recoveiro dos pobres, foi agindo em horas certas, como mais esta de aflição: O amor do pobre pela sorte dos Pobres toca as raias da santidade. Um dia, vi-me nas ruas da Baixa [de Coimbra], aflito, com um recém-nascido nas mãos. Logo acode uma viúva com sete filhos, um de peito, que perdera ontem o seu marido. - Oh mulher, você não pode! - Posso, que tenho dois peitos! [Pão dos Pobres, III, Coimbra, 1943, p. 33].
Da sua grande tarimba, em matéria social, entre outros, vale a pena reter este conselho pragmático: Esteve aqui há dias um Sacerdote, a quem o seu Bispo incumbiu de assistir um grande e importante asilo, algures. Assistente religioso. Observou. Compreendeu. - Mas eu não posso fazer assim. - Porquê? - Por causa da Mesa. Dei-lhe um conselho: olhe, deixe a Mesa. Arranje uma toca e meta-se nela. Chame rapazes da rua. Viva com eles e faça milagres. Pronto [O Gaiato, n. 125, 11 Dez. 1948].
Na sua meta em vista, tinha uma certeza cristã: Há um segredo divino no meu palmilhar de cada dia, que me não deixa cair no chão: Eu desejo encontrar na Eternidade, sentados à direita do Pai Celeste, todos aqueles garotos que me passam pela mão [Pão dos Pobres, II, Coimbra, 1942, p.138]. Como a santidade é um chamamento universal, viveu na certeza da vocação de todo o ser humano: O santo é aquele que vive na sua vida a vida de Deus [O Gaiato, n. 86, 14 Jun. 1947]. Viveu dilacerado pelas dores dos Pobres, mas foi feliz - bem-aventurado - no Caminho e serviço cristão a que foi chamado pelo Bom Pastor, conforme escreveu: Desde Julho do ano de 1929, em que me tornei sacerdote, nunca mais deixei de frequentar o quinhão que Deus me destinou pela Sua misericórdia [O Gaiato, n. 190, 9 Junho 1951].
Logo após a sua morte, o Padre Eurico Dias Nogueira [1923†2014], da Diocese de Coimbra, mais tarde Arcebispo de Braga [1977†1999], sem antecipar o juízo da Santa Igreja, escreveu, em Coimbra, a 23 de Julho de 1956, no 7.º dia da morte do Apóstolo da Rua: [...] é certo que se ele, depois de quarenta anos de vida agitada e dissipada, conseguiu ser um homem bom, foi porque era sacerdote e era santo [Novidades, n. 19.989, 25 Julho 1956 O Gaiato, n. 325, 18 Ag. 1956]. A Conferência Episcopal Portuguesa, pelo centenário do seu nascimento [em 1987], afirmou com justeza que a História da Igreja entre nós, neste século, não se poderá fazer sem lhe reconhecer lugar de primeiro plano [Lumen, Lx.ª,Jan.1987, p.4]. Confessando-se pecador de sete vezes ao dia, também foi exemplo de algumas virtudes, já confirmadas pela Igreja Católica. Na verdade, Padre Américo foi-se cumprindo na sua vida terrena, porque foi fiel ao mandato de Jesus: Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando [Jo 15, 14]. Como o bom samaritano, mostrou claramente que a existência de cada um de nós está ligada à dos outros: a vida não é tempo que passa, mas tempo de encontro [Papa Francisco - L'Osservatore Romano, ed. port., 4 Maio 2017].
Sendo a História mestra da vida [magistra vitae - Cícero, De Oratore, 2, 36] e redimindo-nos do purgatório do esquecimento, verifica-se que a vida do Padre Américo Monteiro de Aguiar [1887†1956], com raízes profundas em torrões de evangelização beneditina, de forma eloquente, faz jus a um sábio pensamento de um monge beneditino, escrito [em 1658] no Livro de Óbitos dos Monges que faleceram neste Mosteiro de S. Salvador de Paço de Sousa (1625-1826) [Bibl. Púb. Mun. Porto, ms.173, fl. 27 v.º]: Não desejarão os mortos serem louvados depois da sua morte, sendo só assim de servirem suas vidas de consolação e exemplo aos vivos.
É de realçar a forma inequívoca como Padre Américo afirmou a sua fidelidade à Igreja, em muitos escritos, com afirmações claríssimas, v.g.: Sou da Santa Madre Igreja Católica, aonde espero morrer [O Gaiato, n. 81, 5 Abril 1947]. Pouco antes da sua partida deste mundo, escreveu assim: Admiremos a Igreja. Alegremo-nos com a Santa Madre Igreja, como é chamada desde os primórdios. Quem é que prende? Quem dá volúpia? Quem afeiçoa? Só Cristo Jesus e a sua Fundação. Que ninguém, pois, se enamore e exalte «a sua obra». Falar, sim; amar, viver a Igreja. Ela é o resumo [O Gaiato, n. 322, 30 Junho 1956].
O Padre Américo - Pai Américo é um exemplo eclesial vivo e relevante nas causas da Justiça e do Amor - como que doutor amoris causa [Notas da Quinzena, Paço de Sousa, 1986, p.187], pelo seu amor a Deus e serviço muito dedicado aos Pobres. Assim, seja-nos permitido pedir a Deus que não venha longe o dia da sua glorificação canónica, isto é, a sua Beatificação...
Padre Manuel Mendes