
PÃO DE VIDA
Última viagem
Neste acontecimento extremamente marcante estiveram presentes autoridades religiosas, civis [v.g., Dr. Domingos Braga da Cruz, Governador civil do Porto; Dr. José Guilherme Melo e Castro, Sub-Secretário de Estado da Assistência Social] e militares. Foi testemunhado por uma multidão de pessoas em lágrimas ao longo do seu percurso, com mais de um milhar de automóveis, desde o Porto, em grande emoção: E o povo, o Porto inteiro, ajoelha-se à passagem do Amigo mais amigo dos pobres. Ajoelha-se, reza - e chora [Diário do Norte, 17 Julho 1956]. Nesse itinerário penoso, seguiram-se outras localidades - Valongo, Vilarinho, Gandra, Baltar, Cête - até à passagem do Rio Sousa, pela ponte de Areias, na EN 106-3, entrando assim na histórica freguesia do Salvador de Paço de Sousa, vizinha de Galegos, em cujas terras beneditinas se encontram raízes bem profundas e ramos dos seus avoengos.
Por fim, o cortejo fúnebre chegou ao lugar do Mosteiro, entrou no portão principal da Casa do Gaiato de Paço de Sousa, subiu a Avenida Eng.º Duarte Pacheco e terminou no largo da Capela da Aldeia do Gaiato, altaneira e linda. Uma década antes, Padre Américo tinha escrito o seu [pres] sentimento: Peço todos os dias. Imploro! Espero. Confio. Desejo acabar os meus dias nos sentimentos da Cruz. É a vida que faz a morte. Hei-de passar rentinho ao cruzeiro e às alminhas, naquele dia tremendo, grande como nunca fui - porque morto [O Gaiato, n. 62, 13 Julho 1946]. A seguir, foi celebrada Missa de corpo presente, presidida por D. Rafael da Assunção, O.F.M., Bispo de Limira, que afirmou: Estou aqui - salientou - como amigo pessoal e admirador do Padre Américo, e para fazer um requerimento: que Deus lhe dê entrada no Céu. [...] A Igreja, Portugal e o Mundo correram o risco de perder um grande padre - correram o risco de perder o maior apóstolo dos nossos dias [...]. O Padre Américo era, realmente, um grande homem e um grande sacerdote [O Comércio do Porto, 18 Julho 1956]. Depois, especialmente os seus gaiatos desfilaram com tristeza e saudade, junto à urna, despedindo-se de Pai Américo - o seu maior amigo - deste modo: Todos se baixaram e beijaram, filialmente, a testa do Padre Américo. As lágrimas banharam-lhes as faces, e as cenas que pudemos observar são de cortar o coração [ibidem]. O cortejo fúnebre desceu, então, a Aldeia dos Rapazes para o Terreiro de Gamuz e entrou na Igreja Paroquial do Salvador de Paço de Sousa, onde foi rezada outra Missa, concelebrada por vários sacerdotes e muito povo. De lembrar justamente que os seus Pais, Teresa e Ramiro, contraíram Matrimónio nesta Igreja e também nela Padre Américo celebrou Missa Nova! Finalmente, pelas 15 horas, a urna com o corpo do Padre Américo deu entrada no cemitério paroquial de Paço de Sousa. Os monges do Mosteiro de Singeverga cantaram as Exéquias solenes. O Dr. Eduardo Augusto Frederico de Albuquerque, advogado, fez um elogio fúnebre, em que afirmou a dado passo: Orava em silêncio - mais praticando que falando!... Então, à vista de toda a gente - em especial familiares, Rapazes (seus filhos), Padres da Rua, povo da terra e da região, e muitos amigos - o corpo do Padre Américo desceu ao pó da terra, sendo sepultado no cemitério de Paço de Sousa [a nascente], ao lado do jazigo da sua família da Casa de Antelagar. Ficou temporariamente junto ao Mosteiro de Paço de Sousa, onde outrora [séc. XII] quis repousar o sono eterno D. Egas Moniz, de Ribadouro, símbolo da lealdade portuguesa.
O acidente do Padre Américo em S. Martinho do Campo - Valongo, a sua morte no Porto e o seu funeral para Paço de Sousa tiveram enorme eco na Igreja, na sociedade e na comunicação social durante longos dias. Foi geral a consternação em Portugal inteiro, causada pela morte do grande apóstolo do bem, v.g. na cidade do Mondego: Todos os estabelecimentos comerciais de Coimbra têm meias portas encerradas em manifestação de pesar pela morte do Rev. Padre Américo. Centenas de telegramas de condolências foram remetidos desta cidade para a Casa do Gaiato de Paço de Sousa, e muitas individualidades de Coimbra seguiram para o Porto, a fim de participarem no funeral [Diário do Norte, 17 Julho 1956]. Entre inúmeras expressões de sentimentos de dor, v.g.: Voz da Igreja - Está de luto Igreja em Portugal e mais órfãos rapazes da rua. Ajoelho oferecendo patena Santa Missa grande Obra evangélica realizada. Cardeal Patriarca [D. Manuel Gonçalves Cerejeira]; Voz dos Pobres - Pai Américo! Pai Américo! não respondes... ai que estou órfão! Perdi o meu Pai!!!; Testemunho de um Padre da Rua - Os desígnios de Deus constituíram-me seu «cireneu» os últimos dois anos. Passámos juntos a noite derradeira. Meus ouvidos indignos escutaram suas últimas palavras conscientes. O peso da sua Cruz ficou-me por herança. E agora já não sou eu que ajudo, é ele que me conforta até ao cimo da crucifixão. Padre Carlos [O Gaiato, n. 324, 28 Julho 1956].
No 30.º dia do passamento do Padre Américo, na Igreja da Trindade, foi celebrada uma Missa presidida pelo Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, sublinhando que a lição da sua vida: resume-se toda naquela evolução fonética e semântica Padre Américo - Pai Américo [...]. Sendo que foi grande no amor do próximo porque foi grande no amor de Deus [vd. Voz do Pastor, 25 Agosto 1956]. Cinco anos depois da sua morte, em 17 de Julho de 1961, os seus restos mortais foram trasladados para a Capela da Casa do Gaiato de Paço de Sousa e jazem a norte, sob um belo vitral com um pelicano, em simples campa rasa de granito, com uma cruz em relevo e esta inscrição na pedra da sepultura: ERA 1956/ AMÉRICO MONTEIRO D'AGUIAR/ PRESBÍTERO.
O primeiro Postulador da Causa de glorificação canónica, D. Gabriel de Sousa, O.S.B., escreveu assim: milhares de pessoas que, de toda a parte, visitam a Aldeia, vão ajoelhar junto daquela campa e rezar, convencidas de que quem tão caridoso foi na Terra, sem dúvida o será mais, se possível, no Céu [Portucalensis/ Canonizationis Servi Dei/ Americi Monteiro de Aguiar/ Sacerdotis/ Petitiones et Articulos. [1990], [dact.], p.18].
Padre Manuel Mendes