PÃO DE VIDA

A excelência do cristianismo

Nesta interessante caminhada para a divulgação de um trabalho académico inédito redigido por Américo Monteiro de Aguiar, quase centenário, enquanto aluno do Seminário Episcopal de Coimbra, o dito documento tem de ser dado à estampa por partes. Continuamos ainda na missiva anexa que enviou ao seu irmão Jaime, da qual transcrevemos mais alguns parágrafos. Ora, eis:

«[…] Mas então vens agora tu, se tudo é mistério e ninguém sabe a verdade, procurarei a melhor maneira de viver no mundo e para o mundo, à minha vontade, sem preconceitos. Sim, podes, mas lembra-te de que não podes jamais viver bem no mundo e para o mundo, se antes não procuras viver bem em ti e para ti. Ora é justamente nesta altura que o mistério da vida cristã, sem deixar de ser mistério, é luz.

A Bíblia ensina-nos à maravilha as leis da matéria e do espírito, e o Evangelho dá-nos o verdadeiro sentido do como, porquê e para quê da existência. Os sábios que mexem com as teorias do pensamento, podem deturpar e deturpam a verdade; não assim os que lidam com as leis e fenómenos do mundo físico.

Havendo sidos chamados ao mistério da vida por amor, é amando que nos realizamos. Jesus Cristo, Deus Homem, havendo em certo momento do tempo e local do espaço assumido a nossa espécie e sido um de nós, outorgou-nos a lei da vida no amor, no perdão, na misericórdia, na abnegação, no sofrimento, na paz e na alegria para nós podermos assim seguir a sua letra e vir a ser divinos como Ele. Jesus é pois o vínculo da solidariedade humana realizada na Caridade, em virtude da qual nós, Ele e por Ele, somos o que devemos ser, procurando ser o que Ele foi. Jesus é assim o nosso irmão mais velho e é soberanamente admirável quando exclama: — "Eu sou o Caminho, a Luz e a Verdade".

Ora uma vez inteirado nestes princípios, já tu vês como as vãs filosofias do pensamento transtornam a Verdade, porquanto nós não somos produtores da matéria nem fomos chamados à vida à toa, para completar a harmonia do universo. Muito menos somos filhos de uma necessidade ou vontade absolutas, vivendo por mero capricho do Criador, esmagados na eterna interrogação das cousas, joguetes de maneio maquiavélicos. Nada disso. Somos filhos da Bondade complacente de Deus, chamados a realizar a vida dentro das normas do Evangelho, cuja letra Jesus Cristo ensinou, praticando. "Eu sou a Luz, o Caminho, a Verdade".

Tenho dito, por hoje. Peço-te que medites estas regras, sabendo que elas são conscientes, inteligentes e cheias de vida; e como a experiência das coisas ordinariamente ensina o homem a corrigir o pensamento, eu desejara que tu evocasses a nobre figura do nosso Pai, invulnerável às ideias de filhos viajados e ilustrados, sempre firme nos seus princípios, morrendo como morrem os justos e dormindo hoje na paz do Senhor. Eu cuido que isto é boa matéria para considerares. De resto não tenhas medo a mistérios nem a dogmas, porque mistério é tudo quanto te rodeia, começando por ti mesmo. O mundo é uma grande hipótese e a chamada ciência não é mais do que um conjunto de teorias que salta de causa em causa até chegar à causa final de todas elas. E, se os fenómenos não deixam de ser uma realidade com o ser mistério, porque duvidar da realidade do mistério da vida cristã? Ninguém sabe o todo de coisa nenhuma. Poi tu não vês a medicina deixando escapar das mãos uma grande parte da humanidade, sem conhecer o mal, e outra parte conhecendo o mal e sabendo o remédio? Não vês que toda a gente usa e conhece os efeitos da electricidade e ninguém sabe o que ela é?

Saudades a todos do teu irmão muito amigo,

[Américo Monteiro de Aguiar]

Junho de 1927. […]».

Fica bem claro o seu propósito de ajudar o irmão Jaime de Aguiar a chegar à Verdade, com argumentos categóricos, centrados na fé em Jesus Cristo, remetendo para a Bíblia e nomeadamente o Evangelho: «Somos filhos da Bondade complacente de Deus, chamados a realizar a vida dentro das normas do Evangelho, cuja letra Jesus Cristo ensinou, praticando.».

Américo de Aguiar refere um dito de Jesus, mas ao seu jeito: «Eu sou o Caminho, a Luz, a Verdade.». Na verdade, Jesus afirmou aos seus discípulos que é o Caminho para o Pai: «[…] Disse-lhe Tomé: 'Senhor, não sabemos para onde vais, como podemos nós saber o caminho? Jesus respondeu-lhe: 'Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim. Se ficaste a conhecer-Me, conhecereis também o meu Pai. E já O conheceis, pois estais a vê-l'O.» [Jo 14,5-7].

Para sublinhar esta verdade fundamental da fé cristã, é pertinente a Declaração Dominus Iesus, sobre a unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja, da Congregação para a Doutrina da Fé, assinada pelo Cardeal Joseph Ratzinger [6-VII-2000]: «Para fazer frente a essa mentalidade relativista, que se vai difundindo cada vez mais, há que reafirmar o carácter definitivo e completo da revelação de Jesus Cristo. Deve, de facto, crer-se firmemente na afirmação de que no mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus Encarnado, que é 'o Caminho, a Verdade e a Vida' (cf. Jo 14, 6), dá-se a revelação da plenitude da verdade divina: 'Ninguém conhece o Filho senão o Pai e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o queira revelar' (Mt 11, 27) […]» [DI, n. 5].

É de notar, ainda, um argumento muito próximo, lembrando o seu saudoso Pai, Ramiro Monteiro de Aguiar, com sentimentos de gratidão e veneração: «[…] eu desejara que tu evocasse a nobre figura do nosso Pai, invulnerável às ideias de filhos viajados e ilustrados, sempre firme nos seus princípios. Morrendo como morrem os justos e dormindo hoje na paz do Senhor.». Ramiro nasceu em 17-VII-1848, na Casa de Rabilhas, lugar de Ordins, em Lagares, filho de José Monteiro de Aguiar e de Albina Marques dos Santos. Contraiu matrimónio com Teresa Ferreira Rodrigues, em 23–X–1873, em Paço de Sousa, e viveu na Casa do Bairro, em Galegos, onde criaram 8 filhos. Em 1905, foram viver para a Casa de Antelagar, em Paço de Sousa. Faleceu em 5–VIII–1921, nesta terra, onde foi sepultado [vd. jazigo de Antelagar, no cemitério junto à igreja paroquial do Salvador].

[continua]

Padre Manuel Mendes