
PÃO DE VIDA
Do Venerável Padre Américo
Última viagem
Numa última vontade, o Padre Américo afirmou a sua pobreza voluntária e sacerdotal, de forma significativa. Eis o que deixou escrito para ser cumprido: A gente não sabe como, nem aonde, nem de que há-de vir a morrer. É um segredo de Deus: nisi solus Pater. Também não tenho a certeza se à hora da minha morte já terá nascido aqui o sol daquela pequenina e bendita Diocese [de Ales - Terralba, em Itália, sendo Bispo Antonio Tedde, 1948†1982]: que os funerais sejam iguais para todos. Sendo assim, não tenho nada a dizer. Não há ricos nem há pobres. Somos todos irmãos, e eu serei tratado em esta santa igualdade. Nada tenho a pedir. Porém, se as coisas foram então como são agora, eu tenho que dizer: nem pompas nem epitáfios. É um pobre que morre. Dê-se-lhe tudo e unicamente o que é costume dar-se aos pobres que morrem nas cidades e aldeias. Que os meus sucessores sublinhem esta derradeira vontade e a façam cumprir por amor de Deus [O Gaiato, n. 173, 14 Outubro 1950].
Depois, deu outras indicações finais, em autógrafo que saiu em fac-símile: Atenção ao Gaiato n.º 173 de 14 d'Outubro 1950, aonde falo do meu enterro, na Nota da Quinzena. Aonde quer que eu morra, desejo ser tratado como um pobre. O Seminário de Coimbra tomou a obrigação de me rezar o Ofício de Defuntos e mandar celebrar um Trintário de Missas Gregorianas. Sou membro da Liga da Caridade, d'aquela Diocese, tendo sempre cumprido; e espero q. todos cumpram ao saberem da minha morte. Não desejo os paramentos do altar, mas somente a batina e descalço [O Gaiato, n. 324, 29 Julho 1956]. Deste modo, entrou descalço no Céu!...
Entretanto, depois do seu passamento e dos trâmites legais, o corpo do Padre Américo foi levado para a Capela mortuária do Hospital de Santo António, onde pelas 10 horas foi rezada Missa de corpo presente, presidida pelo Padre Adriano. Cerca das 17 horas, foi trasladado para a Igreja da Trindade. No dia 17 de Julho de 1956, nas suas exéquias fúnebres, foram celebradas várias Eucaristias, no Porto e em Paço de Sousa. Na Igreja da Trindade, pelas 7 horas, foi celebrada Missa, presidida pelo Cónego Nédio de Sousa, em representação do Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. Na Igreja da Trindade, perante o seu corpo, sereno, desfilaram milhares de pessoas de todas as condições sociais. O Largo da Trindade estava repleto de povo - um «mar de gente» vinda de todos os pontos da cidade e dos concelhos limítrofes, que se aglomera nas imediações da Igreja e se estende por todas as ruas do percurso. [...] Não se trata do funeral dum homem vulgar - todos têm a certeza. Quem vai ali é um Santo, segundo o conceito das multidões.[...] [O Comércio do Porto, 18 Julho 1956]. Um pronto-socorro dos Bombeiros Voluntários do Porto foi transformado em carro funerário e militares dos vários Regimentos do Porto prestaram guarda de honra. Às 9 horas e 30 minutos, o lúgubre dobrar dos sinos assinalou a saída do funeral da Igreja da Trindade, presidido pelo Cónego Tomás Francisco Póvoa, Vice-Reitor do Seminário Maior de Coimbra, em representação do Bispo de Coimbra, D. Ernesto Sena de Oliveira.
O cortejo fúnebre atravessou a cidade do Porto e dirigiu-se para a freguesia de Paço de Sousa, conforme reportagem num jornal diário do Porto, do qual foi leitor, transcrevendo-se esta notas: Torna-se impossível descrever, em pormenor, o que se passou durante a travessia da cidade em direcção a Paço de Sousa - na Trindade, na Praça Sidónio Pais, na Cancela Velha, na Rua Formosa, no Campo 24 de Agosto, no Bonfim, na Rua S. Roque da Lameira e em plena estrada. Só a chegada da Trindade à barreira, na Ponte de Rio Tinto, demorou cerca de uma hora e meia. [...] Foi uma viagem de Calvário, Via-Sacra de pungente dor demonstrada por quem, sendo do povo, amava o saudoso apóstolo dos pobres, seu pai espiritual, seu protector, que soube levar a efeito em métodos pacíficos - como dizemos atrás - uma revolução social que a História não deixará de registar. [...] À entrada da Ponte de Areias, que limita as freguesias de Cête e de Paço de Sousa, organizou-se um cortejo, precedido do povo, das forças vivas e de elementos das Corporações de Bombeiros Voluntários daquelas freguesias e de Penafiel [...]. Entretanto, surgiu uma avioneta, do Aero Clube do Porto, que deixou cair milhares de pétalas de flores e, presos a pequenos paraquedas, dois ramos. Um era do Aero Clube, o outro tinha a seguinte legenda: «Ao Pai dos pobres - os pobres do Porto». O avião da carreira da manhã, para Lisboa, sobrevoou a Igreja da Trindade, ao passar sobre a cidade, em última homenagem ao Padre Américo [...] [O Comércio do Porto, 18 Julho 1956].
Padre Manuel Mendes