
PÃO DE VIDA
Última viagem
Eis, então, que no dia 16 de
Julho de 1956, pelas 6 horas e cinco minutos, Deus quis assim chamar Américo
Monteiro de Aguiar à Sua presença. Com coragem e serenamente, Pai Américo
entregou a sua vida luminosa a Deus, que tanto amou, pois passou fazendo o
bem, a exemplo de Jesus - pertransiit benefaciendo, como resumiu S.
Pedro a vida de Cristo [Act 10, 38]. Era memória de Nossa Senhora do Carmo,
sendo que diariamente desfiava as contas do Rosário e colocou uma imagem de
Nossa Senhora da Conceição na Capela da Casa do Gaiato de Paço de Sousa. De
forma incontornável, este acontecimento ficou para sempre inscrito nos anais da
cidade do Porto, de Portugal e da Igreja Católica, como grande português e
grande Padre, cuja memória permanece viva.
O Padre Alexandre dos Santos, O.F.M. [21-XII-1875†11-I-1961], um dos seus companheiros em Vilarinõ de la Ramallosa, deixou um interessante testemunho de amizade desse tempo franciscano, precedido duma referência ao encontro final com a irmã morte: No sábado, 14 de Julho, realizava-se tragicamente o pressentimento do Padre Américo!: Num desastre de automóvel, em S. Martinho do Campo fere-se num braço, quebra ambas as pernas, é internado em estado muito grave no Hospital Geral de Santo António - do Porto, onde, confortado com todos os sacramentos, entrega serenamente a Deus a sua alma - cheia de Graça - e entra na Glória, coroa justa do desempenho cabal da missão a ele confiada e fielmente consumada: amar e servir a Jesus Cristo nos mais pequeninos e desprezados dentre os seus Irmãos: os Gaiatos... - segunda-feira, 16 de Julho, pelas 6 horas duma linda manhã!... [O franciscano Padre Américo, in Alma, ano XLIX, n. 21, Set. 1956, p. 1].
Confirmado o desfecho extremamente doloroso da morte de Pai Américo, foi lavrado o respectivo assento de óbito, que pudemos ler e transcrever, com a triste notícia que abalou Portugal, deixando-o de luto, e correu depressa pelo mundo além. Eis o essencial do registo: Às seis horas do dia dezasseis do mês de Julho do ano de mil novecentos e cinquenta e seis, no Hospital Geral de Santo António, da freguesia de Miragaia desta cidade, faleceu de fractura exposta e cominutiva das pernas um indivíduo do sexo masculino de nome Américo Monteiro de Aguiar, de sessenta e nove anos [68] de idade, de profissão sacerdote [...] [Arq.º Centr. Porto, 3.ª Cons.ª - reg.to óbito n. 1076, 1956].
Júlio Mendes - gaiato próximo, amigo e fiel - testemunhou o seguinte: E na segunda-feira cerrou os olhos para o mundo e abriu-os para o Céu. Custou-nos! Aos homens que ficam a morte custa. É a saudade. Mas a morte para o Pai Américo fora sempre o princípio da Vida. E para a Vida Eterna é que trabalhara - pelo desgaste quotidiano, vigílias, desgostos, incompreensões, em suma amor total ao Rapaz da rua e ao Pobre, por amor de Deus [O Gaiato, n. 324, 28 Julho 1956].
O Pai Américo morreu! Em 16 de Julho de 1956, esta infausta notícia encheu de emoção e tristeza multidões de pessoas, cujo choque não se apagou mais da sua memória e do seu coração, sacudindo como um terramoto Portugal e muitas outras terras que sentiram a sua acção e dele ouviram falar pelas suas obras. Tamanha onda de luto e dor abalou profundamente a sociedade portuguesa e especialmente as pessoas humildes. De muitos pontos do Continente e do Ultramar, chegaram à Casa do Gaiato de Paço de Sousa muitos telegramas, com expressivas condolências.
Entre muitos artigos de jornais e revistas, sobre esses dias de dor e saudade, seguem-se alguns recortes de notícias. Especialmente no grande Porto, o choque foi muito violento. Eis, do Porto: Morreu o Padre Américo, o grande e bondoso sacerdote que fez da sua vida um dos mais altos, dos mais belos e dos mais nobres exemplos de apostolado. A notícia, que correu de manhã nesta cidade, brutal, esmagadora, tocou o espírito e o coração de todos, numa angústia incontida. Raras vezes se verifica um sentimento tão unânime de tristeza e de dor, como aquele que a cidade viveu ontem. A morte do Padre Américo, o pai dos gaiatos, o amigo e servidor dos pobres, o protector dos doentes e dos abandonados, foi, sem dúvida, um choque violento não só para quantos beneficiaram da sua obra admirável, como para quantos apreciavam as suas grandes e extraordinárias virtudes de sacerdote [O Comércio do Porto, 17 Julho 1956].Do jornal católico Novidades, o seguinte: Morreu o Padre Américo. Ficará na História como um dos maiores amigos das crianças desamparadas e dos pobres desprotegidos. Morreu o Padre Américo. A triste notícia correu célere de cidade em cidade, de terra em terra, comovendo até às lágrimas não poucos dos que pelo pai dos desamparados e deserdados da sorte nutriam profunda simpatia e admiração. É que o Padre Américo, desde a hora em que, tocado pelo dedo de Deus, se lançou à salvação dos pequeninos filhos da desgraça e do acaso, abriu uma senda de luz e de beleza que o conduziria ao ponto de, em verdade, ser por todos considerado como uma das mais fulgurantes figuras do catolicismo em Portugal e mesmo no Mundo. O caminho trilhado, caminho espinhoso de santidade, já antes o haviam percorrido S. Francisco de Assis e S. João de Deus. Por isso, o seu desaparecimento haveria de causar profunda emoção, como facho de raro esplendor que se apaga. Foi o Padre Américo um autêntico revolucionário no bom sentido da palavra. A sua obra, que permanecerá com o espírito inconfundível da sua virtude, soou bem longe, além-fronteiras mesmo. Há-de a História registar o seu nome como um dos maiores educadores da juventude para a qual usava a linguagem do Evangelho. [...] E mais adiante: No Porto junto ao Hospital de Santo António uma verdadeira multidão rezava e chorava. [...] Foram milhares as pessoas que ali acorreram, mas eram sobretudo os pobres, os pobres que ele tanto amava [Novidades, 17 Julho 1956]. Depois, no mesmo periódico, ainda: Portugal inteiro - e é Portugal onde quer que exista um coração português - comoveu-se com a inesperada e trágica morte do Padre Américo. Decerto que nunca entre nós se derramaram tantas lágrimas por um morto. O seu funeral foi romagem de dor e saudade e ao mesmo tempo cortejo apoteótico de triunfo. É que os santos começam a viver precisamente no dia da sua morte. E por isso a saudade que na terra deixam parece casar-se com a alegria que no céu provocam [Padre Eurico Nogueira, Promotor da Justiça na Diocese de Coimbra, Novidades, n. 19.989, 25 Julho 1956]. De Lisboa, um testemunho: «Morreu o Padre Américo» - eis o grito de dor de milhares de portugueses espalhados por todos os cantos do mundo. Quase não há memória de morte tão sentida! Em todos os lugares a que já tinha chegado a fama do bondoso sacerdote houve choro e dor. Os seus gaiatos - as meninas dos seus olhos - prestaram-lhe as suas derradeiras homenagens com uma delicadeza e sentimento inexcedíveis [A. Lemos - Morreu o Padre Américo, in Voz da Verdade, n.1283, 29 Julho 1956].
Padre Manuel Mendes