PÃO DE VIDA

Do Venerável Padre Américo

Última viagem

Américo Monteiro de Aguiar percorreu muitos milhares de quilómetros: calcorreou a pé inúmeros carreiros, caminhos, estradas, becos, ruas e avenidas; e realizou muitas viagens - de barco, automóvel e avião - desde a sua infância, no seu percurso de vida - escolar, profissional, vocacional e sacerdotal, nomeadamente ao serviço dos Pobres, principalmente em Portugal e Moçambique. Os relatos pormenorizados de parte das viagens do Padre Américo foram publicados no jornal O Gaiato; e depois foram reunidas crónicas nos seguintes livros: De como eu fui... [1987] e Viagens [1954;1973]. Nesta obra foram recolhidos textos referentes a viagens significativas: Brasil [Junho-Agosto 1949, com José Eduardo], África [Angola e Moçambique, Julho-Out.1952, com Júlio Mendes], Madeira [Jan. 1956, com Joaquim Bonifácio] e Açores [Out. 1951, com Avelino; 1954 e 1956].

Como Procurador dos Pobres, foi dando a sua vida na Igreja, servindo os Pobres até ao sofrimento final - a morte, que acabou por acontecer no Porto - cidade de que tanto gostava! Entre outros títulos, também foi chamado de Poeta da Caridade, pelo que é significativa a sua afirmação: Poetas fazem livros. Mártires fazem casas. Antes quero ser mártir [O Gaiato, n. 262, 13 Março 1954].

Sobre os últimos dias da sua vida neste mundo, Júlio Mendes escreveu um testemunho - Por amor à verdade, dando conta das viagens próximas da última viagem: Em 12 de Julho, 5.ª feira, foi a bênção da Capela de Beire. Dia de grande satisfação para Pai Américo. E o seu último acto público, como que o sublinhar do seu cuidado maior: «A vida religiosa nas nossas comunidades seja o centro. As grandes aflições dos Padres da Rua tenham aqui a sua origem; vale mais a alma do que o corpo». Na tarde desse dia partiu em direcção ao Minho, aonde o levavam assuntos da Obra. Arrumados estes, em 6.ª feira, 13, outros o obrigaram a descer a Coimbra. Contava pernoitar em Marinha Grande, onde realizaria uma palestra sobre o Património dos Pobres; porém, a notícia de uma recepção festiva, desviou-o de lá. Mas sempre continuou para o Sul a fim de tratar em S. Martinho do Porto do Património dos Pobres naquela terra. Foi o seu último sopro. De regresso trouxe de Alcobaça as duas senhoras para ajudar nesta Casa de Paço de Sousa. Foi no sábado, 14, o fim da viagem. A tarde desse dia esteve ainda tomada por voltas no Porto. No regresso a Paço de Sousa, em S. Martinho do Campo - de Valongo foi o desastre. [...] [O Gaiato, n. 325, 18 Agosto 1956]. Sobre alguns intervenientes desses dias derradeiros, indicam-se, v.g.: Abel Braga, gaiato e motorista do veículo; a 13 de Julho, em Subportela - Viana do Castelo, encontrou-se com o Bispo Coadjutor de Angra, D. Manuel Afonso de Carvalho [19-II-1912 †13-XII-1978], para tratar da situação da Casa do Gaiato nos Açores, e ainda (no mesmo dia) visitou o Bispo de Coimbra, D. Ernesto Sena de Oliveira [30-IV-1892 †13-X-1972]; e, em 14 de Julho, na casa Espelho da Moda, na rua dos Clérigos, da cidade do Porto, esteve com o seu amigo Manuel Cunha.

De facto, memento mori e veio a acontecer um desastre de automóvel, como receava e escreveu cerca de um mês antes: Se os senhores ouvirem dizer que eu um dia fiquei òs pedaços, não precisam de ir perguntar a ninguém a causa do desastre; «aqui é Portugal» [...] [O Gaiato, n. 321, 16 Jun. 1956]. Infelizmente, em 14 de Julho de 1956, foi vítima de um acidente de automóvel [no veículo DD-22-19, Morris], próximo do lugar da Chã, em S. Martinho do Campo - Valongo, numa viagem de regresso à Casa do Gaiato de Paço de Sousa, conforme foi descrito assim: O automóvel, ao passar em S. Martinho do Campo, Valongo, embateu violenta, estrondosamente, contra um muro. Ao tentar ultrapassar um outro veículo e porque surgisse, inesperadamente, um carro de bois, o Abel tentou, no desejo de evitar um choque, uma manobra rápida. Mas, inesperadamente também, um monte de terra, a meio da estrada, deu aso a que o veículo, perdida a direcção, esbarrasse contra a parede [Diário do Norte, 16 Julho 1956]. [Em 1959, nesse sítio foi edificado um nicho religioso - alminhas, figurando Nossa Senhora do Carmo e o rosto do Padre Américo, em baixo]. Viajando ao lado direito do condutor, depois do embate o Padre Américo ficou com ferimentos graves nos membros inferiores e teve de ser transportado pelos Bombeiros Voluntários de Valongo para o Hospital Geral de Santo António - da Misericórdia do Porto.

Em 15 de Julho, às 10 horas da manhã, perfeitamente lúcido, pediu e recebeu os últimos Sacramentos da Igreja Católica, administrados pelo Padre Vieira Mendes, Capelão do Hospital Geral de Santo António. Porém, ninguém queria acreditar que fosse o seu último pedido, de que é exemplar este testemunho: - Eu acreditei - diz-nos Júlio Mendes, com os olhos dilatados, vermelhos de chorar e de sofrer - que estivéssemos a caminho da cura!... E resignado acrescenta: - Mas enganei-me! Deus quis levá-lo. Eram seis horas e cinco minutos! Junto dos restos mortais do apóstolo estavam um Padre da Rua, o Júlio Mendes e outros gaiatos. A notícia da morte espalhou-se, depois, como um furacão, por toda a cidade, por todo o Norte, por todo o País. A Emissora Nacional, por intermédio do Emissor Regional do Porto, transmitiu-a no seu serviço das 8 horas e 20 minutos. Milhares e milhares de pessoas começaram a chegar ao Hospital de Santo António. Todos queriam vê-lo. Vê-lo e rezar [Diário do Norte, 16 Julho 1956].

Padre Manuel Mendes