PÃO DE VIDA

Do Venerável Padre Américo

Perspectiva literária

Neste alcance literário, do escritor Raúl Brandão [1867†1930] - autor de, v.g., Os Pobres [1906], O Pobre de pedir [1931] - é de mencionar a sua perspectiva sobre a pobreza sacerdotal, em que se pode rever o Padre Américo, com o seu vincado espírito de pobreza. De facto, no interessante livrito O Padre [Lx.: Liv. Central, 1901], é sublinhado que o padre roto, pobre, simples, com uma choupana por abrigo, seria a maior força do globo [p.24]. E, ainda: O homem precisa, é certo, de Deus - mas a Igreja precisa de Santos [p.29].

Depois de lançada a Obra da Rua, o Padre Américo teve conhecimento da actividade do virtuoso Padre Edward Joseph Flanagan [1886†1948] - irlandês, fundador de Boys Town, nos E.U.A.; e foi lendo o periódico dessa importante instituição católica dedicada à orfandade. Logo na primeira página do primeiro número do jornal O Gaiato, deu este esclarecimento - Para que se saiba: Muita gente cuida que as Casas do Gaiato são cópia dos trabalhos do P.e Flanagan. Podiam ser. As coisas boas são de imitar. Mas não são. Quando aí apareceu a célebre fita Homens de Amanhã, já a Casa do Gaiato de Coimbra tinha dentes e comia pão. Foi então que se escreveu uma carta àquele sacerdote, irlandês de nascimento, e que ele respondeu na volta a recomendar-me que fosse sempre muito amigo da criança das ruas, homeless boys. Ora eis. [O Gaiato, n. 1, 5 Março 1944].

Num artigo de fundo, intitulado Panoramas sociais, sendo conhecedor de várias línguas, revelou o seu interesse por Obras semelhantes à Obra da Rua, a nível internacional, depois da II Guerra Mundial, como uma aldeia para crianças da rua, em Itália. Eis um naco: Tenho aqui sobre a minha mesa de trabalho a revista inglesa Illustrated, que tirei de um grande maço de livros que fazem as grandes encomendas postais dirigidas à nossa aldeia e que enchem a sala de leitura dos nossos rapazes. A revista é de Dezembro de 1946. [...] Os servos da Igreja estão fazendo tudo quanto podem a bem destas crianças. A obra mais típica, que não é de maneira nenhuma um caso isolado, foi criada por Dom Rivolto. [...] Nunca me soube tão bem nem dei jamais tanto apreço ao conhecimento de línguas, como agora, ao ler em revistas estrangeiras e beber na própria fonte o conhecimento de obras paralelas. Nós não sabemos uns dos outros e actuamos da mesma sorte! Pois que a notícia seja toda para eles. Para os Padres da Rua. Coragem. Certeza. Aumento de Fé. Fé Divina. Que não trepidem! Outra revista francesa que tenho, dá notícias de obras assim na Polónia. Na Suiça também. Que não duvidem nem trepidem os Padres da Rua. Por sermos os Únicos nesta terra, não se segue que vamos errados ou estejamos sós. Nem tiremos disto glória, os Únicos, antes, confundidos e intimamente humilhados por causa das nossas faltas, negligências e pecados, demos testemunho aos homens da Riqueza do Evangelho [O Gaiato, n. 125, 11 Dez. 1948].

A propósito, dada a sua preocupação pela infância, ainda uma alusão a Gabriela Mistral [1889†1957], poeta e educadora chilena, que disse: El futuro de los niños es siempre hoy. Mañana será tarde.

Como grande português, reconhecido pedagogo, gigante da caridade e místico da Igreja Católica, a bibliografia passiva sobre o Padre Américo é muito extensa. Às diversas facetas da sua vida de figura eclesial destacada e ao papel marcante da Obra da Rua, na história da Caridade em Portugal no século XX, têm sido dedicados imensos artigos em publicações periódicas, editados muitos livros e apresentadas várias teses universitárias, algumas delas publicadas, v.g.: L'Obra da Rua et l'éducation des enfants privés de milieu éducatif [Université Catholique de Louvain, 1972; Lx., INIC, 1979] - João Evangelista Loureiro [1926 †1986]; O Projecto Educativo do Padre Américo [Lx., 2004] - Ernesto Candeias Martins; etc..

Padre Manuel Mendes