
PÃO DE VIDA
Do Venerável Padre Américo
Continuação do número anterior
Perspectiva literária
Em 1928, Portugal sofreu uma grave depressão económica. Nas Letras portuguesas, é de fazer memória do poeta Guilherme de Faria [6-X-1907, Guimarães;†4-I-1929,Cascais], com obra poética no contexto do neorromantismo lusitanista e que editou alguns livros de Teixeira de Pascoaes. Porém, com 21 anos, precipitou-se na Boca do Inferno, descalço e com um terço ao pescoço. Em Manhã de nevoeiro, confessou: Quero morrer a sonhar! [Lx.ª, 1927, p.16; no exemplar à mão, autografado: Ao seu amigo Francisco de Sousa Moreira, ofr. G Faria.]. Embora desfeito muito cedo um percurso de vida prometedor, na casa do Pai há muitas moradas [Jo 14, 2].
Quem estava pertinho de realizar o seu sonho de felicidade, a bem dos que sofrem, era Américo Monteiro de Aguiar, próximo da sua ordenação presbiteral - em 28 de Julho de 1929, no Seminário de Coimbra. Por carta ao seu amigo Simão Neves, de 11 de Agosto de 1929, depois de celebrar uma segunda Missa Nova na igreja paroquial do Salvador de Paço de Sousa, fez outra referência a alguns iluministas franceses, a que também não foi alheio. Eis como transmite esta grande alegria: Meu irmão Jaime, ex-discípulo de Renan, Voltaire e outros, recebeu das minhas mãos pecadoras o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo [O Gaiato, n. 401, 25 Julho 1959].
Nesta ligeira incursão pelo percurso literário relacionado com o Padre Américo, é de referir necessariamente Eça de Queiroz [1845†1900] - o célebre autor de, v.g. - Os Maias [1888], Cidade e as Serras [1901]. O Padre Euclides de Oliveira Morais, do Seminário de Coimbra, recolheu o seguinte testemunho: Outro contemporâneo, o Professor José Augusto Miranda, diz-me que toda a prosa dele lembra Eça de Queiroz [O Gaiato, n. 388, 24 Jan. 1959]. Sobre esta aproximação linguística, Manuel Rodrigues da Silva Veiga - admitido no Seminário de Coimbra em 1925, com 11 anos - testemunhou que o seu cunhado José A. de Miranda, companheiro de Américo de Aguiar, lhe perguntou: - Como é que o Padre Américo adquiriu esse seu estilo tão vivo, tão original, tão directo e tão enérgico? Resposta dele: - Lendo só Eça de Queiroz [O Gaiato, n.1094, 15 Fev.1986].
Ainda no âmbito queirosiano, o Padre Américo recebeu para a Obra da Rua a doação da Quinta do Paço da Torre, em Beire - Paredes, em 24 de Junho de 1954, legada por Luís de Castro Osório [n.1901], filho de Luís Osório da Cunha Pereira de Castro de Menezes Pita [1859†1900], proprietário e poeta, de Proença-a-Nova, e de Maria Benedita de Castro Pamplona [1863†1934] - filha dos Condes de Resende e irmã de Emília Maria de Castro [1857†1934], esposa de José Maria Eça de Queiroz. Sobre a sua passagem pela Quinta da Torre - Beire, em 1892, há referências explícitas na sua correspondência: Eça de Queiroz entre os seus - apresentado por sua filha: Cartas íntimas [Porto: Liv. Lello & Irmão, 1948, p.264-270; cujo exemplar à mão era do Cónego bracarense Padre Arlindo Ribeiro da Cunha, 1906†1976]. Nesta ligação à família deste escritor destacado, mantida pela Obra da Rua, é de notar nomeadamente a amizade com o casal Manuel Benedito [1917†1978], neto de Eça de Queiroz, e Maria da Graça Salema de Castro [1919†2015] - que, através de meus pais Júlio e Emília, conhecemos pessoalmente, na Quinta de Vila Nova [Tormes], em Santa Cruz do Douro.
O escritor Antero de Figueiredo [28-XI-1866, Coimbra; †10-IV-1953, Porto] - autor de, v.g., O último olhar de Jesus [1928], Fátima [1936] - ofereceu-se para escrever mais um dos seus pessoais romances, tendo como pano de fundo o que o Padre Américo havia já construído. A coisa arrastou-se. [...] Numa carta a Moreira da Rocha, diz: 'Tio Antero escreveu. Queria vir aonde a mim, visto eu não poder ter ido aonde a ele, conforme se combinara e assim seria, se não fosse o desastre. Mas eu enxotei ele!'. O tal 'desastre' foi uma entorse, um pé 'desmanchado'. A obra que Antero de Figueiredo sonhava daria pelo título de Farrapeiro. Apesar de tudo, teria sido curiosa a interpretação 'anteriana' do farrapeiro Padre Américo [Zacarias de Oliveira - 'O Cantador', p.32-33].
Américo de Aguiar não terá encontrado Leonardo Coimbra [29-XII-1883, Borba de Godim - Felgueiras; †2-I-1936, Porto], como aluno do Colégio do Carmo, em Penafiel, sendo interno de 1893 a 1897; pois, em Setembro de 1897, Américo foi com o irmão António para esse Colégio. No entanto, teria conhecimento do percurso espiritual do convertido filósofo [autor de, v.g. - O Criacionismo, Porto: Renascença Portuguesa, 1912; o exemplar à mão tem esta dedicatória: Ao Ilustre Professor e Ministro de Instrução, Senhor Doutor Sobral Cid, of.]. E, dada a sua proximidade geográfica, é de referir o trágico acidente de automóvel que sofreu na EN15-1, no lugar do Carreiro, da freguesia de Astromil - Paredes.
Padre Manuel Mendes