PÃO DE VIDA

Do Venerável Padre Américo

Perspectiva literária

No sentido de contextualizar o âmbito da obra literária do Padre Américo, justifica-se plenamente que sejam elencadas de relance várias referências de autores nacionais e estrangeiros, que surgem nos seus escritos, e atinentes ao seu percurso interior. Contribuem para sublinhar a sua boa formação intelectual e enquadrar a largueza de horizontes, nomeadamente eclesiais, literários e filosóficos.

Durante a sua actividade profissional em Moçambique, em carta de 22 de Fevereiro de 1921, para Simão Correia Neves [12-III-1888, Rosmaninhal - Idanha-a-Nova; †22-V-1965, S. Pedro - Funchal], Américo de Aguiar fez uma alusão ao escritor Júlio Diniz, médico [Joaquim Guilherme Gomes Coelho -14-XI-1839,Porto; † 12-IX-1871, ib.], que tuberculizou. Eis: Aí, na Madeira, não deve haver mal que se receie, a não ser quando as doenças que nos atacam são como aquela que nos roubou Júlio Dinis, que aí procurou remédio e disse a um amigo, já sem esperanças de melhoras, que a única madeira que o poderia curar teria que ser aquela de que o s/ caixão havia de ser feito! [O Gaiato, n. 451, 24 Junho 1961].

Quando se preparava para seguir para o Convento Franciscano de Vilariño de la Ramallosa, a 17 de Outubro de 1923, em post sriptum duma missiva para Simão Neves, já referido, diz assim: Compre O Deserto de Manuel Ribeiro e compre A Catedral [...] [O Gaiato, n. 414, 23 Jan. 1960]. No belo livro O Deserto, à mão [Lx.ª: Guimarães & C.ª, il., 1922; ex. n. 582, autograf.º], o convertido escritor Manuel António Ribeiro [13-XII-1878, Albernoa - Beja; †27-XI-1941, Lx.ª], narra a sua experiência na Cartuxa de Miraflores, em Burgos [Espanha], confessando: - É menos a arte que me traz aqui do que o desejo de solidão e de paz. Tenho a alma tão doente! [p. 48].

Pelo seu significado, conforme já assinalámos [vd. Padre Américo - Itinerário Vocacional, Porto: Fac. Teol. UCP, 1999, p. 246], verifica-se que, em longa carta para o mesmo amigo, de Setembro de 1925, antes de entrar para o Seminário Episcopal de Coimbra, aconselhou-o assim: Leia Prosas Dispersas de Guerra Junqueiro [O Gaiato, n. 425, 25 Jun. 1960]. De facto, Abílio Manuel de Guerra Junqueiro [15-IX-1850, Freixo de Espada à Cinta;† 7-VII-1923, Lx.ª], neste livro [Porto: Liv. Chardron, 1921], reparou a sátira anticlerical A Velhice do Padre Eterno [1885], declarando-se muito injusto com a Igreja e reconhecendo que a Igreja com os Evangelhos cristianizou e salvou o mundo [p.13].

Numa missiva para Simão Neves, de 21 de Julho de 1926, convidando a visitar a Lusa Atenas, assinalou o seguinte: Coimbra tem muito que ver e eu muito que lhe falar, por isso traga um dia para esta cidade. [...] Quero levá-lo à sala aonde ensinava a C.M., a mulher mais sábia do mundo! Trata-se de Carolina Michaelis de Vasconcelos [1851†1925], que foi escritora e ilustre Professora Catedrática da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

Noutra carta, também para o mesmo destinatário, de 10 de Setembro de 1926, refere Orison Swett Marden [1848†1924], escritor norte-americano, formado em várias áreas e com obra literária. Diz isto: É simplesmente admirável a organização da Igreja Romana e eu estou convencido de que homens do quilate de Marden, se tivessem conhecimento da sua constituição intrínseca, haviam de ponderar seriamente o que dizem, quando atacam a Igreja de Roma [O Gaiato, n. 432, 1 Out. 1960].

Em 26 de Setembro de 1926, para o dito amigo na Madeira, que perdera um filho, confortou-o e refere vários escritores conhecidos, afirmando: Veja as biografias de Garrett, Dickens, Antero, João de Deus e tantos outros. Como estes homens sofreram, só porque trabalharam por ser perfeitos [O Gaiato, n. 433, 15 Out. 1960].

Uma carta para Simão Neves, de 9 de Outubro de 1926, mostra como procurava manter-se informado e divulgava boas publicações, da geografia à pastoral. Eis: Como eu agradeço e aprecio a leitura das esplêndidas Revistas que mandou e há-de continuar a mandar! [...] Vai por esta mala um pacote com 20 Pastorais sobre o alcoolismo. [...] Faça-o por amor da humanidade. Eu tenho muita pena, muita pena dos homens que se embriagam [O Gaiato, n. 433, 15 Out. 1960]. Refere-se à revista National Geographic Magazine, como me testemunhou o meu pai Júlio. Das Pastorais episcopais, trata-se da Instrução pastoral contra o alcoolismo [Coimbra, 1922], do seu Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva.

Padre Manuel Mendes

Continua