PÃO DE VIDA

Do Venerável Padre Américo

Artista das Palavras

Durante o seu interessante percurso de vida, por várias terras e Continentes - nomeadamente nas dimensões escolar, profissional e eclesial - Américo Monteiro de Aguiar foi lendo o que era essencial. Para saber, viajar e ler. Basicamente, o necessário nos seus estudos exigentes, bem como livros e publicações que lhe foram despertando a sua atenção no seu itinerário geográfico e vocacional.

Nas suas pregações e comunicações, pela simplicidade e pelos fundamentos evangélicos, o Padre Américo sabia cativar quem o escutava e apelava fortemente à justiça e ao amor ao próximo, com situações concretas do seu quotidiano de Recoveiro dos pobres. Há um pormenor que o seu primo beneditino D. Gabriel de Sousa anotou: na conversa familiar Padre Américo tinha o encantador defeito de arrastar a locução - o que realçava a natural humildade do seu modo de ser [Padre Américo: O Homem e O Padre - O Santo e a Obra, sep. Penafiel, 1982, p.1]. Nos seus escritos, transparece a sua marcada origem rural, penafidelense, em que uma expressão sublime de cariz popular, entre outras, é o seu belo texto O Cantador [Sem.º de Coimbra - Lume Novo, n. 10, Junho 1929, ms.].

De vez em quando, também se encontram alguns termos em inglês, que aprendeu cedo. Há cerca de três décadas, na posse de familiares, vimos um Dicionário de Português - Inglês [Lx.: David Corazzi - Ed., 1888, autogr.º - Américo Monteiro d'Aguiar/ 23-2-1901/ [n.] 113], sendo estudante em Felgueiras, orientado para a carreira comercial. O domínio da língua inglesa e alguns conhecimentos de alemão desenvolveram-se em Moçambique, como competente funcionário de: The British Central Africa Company Limited, no Chinde; e Breyner& Wirth, em Lourenço Marques.

Analisando o seu itinerário biografico, verifica-se que foi adquirindo uma boa cultura geral, nas diversas fases do seu caminho vocacional - do berço à ordenação presbiteral: infância no lar familiar, sendo que o pai Ramiro e os irmãos Padre José e António eram cultos; instrução primária em Galegos e no reconhecido Colégio de Nossa Senhora do Carmo, em Penafiel; frequência do bom Colégio de Santa Quitéria, em Felgueiras; muitas viagens e longa permanência em Moçambique; estudos no Convento franciscano de Virariño de la Ramallosa; e Curso de Teologia no Seminário de Coimbra. Ao concluir os estudos Teológicos, ficou no Seminário como Professor de Português. Porém, tendo adoecido, acabou por ser dispensado do Breviário.

Na preciosa revista dos alunos do Seminário de Coimbra, Américo de Aguiar, sob o pseudónimo Fr. Junípero, deixou este interessante comentário, cujas palavras encaixam bem como retrato da sua obra literária: Os homens que fazem a história da literatura deixando nela os seus nomes também deixam o carácter nas linhas das suas obras imortais e nós, que não temos o prurido de fazer história nem de imortalizar as nossas obras, não estamos no entanto isentos do mesmo princípio. O escritor não diz só o que escreve; diz também o que é [Lume Novo, n. 1, 8 Dez. 1926, ms.].

Depois, foi-se entregando radicalmente ao serviço dos pobres, pelo que diminuiu o seu ritmo de leitura. Entretanto, em 1932, lançou-se a escrever regularmente e com empenho no Correio de Coimbra, em que ia pedindo ajuda urgentes para os pobres, com um estilo muito próprio - conciso e profético. Ao tocarem bem fundo em feridas sociais, os artigos e os livros da sua autoria - v.g., Pão dos Pobres - eram muito procurados e lidos com muita devoção, sendo marcados pela sua originalidade, veracidade e actualidade cristã, candente e palpitante.

Para se conhecer verdadeiramente o pensamento inteiro do Padre Américo, é obrigatória uma leitura exaustiva e atenta da sua obra escrita, como aconteceu nas fases da sua Causa de glorificação canónica - diocesana e romana. Então, seguramente, pode afirmar-se que foi um verdadeiro artista da Palavra e das palavras. Na verdade, escreveu com fundamento na Palavra de Deus, imbuído de arte cristã, intuição natural e a partir da vida concreta de Recoveiro dos pobres, testemunhando inúmeros momentos difíceis dos seus irmãos, a sangrar, cujas gotas verteu da pena para o papel, com verdade e vivacidade, conforme escreveu: Se picares as sua letras com um bico de alfinete, hás-de ver que deitam sangue, tão vivos são os casos que elas narram. A hóstia branca, depois de consagrada, já não é pão de trigo; é o Corpo do Senhor [Pão dos Pobres, I, 1941, p.3].

Sendo o Padre Américo um homem de Deus, viveu muito adstrito à Palavra de Deus, em especial ao Novo Testamento, como escreveu: Tenho só um livro: é o Novo Testamento. Começo no princípio e vou por aí fora até ao fim. Torno a começar e vou, vou, vou, até acabar. Isto durante um ano. Isto durante dois. Isto sempre. São perigosos os homens dum só livro e podem vir a ser incendiários. Cautela! [O Gaiato, n. 95, 18 Out. 1947].

Padre Manuel Mendes

Continua