
PÃO DE VIDA
Do Venerável Padre Américo
Da Obra da Rua
Na sua vida cheia de amor a Deus e ao próximo, como homem e cristão, o Padre Américo seguiu no caminho do Bom Samaritano. Deste modo, manifestou-se também devoto de S. João de Deus [1495 †1550; P.e Ignacio Maria Magnin - Vida Popular de S. João de Deus, Porto, 1925], escrevendo assim: lançou as bases do sacerdócio mais simpático que eu conheço: aturar doidos, por amor de Deus [O Gaiato, n. 443, 4 Março 1961]. Neste sentido, sonhou uma obra inédita - O Calvário, em Beire [1954], seguindo esse exemplo tão marcante, como afirmou: Demos o nome: - Calvário. Não há palavra que mais fale à alma dos discípulos de Jesus. No Calvário é que Ele foi Jesus. Este nosso Calvário vai ser, por isso, abrigo de doentes e obra de cristãos [...]. Temos de começar como S. João de Deus. Tudo mal feito. Tudo sem lógica nem sistemas. O mundo foi sempre pequeno para esta sorte de realizações [O Gaiato, n. 275, 11 Set. 1954]. Nas incapacidades, apesar de tudo, há beleza e possibilidades humanas e espirituais, que devem sempre ser muito amparadas e cuidadas até ao ocaso da vida terrena. Este ramo da Obra da Rua foi a derradeira realização do Padre Américo, sendo criado para Doentes incuráveis e abandonados, com o lema - Obra de Doentes, para Doentes, pelos Doentes. Foi inaugurado em 16 de Julho de 1957, com Capela e Cruzeiro, pelo Bispo do Porto, D. Ant.º Ferreira Gomes. Depois, em 1958, o Padre António Baptista [n.1930] deu-lhe seguimento.
Em Março de 1955, num artigo intitulado Alguns anos depois, em jornal de aniversário - ano XII, o Padre Américo apresentou os rostos de seis Padres da Rua e resumiu assim: O espantoso desenvolvimento desta Obra de todos é uma história sagrada. É da História Sagrada. Tem ali a sua origem. Tira de lá os seus elementos. Quem não conhecer as Escrituras, não atina nem compreende; e pode escandalizar-se. [...] Todo o cuidado dos padres da rua consiste na fidelidade à Igreja e por Ela a Cristo, em unidade perfeita com a Hierarquia. Na verdade, esta Obra que se chama da Rua, é uma revelação actual e oportuna do Eterno. Nós temos retirado a pedra do Sepulcro, aos olhos de muitos que tomavam Jesus por um homem morto e sepultado. Por aquilo que se vem praticando e dizendo desde o princípio, não falta quem tenha acreditado na Ressurreição e ido dizer aos outros que Cristo, na verdade, ressuscitou e vive no meio de nós! [...] Vê-se aqui o do Lar de Alcácer do Sal e futura Casa do Gaiato de Setúbal. O da Casa do Gaiato de Beire e futuro abrigo de doentes - Calvário. O da Casa do Tojal e Lisboa. O da Casa de Miranda e Coimbra. O da Casa de Paço de Sousa e Porto. O da Casa de Ponta Delgada. Somos meia dúzia. Não há nomes. Não se sabe a terra. Não se conhece a família. Ide. Eis. Se a Obra é dos homens, tudo quanto hoje se diz não presta. Se de Deus, tudo quanto se tem dito, mesmo que não preste, vale. Não há que fugir deste argumento. Não queremos fechar a carta sem dizer dos bons ofícios e presença das Senhoras que voluntariamente trocaram seus lares cheios e confortáveis pelo trabalho ingrato das nossas Casas. São tantas como nós. Para elas o nosso crédito. Também uma lembrança ao punhado de Rapazes afoitos, que, a seu modo e em várias terras, dão testemunho da Obra que os criou. Para estes, a nossa gratidão! Tendo falado de todos, reservamos uma saudação aos últimos, que são aqui os primeiros. Em festa de anos não podemos esquecê-los. São os nossos assinantes. São os que, não o sendo, compram o jornal das mãos dos vendedores. Ainda os que não sendo uma coisa nem outra, só de ouvirem falar dele, começam a tomar gosto. Também estendemos aos ausentes uma saudação. Seja qual for a terra aonde vivam, religião que professem, língua que falem, também estes são dos primeiros. E por fim vem o caudal. A torrente que invade e faz chorar. São os Pobres. Por eles é O Gaiato. Por eles os padres da rua. Por eles as multidões que nos procuram, desejam e amam. Muito mais do que os primeiros, os Pobres são a razão da Obra da Rua [O Gaiato, n. 288, 12 Março 1955],
Assim, em mais de oito décadas de vida da Obra da Rua, no seu percurso histórico, regista-se um enorme elenco de rostos vivos, mencionando-se: uma multidão incontável de Pobres, ajudados; milhares de Rapazes e Doentes, acolhidos e promovidos na Obra do Padre Américo - Casas do Gaiato, Lares e Calvário; os Padres da Obra da Rua e as Senhoras da Obra, ao seu serviço; muitos colaboradores; e todos os amigos e as amigas que têm tornado possível esta Obra eclesial, desde os seus primórdios, pela graça de Deus.
A seguir ao passamento inesperado do Padre Américo, em 16 de Julho de 1956, foi aceite o Padre Carlos [1925 †2011] como responsável principal pela Obra da Rua, na sua sede - Casa do Gaiato de Paço de Sousa, pelo Bispo do Porto, D. Ant. Ferreira Gomes [1906†1989], conforme Nota da Secretaria Episcopal do Porto: [...] reuniram-se todos os sacerdotes que, à morte do fundador, com conhecimento seu e consentimento dos respectivos Prelados, se encontravam ao serviço ou proximamente interessados na Obra, em número de cinco, e todos compareceram pessoalmente no Paço Episcopal do Porto, no dia 18 de Julho, onde foram recebidos pelo Venerando Prelado, lhe declararam que, por unanimidade, propunham, para sucessor ao Fundador, o Rev.º Padre Carlos Galamba. O Prelado aceitou a proposta, dirigiu-lhes, com os seus sentimentos pela morte do Snr. Padre Américo, palavras de louvor, encorajamento e exortação ao melhor entendimento e fraternidade sacerdotal [O Gaiato, n. 325, 18 Agosto 1956].
O Padre Américo e os outros Padres diocesanos ao serviço da Obra da Rua, enviados pelos seus Bispos, estabeleceram necessariamente reuniões periódicas, em comunhão. Os Padres da Rua têm escolhido sucessivamente um Padre orientador [director da Obra da Rua], depois nomeado pelo Bispo do Porto. Entretanto, deram forma às Normas de Vida dos Padres da Rua, aprovadas pelos Bispos da Igreja Católica em Portugal - com sacerdotes seus ao serviço da Obra da Rua e a Obra da Rua ao serviço da Igreja nas suas dioceses [Fátima, 3-VII-1965].
Para o amparo das crianças e dos adolescentes abandonados e ajuda aos pobres, o serviço eclesial da Obra da Rua - Obra do Padre Américo estendeu-se depois a África, durante a época da Guerra Colonial. Assim, foram fundadas duas Casas do Gaiato em Angola, no início de 1964: no vale do Cavaco, em Benguela, com o Padre Manuel António Pereira [1934†2020]; e no Culamoxito, em Malanje, com o Padre José Telmo Ferraz [n.1925]. Ainda surgiu a Casa do Gaiato em Moçambique, com o Padre José Maria Costa [1933 †2016]: na Quinta de S. Tiago, em Lourenço Marques -1967 [tomada pela República de Moçambique, em 1975]; e, em 1991, na Massaca, enquanto se ergueu outra Aldeia em Boane - Maputo, que actualmente está desligada.
Ao longo dos anos, outros padres estiveram e serviram na Obra da Rua, em formas diferenciadas de mais ou menos tempo, v.g.: P.e Joaquim Fatela [1927 †2012], P.e José Flausino [1913 †1985], P.e Abraão Lopes [1925 †2020], P.e Abel Pires [n.1943], P.e Manuel Moura [n.1950], P.e João Rosa Ferreira [n.1955], P.e Manuel Kalemba [n.1966], P.e Manuel Custódio Langane [n.1968], P.e João Luís Ferreira [n.1956], P.e Dejanir Lacerda Araújo [n.1966]. Lembram-se ainda os sacerdotes que foram prestando colaboração em momentos de ordem espiritual.
A inquietação sacerdotal, do serviço eclesial na Obra da Rua, tem-se manifestado assim em vários presbíteros, marcados pelo carisma do Padre Américo - a evangelização dos pobres, conforme se verifica nas páginas d'O Gaiato. Sobre os padres diocesanos que servem na Obra da Rua, com licença dos seus Bispos - provenientes do Patriarcado de Lisboa, e das Dioceses de Coimbra [2], Bragança-Miranda [2], Porto [2], Saragoça (Espanha) e Malanje (Angola) - são actualmente nove e não há nomes.
Padre Manuel Mendes