PÃO DE VIDA
Do Venerável Padre Américo
Da Obra da Rua
No início do ano de 1949, com 61 anos, o Padre Américo deu à luz a sua vontade testamentária - O Meu Testamento, concluindo assim: Propositadamente guardei para hoje e para este lugar a reprodução do retábulo da nossa Capela. Ele é o índice. Se quiseres saber. Se quiseres procurar. Se quiseres penetrar no segredo da obra, vai ao índice. Segredo divino! Quanto a mim, prostrado diante dos vinte mil leitores do jornal, dou-me e confesso-me por um pecador. De notar que o Padre Américo deixou um aviso muito importante aos vindouros, no final de O Meu Testamento, afirmando: Porém, jamais a multiplicação [de Casas, na Obra da Rua] venha nunca a prejudicar a sua Unidade [O Gaiato, n. 127, 8 Jan. 1949; e op.º]. Em 1950, esse documento, com ligeiras alterações, foi editado com o título Do Fundamento da Obra da Rua e do Teor dos seus Obreiros, em que sublinhou: O padrão da Obra é a família, vida familiar. Eis a escola natural da sólida formação do homem. Tudo quanto seja regresso a Nazaré, é progresso social cristão [p. 5].
Relativamente ao enquadramento canónico dos Padres da Obra da Rua na Igreja Católica, o Padre Américo foi bem claro: Em boa hora se fugiu à ideia, desde o começo, de fundar uma congregação religiosa de padres para a Obra da Rua; e desta sorte é ela, a Obra da Rua, uma obra social da Igreja, aonde os nossos Bispos estão em sua casa [O Gaiato, n. 178, 23 Dez. 1950].
Sobre o itinerário de Caridade que foi percorrendo, o Padre Américo confessou assim: Não escolhi nem recebi jamais preparação para a vida que hoje tenho; isto foi uma rasteira... divina [O Gaiato, n. 204, 22 Dez. 1951].
Mais de uma década depois dos primórdios da Obra da Rua, com vários passos institucionais marcantes, manifestava-se seguramente uma realidade profética e acreditada, pela sua acção eclesial de ajuda e promoção dos Pobres, para a qual foi recebendo muitos incentivos e partilhas do povo para as suas necessidades, em especial através do seu jornal O Gaiato. Eis um equívoco, que denunciou: A Obra da Rua nasceu há doze anos e teve por padrinho um estatuto dado pelo governador civil de Coimbra. Um outro estatuto, pelo governador civil do Porto. E o último, foi na Arcada, por um Magistrado da Nação. Tinha evidentemente de me munir deles, para ter voz nos Ministérios. Não me deixariam, tão pouco eu poderia, só por mim, fazer a demonstração do Incrível, sem primeiro me acreditar. [...] Doze anos andaram. As provas estão feitas. A Obra acreditou-se. O Incrível aparece em beleza estonteadora. É tempo de desfazer o equívoco: Nós não somos uma Obra de Assistência. [...] Nós somos a porta aberta ao indigente de qualquer terra, cor, idade, credo [O Gaiato, n. 215, 24 Maio 1952].
Depois de uma resenha histórica sobre as várias Casas e Lares que formavam a Obra da Rua, em 1952, o Padre Américo escreveu: Assim como os edifícios, também os alicerces da nossa vida oferecem muita segurança. Aqui particularmente, Cristo Jesus é a pedra angular. Que ninguém edifique de outra maneira. Nós procuramos seguir em tudo e por tudo a vida do Senhor, tal qual no-lo deixaram os Evangelistas. Eu quisera que a vida do Senhor fosse contada às crianças, inculcada aos homens e vivida por cada um. Não acho nada mais simples, nem mais suave, nem mais verdadeiro. A maravilha da nossa Obra nasce justamente aqui. [...] A nossa vida religiosa consta dos dez Mandamentos da Lei de Deus. Existem capelas nas nossas casas do campo, para a oração em comum, todas construídas de raiz e formosas. A Missa ao domingo é obrigatória. Guardam-se os dias santos. Festejam-se solenemente os dias tradicionais dos Mistérios de Jesus. Promovem-se Retiros. Assinalam-se as primeiras sextas-feiras do mês. [...] O trabalho é a nossa fonte de riqueza e de alegria.[A Porta Aberta, 1952, p.15-17]. Isto mesmo tinha já vincado, em termos pedagógicos: Salvo melhor opinião, afigura-se-me que toda a obra de assistência à mocidade indigente, deve incutir, no ânimo dos jovens, amor ao trabalho, e ensiná-los a trabalhar. Sendo certo que o trabalho é o remédio eficaz contra a miséria [Obra da Rua, Coimbra, 1942, p. 47].
Depois da II Guerra Mundial, das suas muitas visitas e ajudas aos pobres em sítios de miséria em Portugal, é retrato emblemático o seu livro O Barredo: Lugar de mártires, de heróis, de santos [Paço de Sousa, 1952]. Considerando as graves carências habitacionais, lançou uma obra paroquial, inédita - Património dos Pobres, com Regulamento e Instruções [1952], sob o lema Cada freguesia cuide dos seus pobres, tendo-se construído milhares de moradias para indigentes, que foi historiada no seu livro Ovo de Colombo [1954], em que deu conta de um encontro marcante: Já lá vão anos e anos e ainda hoje guardo no peito a minha primeira visita a um tugúrio, em Coimbra. Era a senhora Amélia, que tinha engomado gerações de estudantes e agora, cega e velhinha, cuidava de três netos de uma filha infeliz, cada um de cada homem e todos eles sem pai! [p. 5]. O rastilho próximo veio da acção vicentina: Pois o Júlio Mendes, que foi o fundador e é o presidente da Conferência do Santíssimo Nome de Jesus, da Casa do Gaiato de Paço de Sousa, tinha por costume falar-me com dor da corte aonde o seu pobre habitava [p. 20]. Depois, enveredou pelo apoio à Autoconstrução, com pequenos auxílios, em ligação com os Párocos e as Conferências de S. Vicente de Paulo.
Em 13 de Maio de 1952, no Santuário de Nossa Senhora de Fátima, na Cova da Iria, a partir da parábola do Bom Samaritano, sobre a necessidade urgente de casas para pobres, pregou verdades eternas [com gravação áudio]: A primeira presença que afirmamos e acreditamos é o Santíssimo Sacramento da Eucaristia! Escondido sim, mas vivo! E a segunda presença que nós afirmamos e acreditamos é no Pobre abandonado. Escondido sim, mas vivo! [O Gaiato, n.334, 22 Dez. 1956].
Padre Manuel Mendes