
PÃO DE VIDA
Do Venerável Padre Américo
Da Obra da Rua
O Padre Américo foi um incansável recoveiro dos pobres e ajudou muitos garotos das ruas e dos tugúrios, servindo-os até à exaustão por amor Deus, com sentido do caminho da Igreja, como escreveu: Chega-se à noite completamente cansado, nada feito e as mãos sujas!... Pisamos terrenos de que toda a gente foge; lidamos em zonas de muita miséria moral. É preciso sair fora da igreja, combater por todos os lados, perder a vida... para ganhar a Vida [Pão dos Pobres, I, Coimbra, 1941, p. 136].
Entretanto, conseguiu dar à estampa outro belo livro - Obra da Rua: de como eu amparo o ardina [Coimbra, 1942], em cujo Memorare [p. 5] escreveu: é um relatório do que se tem feito desde o ano da graça de mil novecentos e trinta e dois e do que deseja fazer pelos anos fora, a bem dos que trabalham e sofrem. Na capa, um desenho do Quim Mau [símbolo da Obra da Rua e foto no Memorial Padre Américo], com as iniciais OFM [Ordem dos Frades Menores]; que, no convento de Montariol - Braga, confirmámos do Padre José David Antunes [1916†2018] - mestre de desenho [v.g., rosto de Jesus] e tradutor.
Nesse precioso livro de apóstolo da rua, traçou com doloroso realismo e muita beleza os primórdios da Obra da Rua, e de como foi visitando os Pobres. Ora vejamos uma pincelada de artista: A missão de visitar o Pobre tem beleza; é filha de uma intuição artística, que apaixona e devora o visitador. Quanto mais repelente for o estado e condição dos visitados, mais se enamora deles. O artista verdadeiro é um crente; ele coloca, na base de todas as criaturas, a Beleza Incriada de Deus, sem o que produzirá fantasia que deslumbra sim, mas não faz arte que comova. O visitador do Pobre, que também é artista, tem necessariamente de ser um crente. A sua linguagem há-de dizer que ele é da Galileia. A beleza da sua acção é polarizada no seio de Deus. Ele chama a todos irmão, e porque são da sua carne, tem pena dos mais desamparados. Como a galinha faz aos milhafres, assim ele dá sinal e quer defender os inocentes, debaixo das suas asas. Faz arte que comove, e não obra que deslumbre, o visitador de Pobres [Obra da Rua, 1942, p. 39-40].
Como se manifestou claramente, o Padre Américo foi sonhando e deu vida concreta a algumas respostas sociais para várias situações da miséria, em tempos de penúria, muito aflito com tantas e urgentes necessidades dos pobres em Portugal, mas sempre confiante na Providência divina. Deste modo, procurou amparar os filhos das famílias pobres, conforme escreveu sobre as primícias da sua acção - americana. Eis o início do retrato de um encontro decisivo: Foi no Beco-do-Moreno, em Maio de trinta e cinco, que o Miúdo me apareceu. [...] Passava eu por ali, naquele mês e ano, quando um garoto da rua embarga o meu caminho, num angustioso e imperativo venha ver o meu pai que está na cama e a gente passamos fome [Obra da Rua, 1942, p. 9]. Assim, de 1935 a 1939, promoveu Colónias de Campo do Garoto da Baixa [de Coimbra], com o auxílio de seminaristas, estudantes universitários e outros colaboradores, nos concelhos de Penacova e Góis: Colónias de Férias em S. Pedro de Alva [1935-1936], Paróquia ao cuidado do Padre José Augusto Ferreira Simões e Sousa, que o animava, escrevendo-lhe: que não deixasse arrefecer a ideia [ms. encontrado na casa-mãe - O Gaiato, n.1681, 16 Agosto 2008; e no Memorial Padre Américo]; e, depois, Colónias de Férias em Vila Nova do Ceira [1937-1939] e Miranda do Corvo.
Em plena II Guerra Mundial [1939-1945], com consequências extremamente destruidoras e nefastas, cujas carências também afectaram Portugal, o Padre Américo foi dando corpo a uma necessidade muito urgente, como afirmou: Em nome de Deus quero solenemente declarar hoje, aos amigos da Obra, que ela foi criada e lançada para amparar dignamente o Filho da Família Pobre [Casa de Repouso do Gaiato Pobre, Coimbra, 1941, p. 23; Pão dos Pobres, II, 1942, p. 273]. Dilacerado por muitos encontros com crianças desamparadas, o Padre Américo lamentou-se: São legião as que nascem sem pai nos hospitais e maternidades, e também se contam pelas estrelas, as que nascem em famílias sem nada que vestir [Pão dos Pobres, I, 1941, p. 219]. E, ainda: Nada há mais triste no mundo do que uma criança triste [O Gaiato, n. 116, 7 Ago. 1948].
Deste modo, foi rolando a bola de neve das Casas do Gaiato, da Obra da Rua ou Obra do Padre Américo [Diário do Governo, n.4, 3.ªs., 5-1-1961], orientadas por Padres diocesanos e com Estatutos aprovados: pela autoridade civil - Governo Civil do distrito de Coimbra [Alvará de 28-V-1942], Governo Civil do Porto [Alvará de 16-IV-1943], Governo de Portugal [Diário do Governo, n. 51, II s., 4-3-1947; Diário da República, n. 31, III s., 6-2-1997] e Dir. Ger. Seg. Soc., em 29 Set. 2016; e pela autoridade eclesiástica - Bispo do Porto [17-V-1947; 29-X-1984; 7-II-1996; 11-XI-2015]. Sobre a missão eclesial da Obra da Rua, o Padre Américo foi bem claro: Se a Obra é dos homens, tudo quanto se diz não presta. Se de Deus, tudo quanto se tem dito, mesmo que não preste, vale. Não há que fugir deste argumento [O Gaiato, n. 288, 12 Março 1955].
Padre Manuel Mendes