PÃO DE VIDA
Do Venerável Padre Américo
De Lourenço Marques a Coimbra
Numa viagem a África com Júlio Mendes, meu Pai, em 1952 [Julho-Out.º], que nos testemunhou a decisiva mudança de rumo, o Padre Américo escreveu uma significativa nota autobiográfica, bem situada a partir da capital da colónia portuguesa de Moçambique: Estávamos na estação de Lourenço Marques. Fazia trinta anos que ali mesmo, em vez de deixar, tomava um comboio para o cabo da Boa Esperança. Era então um fugitivo. Verdadeiramente não sabia o que queria, tão pouco para onde caminhava! Ninguém estava à minha partida e mais a cidade já naquele tempo era grande e cheia. Tudo era indecisão. Tinha perdido os sentidos. E contudo era eu. Eu passava. Vivia. Começou então a luta. O homem e a Graça.
Esta havia de vencer, sim, mas até aí, quanta dor, meu Deus! Só agora dou fé de que a caneta me ia fugindo para o anunciado livro De como eu subi ao altar. Mas não. Regressemos ao mundo e continuemos nesta viagem [O Gaiato, n. 235, 28 Fev. 1953].
De facto, com a preciosa ajuda espiritual do seu amigo D. Rafael Maria da Assunção [1874†1959], prelado franciscano, que lhe abriu o Caminho da Luz em 1922, conforme escreveu [O Gaiato, n. 332, 24 Nov. 1956], aos 35 anos, Américo de Aguiar regressou definitivamente a Portugal, depois de 16 anos de actividade profissional em Moçambique. Em 26 de Janeiro de 1923, largou do Cabo pelo vapor Balmoral Castle; e passou pelo Funchal, onde o seu amigo Simão Correia Neves [1888†1965] trabalhava na casa bancária Blandy Brothers. Depois, de Março a Maio, esteve em Paço de Sousa, interessado na actividade comercial e com papel timbrado: A. M. D'AGUIAR/ FRUIT DEALER/ EXPORTER OF PORTUGUESE PRODUCTS/ CABLES, PLEASE ADRESS:/ AGUIAR - PENAFIEL [O Gaiato, n. 458, 30 Set. 1961]. De 5 a 26 de Maio, de 1923, efectuou uma viagem a Inglaterra, pelo negócio de frutas; cujo interesse persistiu em Junho, encontrando-se em Paço de Sousa.
Contudo, era grande a sua admiração por S. Francisco de Assis [†1226], de modo que, em Julho de 1923, decidiu pedir a admissão à Ordem dos Frades Menores, cuja missionação conheceu de perto em Moçambique, em especial na Beira. Em Agosto, encarou a possibilidade de voltar outra vez a essa colónia portuguesa; mas, em Setembro, procurou os franciscanos em Tuy, na Galiza, encontrando-se com o Padre Fr. Ambrósio [Manuel Alves Correia], OFM [1881†1948], sábio franciscano [de Aguiar de Sousa - Paredes]. Numa carta ao amigo Simão Neves [4-XII-1923], esclareceu a viragem vocacional na sua vida, confidenciando-lhe as suas tentativas de ingressar nos Franciscanos: Em meados de Julho lembro-me de recolher a uma Ordem de Religiosos e vou ao Porto falar com um Sr. Padre Franciscano. Este manda-me a Tuy falar ao Provincial. Vou e não o encontro. Volto em Setembro. Neste meio tempo sou assediado por dúvidas terríveis e uma luta de ideias me atormenta [O Gaiato, n. 417, 5 Março 1960].
Entretanto, fez as malas e seguiu para Lisboa, no sentido de voltar a Moçambique. Porém, à última hora, sofreu outra martelada [O Gaiato, n. 327, 15 Set. 1956], conforme disse ao Padre Dr. Avelino Soares [1887†1979, antigo companheiro de escola e então Pároco de Penafiel]; e não resistiu mais ao chamamento divino. Em carta ao amigo Simão Neves, de 17 de Outubro de 1923, afirmou: eu sigo a vida de sacrifício, de dor, de penitência. No post-scriptum, aconselhou-o a comprar dois livros do escritor Manuel Ribeiro [1878†1941] e sublinhou: Note, quando li O Deserto [1922], já estava a preparar as m/ cousas para seguir para o Convento; por isso não julgue que o meu passo são influências do livro. Não! [O Gaiato, n. 4141, 23 Jan. 1960]. Assim, em 21 de Outubro de 1923, decididamente partiu para Vilariño de la Ramallosa. Nesse Convento franciscano, usou o pseudónimo Joaquim Ferreira Rodrigues, ficou 9 meses como Postulante, estudou Ciências e Latim, e tomou o hábito de noviço franciscano com o nome de Frei Américo de Santa Teresa [14-VIII-1924].
Contudo, foi aconselhado a sair, considerando que não assimilava a vida monástica, por ser muito impressionista [O Gaiato, n. 326, 1 Set. 1956]. O Padre Arlindo Rodrigues da Silva Barbosa, OFM [1924†2012], estudioso desse Convento, anotou: De mão do P. Luís do Patrocínio [1871†1952] encontramos este registo a 6 de Agosto: 'Às 9 ½ votação dos noviços e saindo, por votação, Francisco Amaral e Fr. Aníbal Beleza, e sem votação, mas por conselho, Fr. Américo Aguiar. Aqueles dois foram de tarde, na camioneta com o Fr. Cristóvão, por Guardia, Caminha. Este, à noite, pela camioneta para Tui, com o Fr. Francisco Botelho, Fr. Adjuto e Fr. Cristóvão'.
Evidentemente que Américo de Aguiar deixou o Convento de Vilariño de la Ramallosa muito desfalecido e desorientado. Porém, com muita perseverança, continuou à procura do seu caminho vocacional na Igreja e, insistindo pela vida eclesiástica, pediu a sua admissão no Seminário do Porto, mas não foi aceite, conforme lhe disseram: É tarde [O Gaiato, n.288, 12 Março 1955]. Certo é que mais tarde [1943], foi muito bem recebido na cidade invicta, conforme escreveu: - Ai, Porto, Porto, quão tarde te conheci! [Pão dos Pobres, IV, 1984, p.140]. Contudo, não desanimou, seguindo para a cidade dos poetas do Mondego e doutores da vetusta Universidade, e bateu à porta do Seminário Episcopal de Coimbra.
Continua
Padre Manuel Mendes