PÃO DE VIDA

Do Venerável Padre Américo

Eu também gostava de ser assim um livro aberto, como eles. Um livro aberto só com duas folhas: uma em branco, aonde Deus escreve; outra escrita, aonde o povo lê.

Frei Junípero [Lume Novo,Sem.º Coimbra, 9 Jun.1928]

Da Causa de Beatificação

A divisa que Américo Monteiro de Aguiar escolheu, enquanto seminarista em Coimbra [carta a Ant.º M. Rocha, 31-III-1926; e autogr.º Breviário, Set. 1928], tem a marca indelével da humildade e foi tirada do célebre livro A Imitação de Cristo [liv. I, cap. II, 3]: ama nesciri et pro nihilo reputari [deseja que te não conheçam nem estimem]. Contudo, é comum dizer-se que o Padre Américo já foi canonizado no coração do povo, pois é sobejamente conhecido o seu impacto na Igreja e na sociedade em Portugal e África no século XX, como figura eclesial exemplar, sendo venerado como Pai Américo, considerando a sua vida cheia de amor a Deus e ao próximo.

No decreto da Igreja Católica que reconhece as virtudes heróicas do Venerável Padre Américo, ratificado pelo Papa Francisco, foi declarado: Constam as virtudes teologais da Fé, Esperança e Caridade seja para com Deus seja para com o próximo, bem como as cardeais da Prudência, Justiça, Temperança e Fortaleza e daquelas conexas, em grau heróico, do Servo de Deus Américo Monteiro de Aguiar, Sacerdote Diocesano, no caso e para o fim de que se trata [Roma, 11-XI-2019]. Este documento da Congregação para as Causas dos Santos é de suma importância para Igreja Católica em Portugal e foi tornado público em 12 de Dezembro de 2019. Recebido com muito júbilo, em especial na Obra da Rua e pelos seus amigos, em muitas Dioceses, culminou assim de forma muito feliz várias etapas do seu Processo de glorificação canónica [diocesanas e romana], ao cabo de 33 anos - desde 1986, quando seu primo D. Gabriel de Sousa [1912†1998], Abade Emérito do Mosteiro de S. Bento de Singeverga, sábio e virtuoso beneditino, empreendeu com muito afinco este labor eclesial inadiável, como testemunhámos com muito interesse biográfico e eterna amizade.

Na celebração do 1.º aniversário da publicação do Decreto das Virtudes heróicas do Venerável Padre Américo, continua a decorrer o percurso eclesial da sua Causa de Beatificação, na Diocese do Porto. Nesta fase do Processo é muito importante e necessário ser apresentada [pelo menos] uma presumível cura miraculosa, devidamente comprovada e testemunhada, para depois ser analisada pela Congregação para as Causas dos Santos, em Roma. É, pois, de apelar à oração perseverante do Povo de Deus para a sua Beatificação, havendo uma oração própria, que foi aprovada pela autoridade eclesiástica competente, na Diocese do Porto. Muitas graças têm sido dadas a conhecer e os seus testemunhos vão sendo publicados no Boletim AMA - da Causa de Beatificação do Venerável Padre Américo [desde 2014, ed. Obra da Rua - Paço de Sousa].

De Galegos ao Chinde

Para se ir avivando a memória do Venerável Padre Américo no nosso tempo e na esperança de novas vocações ao serviço da Igreja, é pertinente deixarmos outra grata lembrança do seu percurso desde o berço à sua viagem para o Céu, com uma breve nota biográfica, continuando a seguir neste filão de investigação devotada na sequência de abordagens anteriores e em curso [Padre Américo: Itinerário vocacional; Vida e Obra do Padre Américo: Esboço de Cronologia; Súmula Biográfica do Padre Américo]. Neste sentido, entre muitas outras facetas da sua vida, tecemos alguns traços marcantes do seu itinerário biográfico exemplar, no qual se manifesta com determinação a sua grande perseverança em realizar a sua vocação presbiteral, de ardor franciscano, numa linha de pobreza e serviço aos pobres.

Américo Monteiro de Aguiar nasceu no dia 23 de Outubro de 1887, pela uma hora da noite, na Casa do Bairro [de Baixo], na freguesia do Salvador de Galegos, concelho de Penafiel, distrito e Diocese do Porto. Filho de Teresa Ferreira Rodrigues [1847†1913], de Antelagar [em Paço de Sousa] e Ramiro Monteiro de Aguiar [1848†1921], do Bairro, no seu dizer[O Gaiato, n. 52, 9 Fev. 1946]. Os seus pais sempre o fitaram nos olhos. Em 4 de Novembro de 1887, foi baptizado com o nome de Américo - do então Bispo do Porto Cardeal D. Américo [1830†1899] - na igreja paroquial, pelo Padre António da Rocha Reis [† 1895], sendo padrinho Joaquim da Rocha, tio-avô [por afinidade], e madrinha Maria de Aguiar, sua irmã. Tomou o apelido paterno - Monteiro de Aguiar, embora por vezes surgisse o apelido da mãe - Rodrigues, pelo que nas iniciais do seu nome - Américo Monteiro de Aguiar - ficou como que determinado o seu modo de viver - cristão: AMA! Foi o último de oito irmãos: Padre José [1874†1947], Joaquim [1875†1966], Maria [1877†1964], Jaime [1879†1954], João [1882†1944], António [1884†1916] e Zeferino [1886†1938]. O seu irmão mais velho foi Missionário no Oriente - em Cochim. Aprendeu rapidamente a doutrina cristã com a senhora D. Rosa do Bento e fez a Primeira Comunhão na sua terra natal. Desde pequenino, na casa paterna, manifestou muito amor aos pobres, conforme escreveu: Nasci com esta devoção [O Gaiato, n. 223, 13 Set. 1952].

Iniciou os estudos na Escola régia de Pereiras, em Galegos, com o professor Joaquim da Silva Pinto; e depois foi para o Colégio de Nossa Senhora do Carmo, em Penafiel, fazendo exame de instrução primária [2.º grau] em 8-VIII-1899 [O Penafidelense, 11 Ag.1899]. Em Outubro desse ano, seguiu para o vicentino Colégio de Santa Quitéria, em Felgueiras. À sua mãe confidenciou o seu belo segredo de ser Padre, testemunhado aos 14 anos, conforme ela escreveu convictamente: Peço-te que me dês andamento a este embaraço em que eu me vejo com este rapaz; ele tem muita vontade de ser padre. Vamos a ver se agora o podemos apanhar [carta ao Padre José, 1-VI-1902 - O Gaiato, n. 477, 23 Junho 1962]; e ainda se sugeriu o Colégio das Missões, em Cernache do Bonjardim. Porém, em Outubro de 1902, com 15 anos, por indicação paterna estava empregado numa loja de ferragens, na Rua Mouzinho da Silveira [n. 110-112], no Porto. Ajudava à Missa na igreja de S. Lourenço, do Seminário da Sé, confessava-se assiduamente, o Padre José aconselhava-o na devoção a Maria Santíssima e foi crismado na Sé Catedral do Porto [pelo Bispo D. António Barroso, 1854†1918]. Ainda se matriculou no curso superior de Comércio, no Instituto Industrial do Porto [12-X-1905 - Arq.º ISEP].

Em 19 de Novembro de 1906, com 19 anos, embarcou em Lisboa no Prinz Regent, rumo a Moçambique, colónia portuguesa na costa oriental de África, onde se encontrava o seu irmão Jaime Aguiar. Foi despachante alfandegário na firma inglesa The British Central Africa, no Chinde. Residiu na república do carapau frito, demonstrou-se um homem trabalhador, alegre, amigo dos pobres e praticou desporto no Chinde Sports Club [1913]. Em 7 de Abril de 1912, embarcou na Beira, via canal do Suez, para Portugal em gozo de férias; e o vapor da viagem apanhou um S.O.S. do paquete de luxo Titanic, que se afundou no Atlântico Norte. Depois, as mortes de sua mãe Teresa, de seu irmão António [médico] e de seu pai Ramiro foram acontecimentos que o marcaram interiormente de forma decisiva. Nesses momentos extremamente dolorosos, ficou marejado em lágrimas e cada vez mais à procura de sentido profundo para a sua vida atribulada. Em Fevereiro de 1921, Américo de Aguiar encontrava-se em Lourenço Marques. Em Maio desse ano, estava ao serviço da casa alemã Breyner & Wirth; e, em Novembro de 1922, ocupava-se nessa empresa da agência Orenstein & Koppel. Um comerciante [Manuel Mendes], residente no Xai-Xai, propôs-lhe um contrato de 50 libras esterlinas mensais; mas, surgiu-lhe a oportunidade de ir trabalhar para a Madeira.

Continua

Padre Manuel Mendes