PÃO DE VIDA
Olh'ó Gaiato
Senhor dos Céus, eu hei-de morrer. Fica este jornal nas mãos de infinitos coleccionadores como protesto vivo e doloroso contra um mundo gozador, feito de inimigos da Cruz!
Padre Américo
Neste festivo número 2000 do jornal O Gaiato, apelidado de famoso pelos seus devotos leitores e que foi passando do chumbo e das ruas a digital, continuando também em papel, dobrados ao meio e num cantinho de justiça, é de repartir na mesa alguns preciosos nacos de pão, da pena inconfundível do seu fundador e trazidos por bons amigos, ao recordar grata e saudosamente todos aqueles que desde o número 1, em 5 de Março de 1944, têm dado vida à bandeira da Obra da Rua, sob o sinal da Cruz e no Santíssimo Nome de Jesus!
Sobre este pequenino tesouro da comunicação social eclesial, um Bispo muito amigo, D. António Marcelino [1930-2013], disse convicto, mas talvez com algum exagero: O maior e o mais importante jornal de Portugal. Indiscutivelmente, O GAIATO. Eu, leitor de muitos jornais, não tenho dúvidas em o afirmar. Riam-se de mim, chamem-me tolo. Sei o que digo e porque o digo. [...] Quatro páginas apenas. Tudo para ser lido, do princípio ao fim. Por ali passa, em cada número, a memória viva de Pai Américo. [Correio do Vouga, 14 Dez. 2011]. Muito antes, certo é que outros já o haviam dito, como escreveu Padre Américo: Os senhores que mandam, instalam-se todos em Lisboa e tem a gente de andar por lá atrás deles, se quer governar a vida. Fui por aí abaixo, no rápido. Ainda não era meia-noite e já ele, o rápido, tinha metido o nariz no túnel. Tabela! Comi na segunda série. Há um senhor do Porto que me dá sempre a senha e eu como. Antes de topar este senhor, fazia a festa com duas bananas. No dia seguinte puxo do canhenho a ver por onde havia de começar. Tanta coisa apontada e eu mortinho por me vir embora! O meu tesouro não está ali! [...] Ouvi dizer a um senhor que O Gaiato é o mais bem feito do País! Ora eu já tinha ouvido o Elvas a dizer ó Ministro das Obras Públicas [Eng. Duarte Pacheco, †1943] que O Gaiato é o melhor jornal do mundo. Mas o Elvas é o Elvas. O mundo dele é a nossa Obra. É nela que pousa o céu. Porém, a afirmação daquele senhor é coisa muito mais séria. Tanto que eu não a faço minha, com medo dos outros jornais. Chegou a hora do regresso. Do feliz regresso. Sentei-me no vagão-restaurante a tomar café e a escrever o jornal que, por ser feito aonde e como calha, é o mais bem feito do País! [O Gaiato, n. 75, 11 Jan. 1947].
Não resistimos a acender uma candeia para ver melhor noutra Luz e ler bem uma linda cartinha, saída das mãos de uma Emília, de S. Paulo de Frades; e que é transcrita mais adiante. Previamente, interessa esmiuçar alguns pormenores biográficos para ajudar ao retrato de corpo inteiro, com suas causas e efeitos benéficos. Para essa paróquia iria servir Padre Américo, por mandato do seu Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva [de Bustelo - Penafiel, 1859-1936], não fosse uma doença que o consumia[u] - um cansaço cerebral. Na abertura do livrito O Ovo de Colombo [Paço de Sousa, 1954], Padre Américo confidenciou: Já lá vão anos e anos e ainda hoje guardo no peito a minha primeira visita a um tugúrio, em Coimbra. Era a senhora Amélia, que tinha engomado gerações de estudantes e agora, cega e velhinha, cuidava de três netos de uma filha infeliz, cada um de cada homem e todos eles sem pai! [...] Doente como então era, o meu Prelado havia-me dispensado de todas as obrigações, tendo eu tomado esta de visitar pobres, por não servir para mais nada. Desta doença deu testemunho D. Manuel de Almeida Trindade [1918-2008], que foi seu aluno de Português e afilhado de Crisma, em 8 de Junho de 1930 [vd. Figuras Notáveis da Igreja de Coimbra. Coimbra, 1991, p.149], mais tarde Reitor do Seminário de Coimbra e Bispo de Aveiro. Meu pai Júlio, que Deus tenha, disse-me que Padre Américo tomava Promonta - um tónico cerebral [registado em 1926], como é confirmado por uma Nota oficiosa: O próximo número de O Gaiato há-de sair como calhar. Fica tudo à conta dos ilustres cronistas de Miranda, de Coimbra, de Paço de Sousa e do Porto. Eu vou-me retirar para um lugar indeterminado a comer batatas e a tomar Fitina. Se alguém tiver ou souber quem tenha Promonta, muito grato ficaria se me mandassem em pó ou em pastilhas [O Gaiato, n. 43, 20 Out. 1945].
Afinal, a sua enfermidade mais grave, que contagiou muitas pessoas, foi outra: A Caridade é uma doença que Deus dá no coração da gente [Pão dos Pobres, Coimbra, II, 1942, p. 133]. Da doença da Caridade comprovadamente padeceu desde pequenino - em Galegos, Penafiel, Felgueiras, Porto, Chinde, Lourenço Marques, Vilarinõ de la Ramallosa, Coimbra, Paço de Sousa, Beire, etc.: O Pobre é a minha glória. Por ele sou conhecido e naturalmente amado. Nasci com esta devoção [O Gaiato, n. 223, 13 Set. 1952]. E assim viveu crucificado - dilacerado - até à morte, nunca mais se curando, neste mundo terreno, pois de todas as virtudes a maior é o amor [1 Cor 13, 13].
Então, é de dar graças a Deus e ler a dita missiva, sobre O Gaiato: Ultimamente, vens mais lindo, meu pequeno jornal. Vens branquinho, lustroso e vestes roupagens de cor. Agora, tens uma aparência mais linda. Estás mesmo bonito! Até pareces mais elegante. E o interior? Esse nem se fala, mas já antes eras um despertador famoso e grande mestre em experiência de vida, em sabedoria e fidelidade. Eu já antes gostava de ti, mas agora gosto um pouco mais. Sabes, meu querido? Tens-me ensinado muito! Quem te acolhe como mestre, anda por bom caminho. Agora, como é habitual, envio-te à vizinha, que apesar dos seus noventa anos, também te aprecia, te espera com alegria e te lê de fio-a-pavio. Benditas as mãos pelas quais passas antes de chegares às minhas. Deus abençoe tão bela Obra e os seus obreiros. Felicidades!
Para que não se percam com a voragem do tempo e memória futura, eis os rostos dos pioneiros da Obra da Rua, pois os últimos serão os primeiros [Mt 20, 16]. A legenda, no verso, é coetânea [sic]: 1.ª Colónia de Férias do S. [Sr.] P.e Américo/ S. Pietro [Pedro] d'Alva - 1935 - Ag. [Agosto].
E mais nada. Saúde e bendito seja Deus!
Padre Manuel Mendes