PÃO DE VIDA
Ainda na Figueira
Em 2 de Agosto, o Padre João Coutinho Veríssimo, com 82 anos, foi levado deste mundo para a casa do Pai, numa unidade de cuidados continuados em Cantanhede, depois de meses de cadinho doloroso. Ainda foi possível, em telefonema para a urgência do Hospital da Figueira da Foz e que chegou à sua enfermaria, escutar a sua voz amiga, afinal de despedida... Por isso, com o Marcelino, acólito, este ano a nossa viagem pelos campos do Mondego até à Figueira da Foz foi antecipada e de sentido silêncio, revendo e agradecendo tantos momentos de amizade pelos rapazitos, que gostava de ver aprumados e alegres! A Missa exequial foi na segunda-feira, pelas onze da manhã, com a igreja de S. Julião cheia de fiéis pesarosos, incluindo uma trintena de padres, em especial alguns que ajudou a formar. Presidiu o Bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, que vincou a importância da vocação sacerdotal, nas comunidades eclesiais, da qual o Padre João Veríssimo deu testemunho fiel até ao seu encontro final. Depois de despedida custosa, ficou sepultado nas areias do cemitério oriental das terras onde entregou a sua vida - pelos seminaristas e pelo rebanho figueirense.
Com base em nota da Cúria diocesana, regista-se em sua homenagem também uma breve resenha biográfica. Assim, nasceu em 19 de Agosto de 1937, na freguesia de Vinha da Rainha, concelho de Soure, diocese de Coimbra. Foi admitido, em Outubro de 1950, no Seminário da Imaculada Conceição da Figueira da Foz; e transitou em 1955 para o Seminário Maior de Coimbra. Depois de concluída a sua formação teológica, foi ordenado Presbítero em 28 de Julho de 1963, na Sé Nova de Coimbra, por D. Ernesto Sena de Oliveira, Bispo de Coimbra. Celebrou Missa Nova na sua terra natal, em 4 de Agosto; e, em 13 de Outubro de 1963, foi nomeado Pároco de Pombeiro da Beira, em Arganil. Em 1966, foi nomeado para a equipa educadora do Seminário Menor da Figueira da Foz, exercendo vários cargos até ao de Reitor. Em 3 de Outubro de 1993, foi nomeado Pároco de S. Julião da Figueira da Foz. Entre outras missões, foi ainda: Director do jornal O Dever, Arcipestre, Capelão do Hospital Distrital, Administrador paroquial de Lavos, Capelão da Misericórdia, Cónego da Sé de Coimbra [7-VI-2004], Administrador paroquial de Ferreira-a-Nova, Pároco de Tavarede e Vila Verde. Em 2016, recebeu a medalha de Mérito Social, em prata dourada, do município da Figueira da Foz.
Quem representa Deus tem obrigação de ter alguma coisa de infinito [Raúl Brandão - O Padre. Lx., 1901, p.28]. O Padre Veríssimo, tendo escutado o duc in altum [faz-te ao largo] do Mestre, serviu fielmente a Igreja, em especial junto ao mar - na Figueira da Foz, pelo que foi verdadeiramente pescador de homens. Antes das celebrações, com pontualidade, o seu lugar era junto ao Santíssimo; nas homilias, era escutado com atenção; nos encontros, ponderado e delicado; e, no diálogo e à mesa com os mais pequenos, amigo próximo. Requiescat in pace - descanse em paz!
Neste contexto figueirense, é de referir que o Decreto de criação do Seminário da Imaculada Conceição [SIC] - de Preparatórios da Diocese de Coimbra - foi assinado por D. Manuel Luís Coelho da Silva [† 1-III-1936], Bispo de Coimbra, em 20 de Fevereiro de 1936. Como Seminário [Menor] abriu em Outubro de 1936, com 63 alunos do 1.º ano liceal, no edifício do antigo Colégio Figueirense, em Tavarede. Em Agosto de 1987, a publicação de um esboço histórico do Seminário da Imaculada Conceição da Figueira da Foz deveu-se principalmente ao Padre João Coutinho Veríssimo, que nos autografou um exemplar: Com um abraço amigo, [8] Outubro de 2015. De Uma palavra de explicação, transcrevemos:
O Seminário da Imaculada Conceição da Figueira da Foz faz neste ano lectivo de 1986-87 as suas Bodas de Ouro. É uma data para celebrar. Uma oportunidade para reflectir. Um futuro para incentivar.
Pensei que seria ocasião oportuna para publicar uma pequena monografia destes cinquenta anos do Seminário. Trabalho árduo e difícil, dada a escassez de elementos. Procurei, pedi ajuda e apareceu este opúsculo. Não é a história destes cinquenta anos! Nem sequer um esboço. Foi o tentar recolher alguns dados que no futuro possam servir para um trabalho mais profundo sobre a vida do Seminário. Foi o recordar o esforço que a Igreja, através do Seminário, fez no campo da educação.
Ao publicar este opúsculo pretendi, também, que ele proporcionasse uma reflexão em toda a Diocese de Coimbra. Largas centenas de alunos (ultrapassam os 2000) frequentaram este Seminário e pouco mais de centena e meia se ordenou [...].
A propósito, no Correio de Coimbra, Padre Américo deu conta do seguinte: Dois Rapazes da rua, membros das colónias de verão e amigos da Casa do Gaiato, vão este ano [1941] dar entrada no Seminário; tendo eles mesmo declarado, em confidência espontânea, o desejo de entrar no sacerdócio. Nunca, jamais, apareceu aqui notícia mais sublimada!
Tenho a promessa de admissão, por parte do Prelado. Tenho a promessa de alguém que se adiantou e quere tomar à sua conta a ordenação de um gaiato. Tenho a esperança que, na volta do correio, virá alguém a conjugar o verbo querer, na primeira pessoa do indicativo presente, em prol do segundo gaiato.
Os dois Rapazes, que hoje são de seus Pais, passarão a ser da Casa do Gaiato - eles, que também o foram e sabem quanto se sofre dentro do tugúrio! Hão-de aprender a conhecer e amar o Pai Celeste no desprendimento e na renúncia, mais do que nos compêndios da Escola [Pão dos Pobres, III, 1943, p. 20-21].
Anote-se que, em Maio de 1941, houve uma visita - dos alunos e formadores do Seminário da Imaculada Conceição da Figueira da Foz - à Casa do Gaiato de Miranda do Corvo [vd. registo fotográfico: Arquivo da Obra da Rua - Paço de Sousa].
Percorrendo o escorço histórico sobre o Seminário da Figueira da Foz, encontram-se vários nomes ligados à Obra da Rua, que elencamos, v.g.: Formadores - Diácono e Padre Adriano Antunes [Prefeito e professor, 1936-1941]; Padre Francisco da Fonseca Antunes [Prefeito e professor, 1941-1947; Director espiritual, 1947-1957]. Alunos [admissão]: [Padre] Horácio Francisco Azeiteiro, Mira [1937-1938]; Gaiatos - José Roque Crisanto, Orvalho (Portalegre) [1950-1951], José Martins de Carvalho, Lourosa [1963-1964], Henrique de Carvalho, Carvalhais (S. Pedro do Sul) [1964-1965]; João Evangelista Loureiro, Seixo de Mira [1938-1939], foi autor, v.g., de L'Obra da Rua et l'éducation des enfants privés de milieu éducatif [Tese de Doutoramento - Lovaina, 1972; Lx.: INIC, 1979].
Padre Manuel Mendes