PÃO DE VIDA

Da Figueira da Foz

Eu gosto do mar. Não é por ser marinheiro; é o Infinito.

Padre Américo

A obra pontifícia Stella Maris, do Apostolado do Mar, celebra, em Outubro, 100 anos de assistência espiritual, moral e social aos pescadores e às suas famílias. O Papa Francisco alertou para as dificuldades dos pescadores e de outras pessoas que vivem da actividade marítima: A concorrência da pesca industrial e a poluição tornam o seu trabalho ainda mais complicado. Sem os trabalhadores do mar, muitas partes do mundo passariam fome.

Neste Verão quente e ainda sob os efeitos continuados de um susto valente do covid-19 por esse mundo além, eis que um pequenito mexido, de alcunha o 'Seco', quando lhe perguntámos se alguma vez tinha visto o mar, respondeu simplesmente: - Só no computador!... Porém, com outros companheiros, também foi regalar-se a ver a imensidão do mar e a molhar os pezitos na Praia de Mira, respeitando os condicionamentos da pandemia. São outros pobres deste nosso tempo, refugiados e de costas africanas, sempre prontos a correr e a saltar e a falar...

Num regresso às fontes, tomando nota das lições que deixou, vai longe o tempo das primícias do sonho de Padre Américo no seu serviço aos pobres, em Coimbra, pois contam-se por cerca de nove décadas em que foi enviado pelo seu Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís, que o levou a escrever depois este desabafo: Chega-se à noite completamente cansado, nada feito, e as mãos sujas!... Pisamos terrenos de que toda a gente foge; lidamos em zonas de muita miséria moral./ É preciso sair fora da igreja, combater por todos os lados, perder a vida... para ganhar a Vida [Pão dos Pobres, I, Coimbra, 1941, p. 136].

Uma excursão à Figueira

O rio Mondego atravessa o território do concelho da Figueira da Foz e a sua foz localiza-se na costa da baía de Buarcos. A norte destaca-se a serra da Boa Viagem. Esta zona tem belas praias e com grande extensão, como a praia entre o Forte de Santa Catarina e a Fortaleza de Buarcos, com cerca de 1800 metros. Desde finais do século XIX que era hábito entre a aristocracia ir a banhos para a Figueira. A Figueira da Foz continua a ser uma das principais estâncias de veraneio do centro de Portugal.

No Verão de 1936, antes de outra Colónia de Férias dos garotos da baixa de Coimbra, em S. Pedro de Alva, na sua coluna no Correio de Coimbra, o Padre Américo organizou uma excursão inolvidável de miúdos pobres à Figueira da Foz - onde gente com mais posses ia a banhos - narrando-a assim:

[...] Nunca desanimar. Quem lança redes à voz do Mestre, compreende toda a força imperativa do duc in altum, porquanto nada depende da força ou do saber de quem lança, mas sim tudo de Quem manda lançar.

E vamos para o mar, no segundo Domingo de Julho, com um comboio de crianças; arejar a pequenada das ruas, numas largas horas de areia branca; ver o mar...!

Estes dias ficam para toda vida, na alma dos pequeninos. Algazarra, apertos, desordem, merenda, novidade, e, no fim de tudo... o Mar! [...]

Como sempre sucede nas grandes multidões, também na excursão infantil à praia da Figueira, que teve lugar no segundo domingo deste mês [Julho], houve mortos e feridos; e assim é que um dos excursionistas morreu de desgosto por ter perdido as calças, e houve de regressar a Coimbra em fralda de camisa, e ainda um outro feriu-se nas mãos a esgravatar na areia um par de sapatos que nela se sumira. Nem comeu, nem brincou, nem viu o mar - nada!

De resto, tudo nas asas da Providência. Um comboio de gaiatos, sem uma beliscadura!

A gente nem sabe que mais agradecer: se as facilidades da C.P., se a boa vontade do Capitão do Porto, que compareceu pessoalmente na praia a dar ordens e a dispor as coisas, se a fidalga merenda confeccionada pela Juventude Feminina e servida na praia, pela mesma, se, finalmente, os cuidados dos vigias que acompanharam as carruagens.

Todos no seu posto, compreensão clara e simpática de um grande dever e de uma grande dívida social, que se a não pagarmos, morremos todos nas mãos do credor! - descer até junto dos Pequenos.

Topámos na praia o segundo turno das criancinhas que as Noelistas de Coimbra ali conduzem todos os anos, para serem chamadas, na gíria dos pobres, os pequeninos da senhora dona Carolina [Sousa Gomes], porque é nos braços dela que eles, os miudinhos, vão até lá! Ela recruta na gente mais desgraçada da cidade. Leva cadáveres e traz criancinhas lindas como cerejas [Pão dos Pobres, I, 1941, p.145,147-148].

Domingos de Agosto e adeus ao Padre Veríssimo

Em mais de oito décadas de pregações da Palavra de Deus, na Figueira da Foz, respondendo por uma dúzia de anos, é grato registar o acolhimento muito amigo do Padre João Coutinho Veríssimo, dos figueirenses e veraneantes, nas Eucaristias do terceiro Domingo de Agosto, demonstrado no grande carinho e nas ajudas para o sustento da comunidade-mãe da Obra da Rua.

Neste Verão seco, acontece que deslocámo-nos infelizmente mais cedo à matriz da Figueira, pois o Sr. Prior partiu antes do nosso encontro tradicional... De facto, no primeiro Domingo de Agosto, o nosso amigo figueirense José Alberto deu-nos a desditosa notícia: - Faleceu o sr. Cónego Veríssimo... O seu passamento deixou em quem o conheceu de perto um sentimento de profunda tristeza, pelo seu testemunho sacerdotal indelével de fidelidade à Igreja. Manifestava muita veneração por Padre Américo e grande estima pela Obra da Rua - uma Obra da Igreja - como salientava! Quando chegava a hora de apresentar a comunidade dos gaiatos, nas Missas, lembrava sempre esta tradição única desde os anos trinta - do Padre Américo! Também herdeiros deste testemunho incontornável, para memória futura, é obrigatória uma palavra de eterna gratidão pela forma delicada e atenciosa com que sempre nos recebeu e permitiu deixar palavras vividas do serviço aos pobres, à luz do Evangelho de cada Domingo.

Padre Manuel Mendes