PÃO DE VIDA

Um apelo de uma mãe

Ainda neste tempo de pandemia covid-19, esta crise sanitária vai levando a uma pandemia da pobreza, com consequências notórias - pessoais, familiares, sociais e económicas. É de notar que tem havido um visível aumento de situações de pobreza com a pandemia actual, associada a causas de vária ordem, como as dificuldades de acesso aos cuidados de saúde e medicamentos, que levam boa parte dos magros recursos da população fragilizada e doente.

O necessário isolamento fez-nos reflectir com acuidade sobre a permanente actualidade e necessidade imperiosa e contínua da visita domiciliária aos pobres, pois a Igreja é missionária pela sua própria natureza. Os discípulos escutaram o Mestre, pelo que uma prioridade é escutar as dores e as necessidades dos pobres, a quem S. Vicente de Paulo chamou nossos amos e senhores. Deste cantinho em zona deprimida, com tropa fandanga (de situações familiares desarticuladas) confinada em estudo, escutámos alguns apelos, de comunhão orante, bem como várias provas de amizade e ajuda para o sustento diário desta comunidade cristã.

O Padre Américo, com a certeza da fé activa no amor, escreveu bem assim: mais Conferências de S. Vicente de Paulo. Uma delas em cada freguesia. Todas por aí fora a trabalhar. Aliviemos o Pobre. As chagas. A penúria. As situações. Os vícios. Tudo. O Pobre acredita em quem lhe dá pão e está pronto a grandes sacrifícios por amor de quem lho der. Deste amor ao amor de Deus, é um instante. É o caminho. Os sem pão não acreditam em Deus se primeiramente lho não dermos. Samaritanos. Samaritanos. Muitos samaritanos. Haja deles nas Paróquias, deles nos concelhos, nas cidades, nas nações, no mundo inteiro. O Samaritano é o homem que o próprio Jesus assinalou. No Seu alto conceito, as obras de misericórdia estão em primeiro lugar. Quem as não tiver feito, permanece na morte uma vida inteira.

Numa linha vicentina, deixamos um testemunho simples, entre milhões, do significativo valor cristão da vocação de serviço aos pobres das Conferências Vicentinas, pela sua extraordinária rede de Caridade e proximidade aos mais frágeis, na linha do que escreveu o principal fundador - Antoine-Frédéric Ozanam [1813-1853]: Desejaria abraçar o mundo inteiro numa rede de caridade. É importante enaltecer e fomentar o carisma vicentino na pastoral das comunidades cristãs, no serviço aos pobres, pois é radicalmente eclesial e de base laical.

No quotidiano e ao longo da vida humana, todas as pessoas sentem as feridas e as dores que as tocam e das pessoas com quem se relacionam ou têm conhecimento. A fragilidade afecta todo o ser humano e muitos deles encontram-se sós, perdendo a alegria de viver, em ambientes mais ou menos populosos, com problemas de vária ordem, v.g.: físicos, psicológicos, familiares e materiais. Daí que, mesmo de forma simples, se deve e pode contribuir para restaurar alguma confiança nos nossos irmãos, na escuta e com simples palavras e obras de esperança, sendo fiéis à palavra dada. Entre várias situações que temos encontrado, em saídas de serviço aos pobres, deparámo-nos com um apelo persistente de uma mãe jovem e do seu filhito. Num simples quarto, escondido, numa serra de zona urbana com vista para um belo rio, foram várias as visitas domiciliárias, em que deixámos géneros necessários, alguns das Filhas de Maria Auxiliadora. O pai do menino encontra-se noutro continente, a mãe não deixa o seu pequenino sozinho e tem dificuldades habitacionais e de legalização. E, assim, fomos percebendo melhor essa realidade familiar, carecida de ajuda e orientação. Antes de tudo, é uma questão de atenção, pois o coração é que nos aproxima.

Para um acompanhamento mais próximo desse lar precário, urgiu contactar com os vicentinos, cuja rede funcionou logo, do centro para essa periferia - Conselho Central, Conselho de Zona e Conferência Vicentina - a partir do momento em que foi solicitada mais ajuda. O acompanhamento vai requerendo uma acção de apoio directo e a confidencialidade exigida nestas situações de debilidades. Entretanto, os vicentinos mais próximos não esperaram para arriscar outras visitas domiciliárias, com confiança, verificando in loco a necessidade de ajudar e promover essa família debilitada, como outros agregados familiares sujeitos a cair na lama ou pessoas sem-abrigo e com carências alimentares. Depois, foi pedida a colaboração das Irmãs do Bom Pastor.

Na verdade, servir os pobres com amor afectivo e efectivo, como expressou S. Vicente de Paulo, vai no seguimento do mandato e da amizade de Jesus: Já não vos chamo servos, mas amigos [Jo 15, 15]. Se o carisma vicentino nos merece assim tanta admiração, foi porque nele também mergulhámos e dele recebemos exemplos inesquecíveis!

P. S.: É, ainda, ocasião para saudamos o nosso amigo Padre Nélio, novo Superior Provincial da Congregação da Missão, em Portugal, que foi bom companheiro no final da Teologia. Boa missão, pelos pobres e com Jesus!

Padre Manuel Mendes