PÃO DE VIDA
Frei Bernardo da Anunciada - Da Universidade para o claustro
Sendo a hora de largar a capa de estudante para vestir a cogula beneditina, então em 26 de Maio de 1924, Bernardo de Vasconcelos deixou Coimbra, pela Estação Velha, onde rapazes amigos acorreram a despedir-se, o que impressionou o escritor António Sardinha [casualmente presente], tendo Bernardo depois confidenciado: Essa hora, se não foi mais amarga, foi porque me rodearam corações, muitos corações amigos [...]. A saudade vai tomando campo mansinho [carta de Setembro de 1924]. Em Junho de 1924, Bernardo esteve em Singeverga: Estive uns dias com o meu Superior, e com esse que o Manuel Ribeiro retratou na Catedral [carta de 15-VI-1924]. Esse monge era D. António Ildefonso dos Santos Silva [que viria a ser Bispo de Silva Porto, em Angola, em 18-VIII-1958]. Bernardo foi-se despedindo dos seus, conforme escreveu: Estas horas últimas são dolorosas. Minha mãe em especial [...] - Eu não tenho ilusões. O coração não se embota nem se fecha - sangra - mas também se purifica [carta de 18-VI-1924]. Em 15 de Agosto de 1924, despediu-se na casa paterna, com um: até quando Deus quiser... No dia seguinte, entrou como Postulante no mosteiro de Singeverga. Em 11 de Setembro de 1924, com mais cinco jovens, partiu para a Galiza e chegou no dia seguinte ao mosteiro de Samos para uma nova vida, como cristão, à procura do Ideal - Jesus, crucificado e vivo.
Para que não se percam, de uma missiva [do Mosteiro de S. Bento da Vitória - Porto, em 7 de Jan.º 1992] de D. Gabriel de Sousa [1912-1997] ao Dr. Juiz José Marques da Cruz Almeida, amigo e admirador de Padre Américo, em Coimbra, registamos algumas referências - beneditinas, familiares e coimbrãs: [...] Bastante mais novo (dez anos) que Frei Bernardo, tive a dita de ser contemporâneo dele na Ordem Beneditina. Quer dizer, quando ele entrou para tomar hábito, em 1924, já eu estava no mosteiro, rapazito de 12 anos, para começar preparatórios. Fomos juntos para Samos, na Galiza, e embora em situação diferente, vivemos juntos todos os oito anos que ele teve de vida monástica. Por isso, e porque ultimamente fui Postulador no Processo da sua glorificação canónica, é grande a admiração que tenho pelo Servo de Deus, e tudo quanto me fale da sua vida, do impacto espiritual do seu exemplo e das suas ligações de família e amizade./ A Família de Frei Bernardo era muito ramificada e eu tenho perfeitamente gravado na minha memória o ramo Doutel - reconstituir a árvore por esse lado./ Agradeço muito a carta de Vossa Excelência e as referências nela feitas ao velho CADC e a todas estas santas ligações. Os santos fazem família, também. [...] No Diário íntimo e autobiográfico de D. Gabriel de Sousa, monge beneditino, que foi Abade de Singeverga [no arquivo desse Mosteiro e em cópia que vimos com Fr. Geraldo Coelho Dias, em S. Bento da Vitória], deu mais pormenores da sua ida para a Galiza: Depois, por Agosto de 1924, chegou a Singeverga o sr. Bernardo de Vasconcelos, vindo da Universidade de Coimbra; este seguiu connosco para Espanha, mas enquanto nós íamos começar os estudos regulares; ele foi tomar hábito com o nome de Fr. Bernardo da Anunciada. Também viria a morrer tuberculoso.
Continuando no itinerário biográfico de Bernardo de Vasconcelos, em 24 de Setembro de 1924 iniciou o noviciado, recebendo o hábito beneditino, e o seu nome civil foi mudado para o chamadoiro monástico de Frei Bernardo da Anunciada. Com enorme alegria, escreveu: Agora vivo todo consagrado a Deus neste ano santo do noviciado e nesta casa de Deus. É uma vida de sacrifício e imolação? Sem dúvida. Mas suave e cheia. 'Tudo posso naquele que me conforta', dizia S. Paulo [carta de 12-X-1924]. Na dor da perda recente de dois familiares [o seu irmão Manuel Baltasar, em 4-IV-1924, e seu pai Manuel Joaquim, em 16-IX-1925], em 29 de Setembro de 1925, no mosteiro de Singeverga, Bernardo fez a sua profissão simples; e iniciou os estudos de Filosofia. Em 7 de Julho de 1926, regressou a Portugal; e, em 24 de Setembro de 1926, partiu para a Bélgica para ali iniciar os estudos de Teologia, na Abadia de Mont-César [Lovaina]. Surgem as primeiras manifestações de tuberculose óssea e foi-lhe diagnosticado o mal de Pott, que atingiu a sua coluna vertebral.
Num certo paralelismo, é de referir que Bernardo de Vasconcelos deixou a Lusa Atenas em fins de Maio de 1924, para rumar a um mosteiro beneditino na Galiza. E Américo Monteiro de Aguiar chegou a Coimbra no início de Outubro de 1925, vindo de um convento franciscano também na Galiza, para ser admitido no seu Seminário diocesano. Na sua correspondência, como seminarista, verifica-se que o itinerário vocacional de Frei Bernardo e o CADC também estavam bem presentes na sua vida espiritual e dos estudantes na cidade do Mondego, conforme é testemunhado numa extensa missiva ao seu amigo, Simão Correia Neves [no Funchal], de Novembro de 1926, de que recortamos estas informações: [...] Vai a revista 'Os estudos'./ Vai uma tese sobre o Ideal cristão apresentada por um estudante de medicina [Direito], actualmente monge de S. Bento em Espanha. O s/ espírito não está em condições de assimilar a doutrina, que é toda de vida sobrenatural, ao contrário de [Orison Swett] Marden, que é naturalista. No entanto, desejo muito que v/ leia com interesse [...].
Devido ao seu frágil estado de saúde, Frei Bernardo teve de regressar a Portugal, em 3 de Novembro de 1926, e começou o seu longo calvário de 6 anos, como ele próprio disse: a história da graça que o Senhor me fez, com a grande doença que me deu. Assim, foi obrigado a mudar de poiso várias vezes, com alguns períodos no seio da comunidade de Singeverga, então instalada provisoriamente na Falperra, junto a Braga, e a maior parte do tempo por hospitais e praias, no Porto e na Póvoa de Varzim. Em 6 de Janeiro de 1928, recebeu a Tonsura Clerical, em Braga; e, em 13 de Maio de 1928, foi de comboio em peregrinação a Fátima. Apesar de doente, em 29 de Setembro de 1928, foi admitido à Profissão Solene monástica, na igreja de S. José de Ribamar, na Póvoa de Varzim. Acabou por receber as Ordens Menores, conferidas por D. António Augusto de Castro Meireles, Bispo do Porto, em 5 e 6 de Fevereiro de 1929, na capela do Paço Episcopal, na Torre da Marca. Em 15 de Maio de 1931, Frei Bernardo entrou numa casa da Rua S. Bartolomeu, n. 29, na Foz do Douro - Porto. Ao lado do seu quarto, visível do seu leito de enfermo, conseguiu que fosse colocado um altar, onde era celebrada a Eucaristia, com licença episcopal.
No Verão de 1931, no Seminário de Coimbra e doente, o Padre Américo Monteiro de Aguiar teve a possibilidade de visitar Frei Bernardo da Anunciada - monge virtuoso que admirava, enfermo no seu martírio, no Porto - conforme bilhete-postal para o Padre Dr. Luís Lopes de Melo, datado de 17 de Agosto de 1931, com estas notícias: Visitou-me aqui um sacerdote desse Seminário, cujo nome não declinou, mas dizem-me agora que deve chamar-se Américo. Repousava com o Dr. Trindade Salgueiro das s/ fadigas. Ficou de lhe levar um abraço meu, abraço grande apesar da m.ª fraqueza. Na verdade, destes encontros, é razão para se dizer: Os santos conhecem-se!
Nesta época, é de notar a correspondência com Miguel Sá e Melo, com saudades de Coimbra, v.g.: Falar-me na Sé Velha é recordar-me horas deliciosas, já porque lá passei, junto ao Sacrário, as melhores horas de ensaiar voo para o claustro, já porque [...]. Que linda ela era em noites luarentas! Nem me fale! Que ela, toda a Coimbra é linda, sobretudo nos arredores, como já notou e mo afirma [carta de 16-XI-1931].
Assim foi morrendo devagar, sofrendo, como afirmou: Esta noite estive mal. Até se chamou Monsenhor [Manuel] Marinho [carta de 12-II-1932]. Em 22 de Abril de 1932, Frei Bernardo recebeu o sacramento da Santa Unção dos Enfermos, das mãos do seu pai espiritual. E antes da sua partida deste mundo, em 2 de Julho de 1932, saiu impresso o seu livro Cântico de Amor, com prefácio de Teixeira de Pascoaes [carta de 21-IX-1931], em que escreveu: Pois seja a minha vida - a gozar ou a sofrer - um doce verso branco que eu não saiba dizer!... Na tarde de 3 de Julho, a irmã [e enfermeira] Maria Bárbara disse-lhe que estava no correio um livro [Cântico de Amor] e ele respondeu: Que pena! Hoje é domingo, já não entregam. Amanhã será tarde! Conforme belíssimo exemplar em mãos, com duas fotos do autor [na abadia de Samos, em 19-III-1924; e na sua Profissão solene, em 29-IX-1928] e desenhos do Tenente Alípio S. Vicente, tem ainda uma Homenagem dos Editores [7 p.].
De 1933 a 1935, foram publicadas mais estas obras: Do Ideal Cristão; A Vida na Paz [trad.]; A Vida de S. Bento contada às almas simples; A Missa e a Vida Interior; As nossas festas; Vida de Amor; Poesias Dispersas.
Após uma longa e dolorosa enfermidade, durante a qual deu constantemente provas de excelsas virtudes, Frei Bernardo veio a morrer santamente à uma hora da madrugada do dia 4 de Julho de 1932, a três dias de completar 30 anos, rodeado da sua família, tendo dito: Ó Santíssima Trindade, ó Santíssima Trindade! Não chorem. Eu vou para o Céu. Jesus, Jesus, eu sou todo de Jesus. As suas exéquias decorreram na igreja de S. João da Foz, do antigo mosteiro beneditino, e foi sepultado no cemitério local. Em 5 de Setembro de 1932 os seus restos mortais foram trasladados para o cemitério de Molares (concelho de Celorico de Basto), no jazigo do Padre Francisco de Almeida Barreto, amigo da família; e, em 4 de Julho de 1933, foram para o sepulcro em que jazem, na igreja paroquial da sua terra natal.
Numa pagela [com imprimatur do Arcebispo de Braga, em 3 de Julho de 1934], vem o seguinte: Os seus restos mortais são tidos em grande veneração na igreja de S. Romão do Corgo (Celorico de Basto) em que fora baptizado. Estão cercados de numerosos ex-votos e diante deles ardem continuamente velas de cera e lâmpadas de azeite, em reconhecimento por graças obtidas. A instrução do Processo diocesano para a sua glorificação canónica teve início em 31 de Março de 1978, na Arquidiocese de Braga. O respectivo Tribunal eclesiástico foi empossado por D. Eurico Dias Nogueira, em 4 de Julho de 1983; e o processo ficou concluído em 9 de Outubro de 1987 e enviado para Roma. Depois de exaustivos trabalhos, em 14 de Junho de 2016, foi declarado Venerável, por decreto da Congregação para as Causas dos Santos, promulgado pelo Papa Francisco, sobre as virtudes heróicas do Servo de Deus Bernardo da Anunciada (no século: Bernardo de Vasconcelos), clérigo professo da Ordem de S. Bento; nascido a 7 de Julho de 1902 e falecido a 4 de Julho de 1932.
Pax!
Padre Manuel Mendes