PÃO DE VIDA

Outra pandemia

Os nossos irmãos que sofrem, estão presos à vida pelo fio de orações dos verdadeiros discípulos de Jesus, que são todos aqueles que provocam nos pagãos de hoje, o vede como eles se amam, dos pagãos de outrora.

Padre Américo

Esta Quaresma é diferente, com mais sofrimento, pois andamos todos assustados com outra peste e há já muitas vítimas do coronavírus, por todo o mundo.

No século XX, ocorreram três pandemias - de gripe: a chamada pandemia espanhola, em 1918, causada pelo subtipo H1N1 do vírus da gripe A e que terá atingido cerca de um terço da população mundial, em que a I Guerra Mundial e a fome agravaram a elevada mortalidade; a pandemia asiática, em 1957; e a pandemia de Hong- Kong, em 1968, causadas respectivamente pelos subtipos do vírus H2N2 e H3N2, sendo que ambas provocaram cerca de três milhões de mortos.

Os vírus são organismos microscópicos, que se caracterizam pela sua extrema pequenez (1 a 100 vezes mais pequenos do que as bactérias) e por invadirem as células hospedeiras vivas dos organismos, reproduzirem-se e iniciarem mutações. Tornaram-se graves problemas para a saúde humana quando as pessoas passaram a viver em grandes comunidades e as viagens globais aumentaram, sendo grandes vias para os vírus se propagarem num ápice pelo nosso planeta. Julga-se que os morcegos, animais gregários, são portadores de grande variedade de vírus. Para se evitarem as infecções, tem de se pôr as pessoas de quarentena, aumentar o isolamento social e a higiene: não tossir para cima de ninguém, evitar contactos próximos com outras pessoas e lavar as mãos com frequência.

O coronavírus foi identificado e diagnosticado, em seres humanos, pela primeira vez em Dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, Hubei, na China, sendo designado de COVID - 19, e já considerado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma pandemia. A Itália está a ser muito atingida por este surto epidémico, que se tem disseminado por muitos países, inclusive Portugal. As autoridades civis, sanitárias e religiosas têm dado directivas muito claras e excepcionais aos cidadãos e aos fiéis que todos devem atender, para se minimizarem as consequências nefastas da disseminação desta epidemia global.

Não escondendo receios, em face desta séria ameaça à saúde das populações e considerando as fragilidades próprias e desta comunidade que servimos, encontramo-nos em isolamento social. Os géneros alimentícios recebidos dos nossos amigos, em especial no tempo natalício, têm sido preciosos. Depois do encerramento das Escolas, os Rapazes têm várias possibilidades de ocupação, saudável: centro de estudo, e espaços para algumas tarefas, desporto e lazer. As saídas e as entradas são as estritamente indispensáveis e obrigatórias. É evidente que foram adiadas muitas deslocações, v.g.: Hospitais (consultas não urgentes), Tribunais de Menores, Segurança Social, Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, Embaixada, Conservatória, Finanças, Loja do Cidadão ... Seguindo as indicações da Igreja em Portugal, nas celebrações eucarísticas deixaram de participar fiéis do exterior. É um tempo muito propício para viver uma verdadeira Quaresma de conversão e purificação, e para se terem muito presentes, na oração pessoal e familiar, as vítimas e suas famílias, bem como os cuidadores de saúde (médicos, enfermeiros e outros), para que os seus esforços ajudem a dominar mais este mal do nosso tempo, num mundo global.

Considerando os perigos e as dificuldades sociais, sirvam-nos alguns exemplos. É muito justo nomear o Dr. João Serras e Silva, grande médico português [Alcaravela - Sardoal, 15-I-1868; 8-IV-1956], citado por Padre Américo, numa interessante memória - O Catolicismo e a higiene - apresentada ao Congresso dos Médicos Católicos reunidos em Coimbra, em 26 de Maio de 1918, lembrou a importância da espiritualidade cristã como ajuda fundamental também para superar os medos: A fé com efeito não contraria a ciência, antes a favorece. [...] A fé favorece a saúde e o equilíbrio da inteligência, quando resolve os problemas angustiantes da origem e destino do homem, problemas que a razão por si só era impotente a resolver.

Em várias épocas da história, as pestes dizimaram multidões de pessoas. Alguns exemplos, em território italiano: No ano 680, pontificado do Papa Agatão, a peste assolou principalmente Roma e Pavia; em 1500, outra epidemia alarmou Cápua; em 1522, outra vez, Roma; e, em 1575, Milão foi vítima do flagelo da peste. Desta cidade seria a mãe do mártir S. Sebastião [† 288, sendo imperador Diocleciano] e o berço da sua infância. Tal como nesses tempos e lugares e tantos outros, também em Portugal, em que houve grandes pestes depois das conquistas em África, invocamos o santo mais venerado entre nós, depois de Santo António, de opúsculo [autografado ao P.e Alcino Azevedo] do Padre Pinho Nunes - Vida de S. Sebastião [1940]: Apartai de nós os terríveis flagelos da peste, da fome e da guerra. Atendei às súplicas dos que, em suas aflições, a vós recorrerem.

O Papa Francisco pediu aos sacerdotes para que tenham a coragem de sair e ir ao encontro dos doentes, levando a força da Palavra de Deus e a Eucaristia. Neste âmbito e no seu tempo, o Padre Américo foi muito corajoso, conforme confidência eloquente: Ao tempo corria a fama de um padre de Coimbra que não tinha medo dos contágios. Eu era motivo de curiosidade e muito perseguido. Sobretudo um homem desconhecido costuma acompanhar-me até à porta do edifício, aonde a doente morava, sem nada dizer. Um dia arrisca mais passos e sobe alguns degraus, mas não vai até ao fim. Por último foi. Uma vez dentro do cubículo, espreme-se para caber. Eu ia dar à doente a sagrada comunhão. Não há paramentos. Não há velas. Não há ritual. Não é sítio nem ocasião. Ali é o calvário! O desconhecido, silencioso, mira de pé. A doente ergue-se na cama a meio corpo, aponta Jesus Hóstia e impera: - Ajoelhe-se e adore. E o homem cai por terra! O desconhecido não subiu para isto. Ele era um dos que não acreditava, e cai por terra! Sabemos que não foi a palavra da leprosa. É, sim, a Presença Real de Jesus. Descemos sem falar. Nunca perguntei a ninguém quem ele era. É mais perfeito ignorar para viver maior certeza.

Nesta Quaresma a sério, enquanto se treme de angústia, espera-se por uma vacina eficaz, alargada a todo o mundo, para que se salve o maior número possível de vidas humanas. Na procura crescente de bens essenciais, que os últimos estejam nas preocupações de todos. Na Igreja, há uma retaguarda orante, com experiência de vida de muitos séculos - os monges e as monjas de clausura. O Bispo de Avelino, em Itália, numa carta às Irmãs de clausura, pediu as suas orações, afirmando: quanto mais estreito for o espaço, mais amplos serão os céus.

Saúde, paz e bem para todos! Também a certeza da nossa pobre oração ao Médico Divino, pelas vítimas, enfermos e seus familiares, corajosos cuidadores da saúde e ministros da Igreja.

Padre Manuel Mendes