PÃO DE VIDA
Na Eucaristia é celebrada memória do Mistério e Sacrifício Pascal de Cristo. No hoje do sacramento, a presença real, pessoal e actual de Jesus Cristo, por excelência, faz da Eucaristia o sacramento pleno do encontro com o Senhor: Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim [Ga 2, 20]. Assim foi acontecendo com Padre Américo ao longo da sua vida cristã e nomeadamente com a ordenação presbiteral. Daí decorreu que essa experiência de amor, vivida no encontro pessoal com Cristo na Eucaristia, foi sendo certificada no serviço aos outros, tornando-se servo dos pobres - os últimos, mais débeis - como homem de Deus e ministro de Cristo.
Em Junho de 1929, antes da sua ordenação presbiteral, de Coimbra, Américo Monteiro de Aguiar escreveu uma carta ao seu irmão Jaime, em que anunciou a celebração de uma Eucaristia em Paço de Sousa, terra natal de sua mãe Teresa. Nesta missiva, dispôs a essência e os acidentes desta Missa Nova, e chama-o à conversão à fé cristã, com profundidade eucarística e cuidado pastoral. Ora, eis:
A Missa, como já disse aqui ao Padre José [Monteiro de Aguiar], há-de ser íntima e muito recolhida e não de festa e nem com festas. Por isso, se tu vires que o teu abade [Padre Manuel Gomes de Castro] procura qualquer sinal exterior de entusiasmo para essa ocasião, peço-te desde já o favor de o dissuadires de tal coisa. Será a hora matutina e conveniente, a fim de que os nossos Irmãos e as pessoas que assistirem, não percam o dia de trabalho. Isto desejo eu, com muita solicitude, recomendar aos teus cuidados./ Américo.
No sacramento recebido por Américo Monteiro de Aguiar, com a ordenação presbiteral, em 28 de Julho de 1929, foi decisiva a imposição das mãos, pelo Bispo de Coimbra, D. Manuel Luís Coelho da Silva, que lhe imprimiu carácter [carisma] sacerdotal. Este rito significativo é documentado na Tradição Apostólica, de Hipólito de Roma [c. 217], e no Novo Testamento, v.g.: Não deixes de cuidar o dom que há em ti e que, mediante intervenção profética, te foi conferido pelo presbitério com a imposição das mãos [1 Tim 4, 14].
Conforme o que foi previsto e anunciado, no dia 5 de Agosto de 1929, segunda-feira, o Padre Américo celebrou a sua segunda Missa Nova, na igreja do antigo Mosteiro beneditino do Salvador de Paço de Sousa. Deu conta desta celebração Eucarística numa carta dirigida ao seu amigo Simão Correia Neves, de 11 de Agosto, que é um testemunho eloquente da profundidade da sua fé no mistério eucarístico e da vocação presbiteral a que foi chamado, à luz do Evangelho, como colaborador na obra de redenção da humanidade. Dessa missiva sobre tal acontecimento memorável, respigámos o seguinte:
Agora de mim: celebrei aqui no dia 29 do passado [Julho de 1929] a minha primeira Missa e no dia 5 do corrente [Agosto] fui a Paço de Sousa celebrar em comemoração dos nossos mortos, à beira dos vivos. Igreja cheia. Festa toda espiritual, silenciosa, grande como o pensamento, modesta como as violetas. Não houve nada que fizesse olhar para fora; tudo para dentro! Meu irmão Jaime, ex-discípulo de Renan, Voltaire e outros, recebeu das minhas mãos pecadoras o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Da mesma maneira outros irmãos que há muitos anos o não faziam e muita gente da terra, muita, muita gente. Antes, fiz uma pequenina alocução acerca da presença real, do mistério da Eucaristia.
E agora, Simão, a sua carta; esta sua carta! A sua alma tem sede de amor; a sua alma quer amar, mas não sabe. Peça a Deus que o ensine a amar. Num murmúrio divino, humilde, cheio de Fé - peça a Deus que o ensine a amar! A sua alma, digo, é terreno divino. Semente divina que lá caia, logo cresce e há-de florescer. Quem me dera estar junto de si, para lhe comunicar esta realidade da vida divina que me devora! Durante todos os dias que estive em casa, à hora de minha Missa, voltava-me para o povo e deixava-lhes um pensamento; pequenino como o dos álbuns e grande como o Infinito. Era do Evangelho, é do Evangelho que tiro a minha vida, os meus pensamentos, as minhas obras, tudo. A minha alegria é tanta que os meus Superiores pedem-me para nunca sair do Seminário, que não faça nada, que não diga nada, que só comunique esta minha alegria misteriosa, real, comunicativa. Agora mesmo sigo para Buarcos, para a nossa colónia de férias. Já lá estive na de Julho a fazer a mesma coisa: Amar.
Eu não tenho tempo de perder tempo, Simão. Eu quero que você compreenda que dentro da sua vida pode ser um apóstolo como eu; a questão é de saber amar; a questão é de saber conjugar o verbo amar em todos os tempos. Que lindo ideal o nosso: AMAR! Simão peça a Deus que o ensine a amar. Peça a Deus que lhe ensine o mistério da vida. Só Ele nos conhece; só Ele tem palavras de vida eterna. O Mundo é uma grande mentira! Viva as realidades que não aparecem porque as que vemos são... aparências.
Eu interesso-me; eu tenho-me interessado, eu hei-de continuar a interessar-me muito, muito por si e para [19]30 há-de receber das minhas mãos pecadoras o Corpo de Jesus Cristo, vivo, palpitante para que depois viva por largos anos e vivendo não seja já você que vive, mas sim Jesus Cristo que vive em si.
São horas do comboio, adeus./ Padre Américo Aguiar.
Padre Manuel Mendes