PÃO DE VIDA

Elisabeth Leseur

Não chores ao perder o sol;

as lágrimas te impedirão de ver as estrelas.

Elisabeth Leseur

Sofrimento escondido

A doença e a morte da sua irmã Juliette, em 13 de Abril de 1905, com 32 anos, marcaram muito a vida de Elisabeth Leseur, pois tinha por ela grande afeição, chamando-lhe a filha do meu coração. Porém, foi uma chaga que elevou mais a sua alma para Deus, pois sustenta a certeza da sua presença afectiva, como escreveu em carta à sua mãe, em 16 de Setembro de 1905: Há pouco, passei alguns instantes de joelhos ao pé do meu pequeno oratório. Aí viera, com o coração cheio de lembranças do dia 12 de Abril, da cena que se passara naquela mesma hora [em que Juliette recebia a Santa Unção]; [...] senti-a então bem perto, rodeando-nos com uma protecção que saberemos discernir, se afastarmos tudo que puder perturbar essa doce união de alma e, na verdade, desde esse instante, senti-me mais forte. Noutra carta à sua mãe, a 7 de Outubro de 1905, conta: As horas que passei perto de Juliette proporcionaram-me este benefício de uma expansão e confiança muito grandes; nós pensávamos e sentíamos igualmente em muitos pontos, sobretudo os mais importantes, e a falta destas boas conversas é-me bem cruel.

Os anos seguintes a 1905 foram para Elisabeth de paciência com os seus sofrimentos, lembrança viva da sua irmã, dedicação à família e aos amigos, numa vida de oração mais intensa e de apostolado discreto junto daqueles que recorriam a ela, com delicada caridade para a desgraça. Em Março de 1906, acompanhou o seu marido a Viena, na Áustria, onde foi chamado para um processo que interessava o conselho judiciário do Conservateur. A actividade de Elisabeth foi sendo interrompida, por diversas vezes, pela sua doença de fígado, a exigir-lhe longos repousos e com crises febris muito desagradáveis. O seu estado tornou-se mesmo muito sério em Outubro de 1907 e colocou-se, entre médicos amigos, a necessidade de uma intervenção cirúrgica. Elisabeth passava assim a maior parte do tempo em casa, consagrando-se à oração, à meditação e à leitura de livros de espiritualidade, como de Santa Teresa de Ávila. Em Junho de 1908, teve outra recaída; e com Félix Leseur deixaram Paris e foram para Jougne, por caminho-de-ferro, conforme explicou à sua mãe em carta de 2 de Julho de 1908: Uma cadeira de rodas me levará ao trem, onde um compartimento de cadeiras-camas nos espera, incorporado [...]. O ar de montanha vivificante de Jougne foi salutar para Elisabeth e aí se demorou até Outubro de 1908, que deixou triste. Depois, o seu marido Félix levou-a para uma estadia em Ouchy, perto de Lausanne, à beira do lago de Genebra, cuja brisa tonificante a foi restabelecendo, conforme explicou, em carta à sua mãe, de 19 de Outubro de 1908, na qual também toca a sua vida espiritual: Félix, com uma bondade extrema, havia descoberto, pertinho do hotel, uma capela bem íntima e recolhida, fundada pela princesa de Syn-Wittgenstein. Aí ouvi missa das 8 e comunguei com grande número de pessoas, em grande alegria por esse acto de reconhecimento e homenagem a Deus, neste solo protestante. Será necessário dizer-te todos aqueles, todas aquelas de quem me lembrei junto d'Ele?

Em 1910, Elisabeth e Félix foram de Paris a Jougne de automóvel com um amigo. Esta viagem foi providencial, pois em 10 de Julho pararam em Beaunne para visitar essa cidadezinha encantadora e sobretudo o seu belo Hospital. De facto, uma menina doente, com cerca de 8 anos, pela qual Elisabeth se interessou, foi ocasião de uma correspondência com a religiosa que tratava dela, depois publicadas sob o título: Cartas sobre o sofrimento. Tal religiosa era Soeur Marie Goby e tinha mais um ano do que Elisabeth, pois nasceu a 22 de Novembro de 1865, numa família de Savigny-les-Beaune. Depois, em 1911, Elisabeth e a Soeur Goby conheceram-se pessoalmente.

Entretanto, em 22 de Setembro de 1910, deu-se uma provação no casal, com o falecimento por tuberculose do filho mais velho [Miguel] da família Duvent - amigos do casal Leseur, conforme Elisabeth contou em carta de 26 de Setembro de 1910, com triste desfecho: Félix veio às cinco horas para pô-lo no caixão, o que teve lugar às 7 horas. Os pobres pais estavam muito corajosos, mas as despedidas da pobre Aline despedaçavam o coração; rezei com eles perto da cama e fiquei junto dela [...].

Outra provação aconteceu, com grande choque: Elisabeth notou um tumor [maligno] no peito, que também preocupou o seu marido. Antes de se sujeitar a uma cirurgia, pelo Prof. Gosset [seu cirurgião há três anos], tratando do seu internamento numa Casa de Saúde, na Rue De La Pompe, em Março e Abril de 1911 tomou algumas Resoluções, deixadas num Caderno, como esta: Ofereço-vos, Senhor, esta aflição pelas intenções que conheceis. Fazei com que dê frutos ao cêntuplo e deixai-me depositar em vosso Coração os meus sofrimentos, desejos e orações, a fim de dispordes segundo o que vos pedi. Ó Maria, rogai por nós, agora e na hora da nossa morte. Assim seja! [9 de Abril de 1911]. Também antes de ser operada, a 10 de Abril de 1911, participou de manhã numa Eucaristia, em que comungou. O seu marido ficou em quarto ao lado do seu e depois foram para o apartamento na Rue Marignan [n. 16], em Champs-Élysées - Paris, pois tinham deixado a Rue d'Argenson, em Outubro de 1910. Nessa casa, Félix encontrou na sua escrivaninha um bilhete que revela a delicada ternura de Elisabeth, de que se transcreve esta passagem: Minha padroeira, Santa Isabel, transformava humildes pães em rosas; [Félix] achaste meio de transformar sofrimentos íntimos e muito profundos em alegrias e consolações.

No seu Cahier de Résolutions [Caderno de Resoluções], 1906-1912, Elisabeth deixou esta admirável proposição: En ce qui concerne Dieu: Souffrir et offrir. En ce qui concerne autrui: Me donner, me répandre. En ce qui me concerne: Me taire et m'oublier [Quando se tratar de Deus: sofrer e oferecer. Quando se tratar dos outros: Dar-me, expandir-me. Quando se tratar de mim: Calar e esquecer].

continua no próximo número

Padre Manuel Mendes