PÃO DE VIDA
Elisabeth Leseur
Continuação do número anterior
Uma alma que se eleva eleva o mundo inteiro.
Elisabeth Leseur
Do matrimónio à crise de fé
Em 1 de Junho de 1887, Elisabeth e Félix Leseur encontraram-se. Elisabeth tinha ainda vinte anos quando conheceu Félix, a quem foi apresentada em casa de amigos. Félix apreciou os seus modos distintos, a sua sensibilidade, alegria, ampla cultura e delicadeza de espírito. Mesmo com divergências no plano religioso, ambos os jovens partilhavam gostos e interesses intelectuais e artísticos comuns. À sua mãe, Elisabeth escreveu que Félix representou aos seus olhos, de jovem mulher, tudo o que se podia esperar num esposo. Em 23 de Maio de 1889, ambos se comprometeram para uma vida conjugal e desse modo ficaram noivos. Sucede que os pais de Elisabeth eram de opinião que a sua filha não partisse para o ultramar com ele, pelo que Félix renunciou a uma carreira colonial para se casar com Elisabeth. Por outro lado, Félix comprometeu-se a deixá-la praticar a sua religião católica e Elisabeth ficou até com a esperança de o ajudar a regressar à fé da sua infância. Assim, com estes sinais de amor verdadeiro, em 31 de Julho de 1889 contraíram matrimónio, na bela igreja de Saint-Germain-des-Prés, em Paris. Sucede que, no fim do Verão de 1889, Elisabeth ficou enferma, com um abcesso intestinal [peritonite]; e não se restabeleceu devidamente, pois essa doença deixou sequelas para a sua vida.
Félix Leseur nasceu a 22 de Março de 1866, em Reims, sendo o terceiro filho de uma família católica, em que o pai era advogado e a mãe era uma mulher piedosa, que criou os seus filhos com muito amor. Foi educado nos Oratorianos; e, ávido de leituras, lê autores dos séculos XVIII e XIX. Apaixonado pela Geografia, orienta a sua carreira para o serviço nas Colónias francesas. Depois, seguiu medicina em Reims; e concluiu a sua formação em Paris. Nesta cidade, foi influenciado pelo ambiente de agnosticismo. No entanto, enquanto vive na sua família, não rompe abertamente com a Igreja. Mas, acabou por se tornar um conhecido activista ateu e anticlerical francês. Em Março de 1892, começou a publicar artigos sobre política exterior e colónias, onde manifesta os seus conhecimentos e opiniões, no jornal La République Française, de tendência fortemente anti-eclesial. Em Outubro de 1894, passou a colaborar no jornal parisiense Siècle, também anti-religioso. Entretanto, recusou uma nomeação para membro do Conselho Superior das Colónias; e depois entrou no conselho de administração de uma empresa de seguros, cujo director era o irmão da senhora Arrighi.
Elisabeth constatou que o seu marido Félix tinha deixado de ser católico praticante, enquanto estudava na Faculdade de Medicina de Paris, mas que se comprometia a respeitar a sua fé cristã. Porém, num ambiente materialista e de incredulidade, Félix foi-se tornando agressivo em relação às convicções da sua mulher. Mais tarde, o próprio confessou o seguinte: No momento do nosso casamento, comprometi-me a respeitar as crenças da minha mulher e a deixá-la praticar em liberdade. Mas, logo comecei a suportar impacientemente outras convicções que não eram as minhas negações; e, como a neutralidade religiosa é uma burla nas relações particulares, assim como nas instituições públicas, tomei Elisabeth como objecto do meu proselitismo, às avessas. Pus-me a atacar a sua crença, esforcei-me por arrancá-la e - que Deus me perdoe - quase o consegui. Durante o curso de 1897, através de uma série de leituras e de pressões, consegui separá-la da observância dos deveres religiosos, para cortar seriamente a sua fé e levá-la ao protestantismo liberal, que no meu espírito era uma etapa próxima de um agnosticismo radical. Para alcançar esse objectivo mais rapidamente, coloquei nas suas mãos a História das Origens do Cristianismo, de Renan; e, graças à divina Providência, a obra sobre a qual eu contava para concluir o meu detestável trabalho foi precisamente aquela que determinou a sua ruína. De facto, o Dr. Leseur veio a fazer o que podia para a influenciar e tentar apagar a fé da sua esposa, pelo que a impulsionou a ler autores racionalistas e ateus, que compunham a sua biblioteca particular. Esta campanha conduziu a um certo esfriamento da prática religiosa da sua esposa.
Nos primeiros anos do seu casamento, o amor deles era forte e Elisabeth gostava da posição social do seu marido. Mais tarde, Félix Leseur escreveu: Ela sincronizou a sua existência ao ritmo da minha: ela mostrava-se afectuosa nos dias de provação e de tristeza, sorridente e cheia de entusiasmo nos momentos felizes. Mais, transformou a casa num centro de calor e gentileza, onde frequentemente entretinha amigos. Os Leseur são um casal influenciado pelo seu tempo, numa cidade de Paris efervescente, na qual Félix levou Elisabeth a participar em muitos encontros mundanos, como jantares e espectáculos — teatros, concertos... Elisabeth ia lendo e estudando várias línguas, v.g.: latim, italiano, russo. Entre 1893 e 1897, Félix e a sua esposa realizaram grandes viagens pelo estrangeiro: Roma, Argélia, Tunísia, Alemanha e locais na Europa Oriental.
Ao regressar do último périplo, Elisabeth terá abandonado a sua prática religiosa. Assim, depois de 7 anos de casamento, exposta a constantes críticas de Félix ao Cristianismo, em 1896 Elisabeth decai na sua fé católica. Uma vez, disse ao esposo: Já não me fica nada para ler. Dá-me algo. Félix propõe-lhe obras de Ernest Renan [1823-1892], autor racionalista. Acontece que não provocaram o efeito desejado a leitura de livros que lhe indica - como Histoire des Origines du Christianisme [1863-1883] e La vie de Jésus [1863]. De facto, este período de incredulidade durou pouco tempo [1897]; pois, com 32 anos, em 1898 passou por uma conversão religiosa. Neste contexto, Elisabeth foi pressentindo a verdade da religião que Félix combatia e empreendeu um labor de desconstruir essas obras e refazer a sua instrução religiosa.
Começou a meditar com assiduidade a Sagrada Escritura, em especial os Evangelhos - a pessoa e as palavras de Jesus. Também foi lendo os Santos Padres e doutores místicos, v.g.: Santo Agostinho, S. Jerónimo, S. Tomás de Aquino, Santa Teresa de Jesus, S. Francisco de Sales. Em 11 de Setembro de 1899, começou um novo Diário. E escreveu: Comecei a estudar filosofia e muito me interessa. Esse estudo esclarece muita coisa e põe em ordem o espírito. Não compreendo que não se faça dele o complemento de toda a educação feminina.
Continua no próximo número
Padre Manuel Mendes