PÃO DE VIDA
Elizabeth Leseur [1866-1914]
As nossas acções e as nossas omissões têm repercussões que vão até ao infinito. - Elizabeth Leseur
Um rosto belo na Igreja
Já acenámos, justamente, o nome do casal Leseur — Elizabeth e Félix - na nota precedente, em que avivámos a memória para um texto lapidar e precursor de Padre Américo sobre a vocação universal à santidade, precisamente porque lhe fizeram um pedido singular: para que celebrasse pela breve canonização de Isabel Leseur... Estávamos em meados de 1947 e o II Concílio do Vaticano iria ter início em Outubro de 1962, convocado pelo Papa João XXIII; e que depois proclamou bem alto, de novo, o chamamento que Jesus faz a todos e cada ser humano: ser santo! Não é de estranhar, nem para afastar ninguém do Altar e dos altares, isto é, de entranhar o que há de mais evidente na doutrina do Mestre. Vale mesmo a pena tomar conhecimento do conteúdo da bela Exortação Apostólica Gaudete et exsultate, dada em Roma, no dia 19 de Março de 2018, Solenidade de S. José. Na verdade, é um bom tónico espiritual na nossa vida e no nosso tempo, onde o desespero nos pode fazer abater e deixar ficar caídos - na dor, impaciência e solidão. Para aguçar o apetite também destas coisas, mais dois sublinhados do Papa Francisco: A santidade é o rosto mais belo da Igreja [n. 9]. Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra [n.14].
O Padre Américo afirmou e escreveu isto mesmo, 71 anos antes... Com visão lúcida da doutrina de Jesus e grande amor à Santa Igreja, falou dessa maneira aos seus filhos, numa homilia em Eucaristia na sua capela, e na pedra galhenta do Sacrifício Eucarístico cumpriu também o pedido de celebrar pela glorificação canónica de Isabel Leseur. De facto, a sua Causa de Beatificação teve início em 8 de Abril de 1936. Na época contemporânea, entre grandes mestres da vida espiritual [como o P. Charles de Foucauld...], nos princípios do século XX, é uma figura de referência eclesial que pode ajudar quem se abeirar dos seus passos, pelo seu testemunho interessante e actual. Não será desfocado verificar que a incredulidade e a confusão espiritual vão atingindo pessoas fragilizadas e pouco esclarecidas, como mancha de óleo poluente, dos mais novos à praça pública, na qual exprimir a fé cristã, com as suas implicações éticas, parece ser descabido...
Evidentemente que foi nosso desiderato ir um pouquinho mais longe, de forma a traçar de forma muito singela algumas linhas condutoras do itinerário biográfico da Serva de Deus Elizabeth Leseur. Partimos da afirmação, sobejamente conhecida, do grande teólogo católico Karl Rahner, S. J. [5-III-1904 † 30-III-1984]: O cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão. E chamamos para aqui, também, o Servo de Deus Padre Américo: A amizade de Cristo é uma fonte de bem. Com ela podemos ir muito longe. Na história do Povo de Deus, para fazermos a experiência da fé cristã, pessoal e comunitariamente, tratando desta amizade com Deus [Santa Teresa de Jesus] e os irmãos, há testemunhos [de santidade] que são úteis para nos estimular e motivar [Gaudete et exsultate, n.11]. Assim, vale a pena adentrarmo-nos no testemunho forte e discreto desta mística cristã, que mostrou bem a realidade da vocação à santidade na vida matrimonial e social. Deixamos assim o exemplo vivo de Elizabeth Leseur, mulher e esposa, numa simples nota biográfica, como um verbete, com a sua actualidade, três anos depois do 150.º aniversário do seu nascimento [1866-2016].
O cerne do caminho interior de Elizabeth Leseur desenha-se nestas suas palavras profundas, que nos desvelam o seu coração e explicam claramente o seu itinerário espiritual: Poderíamos ter um conhecimento intelectual muito completo do Cristianismo e, no entanto, não viver a sua vida. O que devemos alcançar é a plenitude da vida interior, a fé íntima que transforma a alma, e é esse o dom que se há-de pedir sem descanso a Deus - o Único que o pode conceder.
No princípio da sua biocronologia, vem o registo do nascimento de Elizabeth Arrigi Leseur: a 16 de Outubro de 1866, em Paris. Foi no seio de uma família profundamente religiosa, católica, que os filhos foram criados e educados. Seus pais foram Antoine Arrighi e Marie-Laure e foi a primogénita de cinco filhos. Entretanto, a 27 de Novembro desse ano, foi baptizada na igreja de St. Roch, em Paris [Rue Saint Honoré, n. 296]. Seu pai, de origem corsa, era formado em Direito e trabalhou no Palácio da Justiça. A sua mãe ensinou os seus filhos a rezar e abriu-os para o amor de Deus.
Começou a escrever cedo os seus escritos espirituais, pois a sua primeira anotação no seu [primeiro] diário data de 14 de Novembro de 1877: Ontem fui ao catecismo pela terceira vez. Oh, isso é o que me interessa! Estou muito contente, porque esta semana irei confessar-me; necessito muito. Assim, organiza umas regras de vida e é muito devota, valorizando assim: a oração, as lições do Catecismo e a correcção das suas faltas. Isto não era fácil, conforme confidenciou: Pois bem, não, não sou a melhor, pelo contrário. Quando me dizem uma coisa, eu digo o contrário, sobretudo com o Pedro [seu irmão]. Nunca quero confessar que estou equivocada. A sua irmã Juliette, seis anos mais nova, foi sua confidente.
Ao crescer a família, os Arrighi mudaram-se para a Rue Rennes [n. 43], do outro lado da rua da igreja de Saint-Germain-des-Prés [Place Saint-Germain-des-Prés, n. 3]. Em 15 de Maio de 1879, com 12 anos, nessa igreja fez a sua Primeira Comunhão, que foi uma profunda experiência espiritual. Nesse tempo, era costume as crianças receberem a Primeira Comunhão entre os 10 e os 14 anos; porém, pelo Decreto Quam sigulari, do Papa Pio X, a idade da discreção foi fixada cerca dos 7 anos. No dia seguinte, por tradição nesse tempo, Elizabeth foi crismada nessa mesma igreja. Os seus interesses intelectuais e artísticos não a fazem perder de vista a seriedade da vida, como anotou, por ocasião de um retiro espiritual: O pregador falou-nos da missão da jovem e da mulher cristã. Disse-nos que se trata de uma missão divina. Que, durante a nossa passagem pela terra, podíamos fazer muito bem ou muito mal. Também nos disse que devíamos temer o egoísmo, de quem somente pensa em si mesmo. Depois, continuaremos com o encontro de Elizabeth com Félix Leseur, em 1887, precisamente no ano em que Américo Monteiro de Aguiar [AMA] viu a luz do dia!
Continua no próximo número
Padre Manuel Mendes