PÃO DE VIDA

Do Padre Jacinto de Sousa Borba

Continuação do número 1955

Socorrendo-nos, ainda, do Mensageiro de S. Vicente de Paulo [1945], bem como de uma biografia do Padre Barros-Gomes [30-IX-1939; 5-X-1910] - Victima da República, sábio engenheiro florestal e santo lazarista, do Padre Bráulio Guimarães, C.M., continuamos então a discorrer breves notas biográficas sobre o Padre Jacinto de Sousa Borba. Assim, em 8 de Setembro de 1907 deu entrada na casa dos Padres da Missão em Lisboa, pois o Padre Alfredo Fragues, Superior da casa e Visitador da Província, confiou-lhe várias aulas (latim, francês, etc.) e o ensino da música (especial predilecção), na Escola Apostólica dos Lazaristas, no Palácio Linhares, sito na Calçada de Arroios.

Porém, depois de alguns anos de serviço fecundo e piedade sincera, em 5 de Outubro de 1910, foi obrigado a sair dessa casa, pois a Escola Apostólica de Arroios acabou por ser invadida por uma turbamulta anti-religiosa, em trágicas circunstâncias. Nessa tarde, o Padre Alfred Fragues estava a rezar na capela e, vendo a propriedade cercada, reuniu a comunidade na biblioteca. De crucifixo na mão, implorou: Por amor de Deus, não matem ninguém! Poupem ao menos estas crianças! Mas, logo uma bala certeira o prostrou, banhado no seu próprio sangue. Ao irromperem pela biblioteca dentro, os assaltantes encontraram o Padre Barros-Gomes, sábio silvicultor, e estalou um tiro que o fez contorcer em agonia. Segundo um relato do Padre Sousa Borba, o corpo do Padre Barros-Gomes teria sido apunhalado no baixo-ventre, despojado das vestes e calçado dos pés. Os assaltantes quando arrombaram a porta do quarto do Padre Sousa Borba, encontraram-no com outros padres e irmãos e um grupo de crianças, tendo implorado: «Tenham dó destas crianças!». A resposta foi uma coronhada que lhe fendeu a cabeça. A escorrer sangue, ele continuou a suplicar: «Misericórdia para estes!». Mas o ódio referve em impropérios infames, e uma segunda coronhada vibrada de novo à cabeça, fez cair a vítima de borco. Depois, o Padre Sousa Borba foi levado sob prisão para o Governo Civil e no dia seguinte, na companhia de alguns padres prisioneiros (Saunal, Teixeira e Álvaro), foram para a Legação Francesa, onde se juntou o Padre Sénicourt, e daí para o Hospital de S. Luís; de onde, a 12 de Outubro de 1910, embarcaram para França, a bordo do vapor Atlantique, no qual também seguiram 48 Filhas da Caridade e outras religiosas.

Depois de algum descanso nas casas de formação de Dax e Paris, foi enviado para Damasco (Síria), onde os Lazaristas orientavam um Colégio muito conceituado, embarcando em 25 de Janeiro para a região do Levante. Acolhido fraternalmente naquele centro cosmopolita, foram entretanto apreciados os seus talentos de organista e professor e a sua dedicação à Congregação da Missão. Porém, declarada a Primeira Guerra Mundial, a 28 de Julho de 1914, foi obrigado a sair das fronteiras do Império Turco e chegou à Casa-Mãe, em Paris, em Dezembro desse ano, até que em Janeiro de 1915 tomou o caminho da sua Pátria! Assim, foi colocado na igreja de S. Luís, em Lisboa. Com o fim da Guerra, em 11 de Novembro de 1918, deram-lhe outra vez ordem de partir para o Colégio dos Lazaristas em Damasco. Com autorização superior, pôde vir a Lisboa para celebrar as bodas de ouro de vocação religiosa, a 29 de Maio de 1925, na igreja de S. Luís, com o Superior e seu companheiro de noviciado Padre Desidério Caullet. Depois, com 71 anos, teve de voltar à sua missão.

Acontece que começava a esboçar-se um plano de renovação da Congregação da Missão em Portugal. O Padre Sebastião Mendes, vindo de um Seminário no Brasil, ficou como Visitador da Província e desejou o regresso dos membros da Congregação dispersos pelo mundo, em especial o Padre Sousa Borba, venerando decano, que veio com gosto e a alma cheias de esperanças, conforme confidenciou: Estou um velho de 73 anos, para nada presto! Mas para tudo quanto eu puder, aqui me têm, podendo contar com a minha boa vontade. Foi acolhido de braços abertos na incipiente residência da Rua do Século, em Lisboa, e o Visitador disse-lhe que exigia dele ao menos dez anos de trabalho... Entretanto, foi nomeado consultor da Província e Assistente da Casa Central. Em Outubro de 1927, tomou conta da capelania das Florinhas da Rua, das Irmãs Missionárias de Maria, na Rua da Beneficência, ao Rego, a que se dedicou com zelo sacerdotal até ao fim de Dezembro de 1931. Depois, doente, aceitou ser capelão do Asilo das Cegas, das Irmãs Dominicanas, na Rua do Século, ao pé da porta. Das notas pessoais que deixou, rematamos com esta bela confidência: Todo o bem que tenho feito é filho da minha confiança só, só em Deus, lembrando que os instrumentos fracos são os melhores na mão de Deus, para que todos possam ver que é Deus, e Deus só, que opera o bem. Aqueles que o prezavam como amigo e os que recorriam ao seu ministério sacerdotal veneravam-no, mas comentava com jocosa ironia: Dizem por aí que há dois santos em Lisboa: há, de facto, um santo de pau maciço, que é o bom Padre Cruz. O Padre Sousa, esse é um santo de pau carunchento...

A véspera do Natal de 1944 passou-a quase toda no confessionário. Mesmo enfermo, devido ao violento frio que fez em Dezembro, ainda celebrou Missa no dia 29, na capelinha da Residência da Rua do Século, e no dia seguinte recebeu a Sagrada Comunhão, na cama. Com muita devoção a Nossa Senhora das Graças - a sua Mãezinha do Céu, beijou muitas vezes a Medalha Milagrosa [cunhada em 1854, ano da definição dogmática da Imaculada Conceição], que o acompanhou para a sepultura. Também beijou repetidas vezes o crucifixo e, sendo devoto de S. José, repetiu as jaculatórias - Amado Jesus, José e Maria, expire em paz entre vós a alma minha. No dia 3 de Janeiro de 1945, quarta-feira, às 13 horas e meia, naquela casa lazarista, o Padre Jacinto de Sousa Borba, com 90 anos, foi chamado para a Missão no Céu! A notícia da sua morte depressa se espalhou em Lisboa. Em volta do seu corpo, na Capela do Asilo das Ceguinhas, acudiram numerosas pessoas. A Missa de corpo presente foi celebrada às 10 horas e meia, e o enterro realizou-se às 15 horas para o jazigo da família vicentina, no cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Nas lágrimas que marejavam tantos olhos, sentiu-se bem quanto era querido e venerado o virtuoso Padre Sousa - uma alma sacerdotal e um humilde filho de S. Vicente de Paulo!

Padre Manuel Mendes