PÃO DE VIDA

Do Padre Jacinto de Sousa Borba

Continuação do número anterior

Para a história do Colégio de Santa Quitéria (e de outras casas vicentinas), nomeadamente sobre o notório serviço ao ensino e o fecundo apostolado que naquele lugar exerceram com zelo os Padres da Congregação da Missão (e as Filhas da Caridade), tornando também o Santuário de Santa Quitéria um centro de piedade intenso, como extraordinária memória foram escritos os Apontamentos para a História da Província Portuguesa da Congregação da Missão, feitos sabiamente por mão de mestre - o Padre Bráulio de Sousa Guimarães, C.M. [mas ainda inéditos em 1998, quando os consultámos por deferência do então companheiro teólogo Nélio]. Este historiador vicentino, diligente, sagaz e minucioso, nasceu a 26 de Março de 1890, em Varziela - Felgueiras, e faleceu a 29 de Março de 1973, em Lisboa, com 83 anos. Tais volumes de labor devotado, em publicação, são um legado precioso para a História da Igreja em Portugal. A propósito da vida e trabalho dos colegiais, respigámos esta nota: O bom êxito geralmente colhido nos exames oficiais, e os lugares de destaque que mais tarde ocuparam na sociedade tantos dos seus alunos, dão suficiente ideia do valor da preparação intelectual que lá recebia; e o porte honesto e digno de quase todos [...] permite-nos aquilatar da formação moral que no Colégio lhes foi proporcionada.

Neste contexto colegial, em que encontrou o Padre Sousa Borba, vale bem a pena recordar alguns traços significativos dos anos da vida de Américo Monteiro de Aguiar no Colégio de Santa Quitéria, em Felgueiras, rememorando um testemunho seguro [O Gaiato, 27-4-1957] deixado pelo antigo companheiro Padre Dr. Avelino de Sousa Soares [Galegos, 10-X-1887; Rans, 11-XII-1979], com algumas informações interessantes. Eis: [Em 1899] os dois irmãos Aguiar [Américo e António] foram transferidos para o Colégio de Santa Quitéria, em Felgueiras. Este colégio situava-se distante da vila, no planalto do Monte da Santa, como na região chamavam ao local. Era um edifício grande e airoso, com um longuíssimo friso de janelas viradas ao sol, recreios enormes sem paredes nem balizas, horizonte aberto em todas as direcções num deslumbramento de luz e de cor. O Américo, que amava a natureza e a amplidão, devia sentir-se bem ali. [...] Os seus companheiros [...] recordam-no bem, mas apenas podem dizer que era um aluno afável e bondoso, alegre e traquina como os mais, se bem que por vezes concentrado e taciturno. Entretanto, o Dr. Luiz Gonzaga frisa que era um rapaz vivo e alegre, de boa conduta, que já por aqueles tempos revelava tendências para crises de exaltação espiritual e concentração mística. O Padre Luiz Castelo Branco [1884-1973, antigo aluno e sobrinho do escritor Camilo Castelo Branco] apresenta-no-lo como um estudante regular, estimado por todos, mas nada se notando nele que saísse da vulgaridade. Não deixa, porém, de ser significativo o ter sido recebido na Associação dos Filhos de Maria, o que mostra que se distinguia pela sua conduta moral e pelos sentimentos de piedade. Recebeu, pois, a assistência espiritual do inesquecível Padre Jacinto de Sousa Borba. Nada teria adivinhado no Américo este grande sacerdote, que era um verdadeiro santo e um fino psicólogo?

Em listas extraídas dos registos do Colégio de Santa Quitéria, verifica-se que Américo Monteiro de Aguiar foi admitido como aspirante da Associação dos Filhos de Maria, a 8 de Dezembro de 1899, e recebeu a fita dos Filhos de Maria em 2 de Fevereiro de 1900. O Padre Carlos Moura, no seu dito livrinho, assevera: Seu nome aparece em listas de matrículas e de Filhos de Maria. Não terá ele aprendido por cá o amor à causa dos pobres? Em 13 de Janeiro de 1901, numa carta [O Gaiato, 9-6-1962] para seu irmão Padre José [ordenado Presbítero a 18-XI-1900, em Cochim], Américo de Aguiar sublinhou: O maior gosto de todos nós era ouvir-te dizer uma Missa. Portanto eu te peço, e antes o meu coração te pede, que venhas cá. Sobre a sua vida escolar, anotou: Eu estou no Colégio de Santa Quitéria. Eu estudo português, francês e inglês, e o António [n. 8-IX-1884; f. 18-I-1916] no 3.º ano dos Liceus [...]. É de notar que, em 1 de Janeiro de 1902, Bráulio Guimarães (Padre da Missão e sábio autor dos ditos Apontamentos) entrou na Escola Apostólica de Santa Quitéria, em Felgueiras.

Segundo os referidos Apontamentos, na visita canónica que o Padre Fragues fez à casa de Santa Quitéria, de 1 a 7 de Janeiro de 1902, no superiorato do Padre Pedro Pinto Leitão, verificou que nos dias angustiosos da perseguição religiosa levantada em Março do ano transacto neste reino [com os motins anti-eclesiais desencadeados pelo caso Calmon, no Porto, a 17 de Fevereiro de 1901], a nossa casa gozou da simpatia geral do povo e das famílias dos alunos, bem como das autoridades eclesiásticas e civis. Ainda sob os efeitos desse clima de campanha contra a Igreja Católica, em Outubro de 1902, Américo de Aguiar (com 15 anos) já se encontra a trabalhar numa loja de ferragens, na Rua Mouzinho da Silveira, na cidade do Porto. Certo é que manifestou (sem sucesso...) aos seus pais, Teresa e Ramiro, a vontade de ser padre, sendo sugerido o Colégio das Missões de Cernache do Bonjardim. Porém, ainda não tinha chegado a sua hora (da martelada final)...

O Padre Sousa Borba ainda se manteve por Felgueiras e desse tempo do seu Colégio, entre outros momentos, importa assinalar a inauguração solene de uma estátua de Nossa Senhora das Graças, a 10 de Junho de 1906, no alto do Monte de Santa Quitéria, com Missa campal e a coroação da imagem pelo Padre Sousa Borba, Director do Colégio de Santa Quitéria, como representante do Bispo do Porto D. António Barroso.

Padre Manuel Mendes

Continua