PÃO DE VIDA
Do Padre Jacinto de Sousa Borba
Nos vários dinamismos da pessoa humana (familiar, escolar, social, vocacional e eclesial...), o acompanhamento próximo das crianças, dos adolescentes e jovens reveste-se de grande importância para a descoberta das escolhas da sua vida, nomeadamente da vontade de Deus para a felicidade pessoal, no mundo e na Igreja. Isto supõe a construção de uma personalidade seriamente estruturada, em que haja uma verdadeira educação, que deve manter um equilíbrio entre as três linguagens humanas: a da mente, a do coração e a das mãos, conforme afirmou o Papa Francisco numa conversa sob o título A força da vocação [2018].
Para além do problema da indisciplina nas escolas, num estudo recente, em que foram inquiridos 6997 alunos, do 6.º ao 10.º ano, nota-se que 29,6% dos jovens não gosta da escola e que 84,9% diz que a matéria escolar é aborrecida. Sendo de considerar o positivo aumento da escolaridade, é de lamentar a destruição do ensino técnico e faz sentido questionarmo-nos sobre alguns cenários da instrução actual: vai-se orientando por caminhos seguros e de futuro, de orientação pessoal correspondida e de preparação para a vida adulta, num contexto cultural de mudanças aceleradas, em que os mais novos estão demasiado conectados? Há respeito pela matriz cristã da nação portuguesa, em especial a defesa e promoção da vida humana?
Esta breve reflexão ocorreu-nos por estes dias de frio de rachar, com o sol matinal claríssimo iluminando os vales da serra da Lousã e à vista de grandes camadas de geada em campos de semeadura e olivais e telhados do burgo, desesperando sem comboios há uma década. Recomeçaram, assim, as actividades escolares obrigatórias e necessárias, em novo ano [de paz?...], no qual se celebram 90 anos da ordenação presbiteral [a 28-VII-1929, em Coimbra] de Padre Américo! Por isso, também, vida nova, rapazes...? Nossa intenção será, entretanto, esboçar uma simples nota biográfica sobre uma figura eclesial interessante e importante na Igreja em Portugal, da Congregação da Missão, próximo de Américo Monteiro de Aguiar - o Padre Jacinto de Sousa Borba [1854-1945], pois acompanhou-o no Colégio de Santa Quitéria, em Felgueiras. Aí foi recebido em Outubro de 1899, depois de se habilitar com o 2.º grau [4.ª classe], no Colégio de Nossa Senhora do Carmo, em Penafiel.
A propósito desse santo de Lisboa — o Padre Sousa, também dizemos que, às vezes, por caminhos ditos tortos [?] Deus escreve direito. Parece-nos que isto aconteceu mesmo no itinerário vocacional juvenil de Américo Monteiro de Aguiar, desde Galegos a Moçambique... Tendo confidenciado à sua Mãe Teresa, em pequeno [por alturas da Primeira Comunhão - 1899?], o seu desejo de ser padre, essa inclinação é testemunhada por um escrito credível da sua mãezinha, em 1 de Junho de 1902, tendo ele 14 anos — uma cartinha para o filho mais velho, Padre José, em Cochim, em que afirma: peço-te que me dês andamento a este embaraço em que eu me vejo com este rapaz, ele tem muita vontade de ser padre, vamos a ver se agora o podemos apanhar. Contudo, foi perseguindo a sua estrela por outros caminhos, como os Magos, no Caminho da Luz, conforme os desígnios do Bom Pastor, pois teve de ser obediente à vontade de seu pai Ramiro de Aguiar.
Em 2 de Janeiro, estávamos nós no rebuliço da estação de Sete Rios, na operação ano novo, a procurar encaminhar parte da rapaziada, de regresso ao ninho, para a labuta, quando entre centenas de alfarrábios estava quedo e escondido, mas à nossa espera, um precioso volume encadernado, perdido entre milhares: o Mensageiro de S. Vicente de Paulo [1945]. Não é que o Padre Jacinto de Sousa Borba fazia, no dia seguinte, 74 anos de regresso à eterna Pátria, na Residência dos Padres Lazaristas! Nessas revistas preciosas, vêm ricas e belas notas biográficas do Padre Sousa e de outro santo e sábio vicentino — o Padre Barros Gomes, figura cimeira da silvicultura nacional [do pinhal de Leiria...], barbaramente assassinado nos tumultos revolucionários de Outubro de 1910...
Deixando estes considerandos, ainda vamos a tempo de dar início ao esboço apalavrado e ir partilhando algumas informações para um retrato ligeiro do Padre Sousa Borba, ilustre filho de S. Vicente de Paulo, cujo percurso de vida vale bem a pena conhecer, pelos seus contratempos, gigantismo eclesial e proximidade com o Ameriquinho do Bairro. Seguimos, pois, de perto e já sem ervas no caminho deste amigo de Deus, as ditas Notas biográficas, que finalmente encontrámos, ocasionalmente [?!]. Não assinadas, essas notas têm a marca (salvo erro) do grande historiador da Província Portuguesa da Congregação da Missão — o Padre Bráulio de Sousa Guimarães.
Assim, no Verão de 1854, nos Açores, Jacinto de Sousa Borba viu a luz do dia: era 1 de Julho e nasceu na freguesia de S. Miguel das Lages, na ilha Terceira. Entretanto, ainda de colo, foi levado para o Brasil pelos seus pais, Manuel de Sousa e Maria do Rosário, como tantos açoreanos e demais portugueses, nesse e noutros tempos, tentando fortuna (na árvore das patacas) em terras de além-mar. A propósito, também Zeferino de Aguiar [n. 23-VI-1886; f. Rio de Janeiro, 27-VII- 1938.], irmão de Américo de Aguiar, seguiu essa rota do cruzeiro do sul. Acontece que vieram a morrer, pouco tempo depois, vítimas das febres tropicais: primeiro seu pai e depois sua mãe, dois meses depois, ficando assim órfão o pequenino Jacinto, com dois anos. Foi, assim, entregue aos cuidados maternais das Irmãs de S. Vicente de Paulo, na Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, onde seus pais expiraram. Nunca o Padre Sousa esqueceu essas boas Filhas da Caridade, que velaram pela sua saúde, formação piedosa e instrução, em especial a Sóror Marie Blanche - sua saudosa segunda mãe. Manifestando indícios de precoce inteligência, aos 5 anos já ajudava à Santa Missa; porém, uma vez, deu um trambolhão pelos degraus abaixo, com o missal... Ainda lhe aconteceu um desastre de certa gravidade, com fractura da cabeça, devido a uma pedra caída de um prédio em obras.
Depois, fez os seus estudos primários na Escola Apostólica dos Padres Lazaristas, no Caraça, em Minas Gerais, no Brasil. Mostrou grande propensão para a música, pelo que aprendeu a tocar harmónio e a cantar com voz grácil [de rouxinol — como dizia]. Nessa Escola, ficou dos 7 aos 14 anos; mas, foi obrigado a abandonar os estudos por falta de saúde. Então, regressou à Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e aí aprendeu alguns ofícios: primeiro de ferreiro, que deixou por causa de uma doença de olhos contraída na forja; e depois o ofício de carpinteiro, onde ganhou jorna. Os seus superiores reconheceram os talentos musicais daquele rapazinho e em 1872 fizeram-no organista substituto do Seminário de S. José, no Rio de Janeiro, onde reencetou os estudos. Em 1873, deu entrada no Seminário Menor de Rio Comprido, do qual tomaram conta os Padres Lazaristas e como superior o Padre Saulo Delamasure, ficando como organista e professor.
Continua no próximo número
Padre Manuel Mendes