PÃO DE VIDA
Pelo Santíssimo Nome de Jesus
Eclesiástico 4, 10.
Para conhecermos e assimilarmos a identidade de Jesus, em cujo Nome Santíssimo temos a salvação, precisamos mesmo muito de ir sempre ao Seu encontro - na Eucaristia, nos Evangelhos e nos pobres. Neste tempo tão belo e pleno de sentido que é o Natal de Jesus, o Emanuel, contemplamos a pobreza do Seu nascimento, ao assumir a fragilidade humana: E o Verbo fez-Se carne e habitou entre nós. Dos pobres daquele tempo, havia pastores que viviam nos campos e guardavam de noite os rebanhos. O Anjo do Senhor aproximou-se deles e a glória do Senhor envolveu-os de luz. E disse-lhes: Não temais, porque vos anuncio uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um Salvador, que é Cristo Senhor. Então, dirigiram-se para Belém, apressadamente, e encontraram Maria e José e O Menino deitado na manjedoura; pois, não havia lugar na hospedaria. Entretanto, sendo Jesus criado numa Família pobre, quarenta dias depois, apresentou-Se no templo, com a oferenda dos pobres: para oferecer em sacrifício, como vem na Lei do Senhor, um par de rolas ou dois pombinhos. Para além da suma importância do vínculo familiar, na sua missão, teve de dizer: Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática.
Na Missa da Noite de Natal, o Papa Francisco afirmou que em Belém da Judeia acontece o ponto de viragem no curso da história. Lá Deus, na casa do pão, nasce numa manjedoura; como se quisesse dizer-nos: Estou aqui ao vosso dispor, como vosso alimento. [...] Diante da manjedoura, compreendemos que não são os bens que alimentam a vida, mas o amor; não a voracidade, mas a caridade; não a abundância ostentada, mas a simplicidade que devemos preservar. [...] No Natal, recebemos Jesus, Pão do céu: trata-se de um alimento cuja validade é ilimitada, fazendo-nos saborear já agora a vida eterna.
Acontece que, por estes dias invernosos, de um ano com sombras, a findar, toca mais e muito o sentimento e o sofrimento, como na Obra da Rua - dos doentes separados do seu Calvário, da imensidão de pessoas que vivem na solidão e na agonia da fome, da peste e da guerra. No mundo actual, em crescendo global e digital, são notórias múltiplas misérias injustas, estando nas mãos de poucos e gananciosos a riqueza das nações. Registam-se catástrofes pavorosas, como terramotos, e perigos ambientais graves. Há multidões de perseguidos (grande parte cristãos) e afligem as tristes vagas de refugiados que procuram o Ocidente, em especial a Europa.
Entre nós, no decorrer da pausa escolar, com a carga da malta a dobrar, houve que fazer outro exercício prático à procura de alguns sinais simplórios e visíveis do nosso quotidiano, relacionados com o ambiente próprio e o verdadeiro sentido do incomensurável acontecimento da vinda do Filho de Deus ao mundo, há dois milénios. Na tarde de 24 de Dezembro deste ano da graça, cinzenta e de ansiedade para a garotada, alguns raios de luz ainda rasgaram as nuvens carregadas no horizonte. A rapaziada miúda - como o Marcelino, o Norberto, o Anelca... - foi dando mais umas varredelas e saltando nas calçadas. Próximo da lareira, a senhora foi preparando com requintes redobrados a tão desejada Ceia de Natal e alindando a mesa da consoada. Parecendo escondido, como tantos meninos nos ventres maternos, um simples presépio, na imitação do Pobrezinho de Assis, foi construído com montículos e um riacho, numa gruta, por baixo do refeitório da comunidade, em que figuram, e bem, as imagens da Família de Nazaré, rodeadas de ovelhinhas mansas e obedientes. Ficaram aconchegadas por um tronco tosco, revestido por musgo verdinho, recolhido pelos rapazitos nos montes distantes, a nascente. Por perto e cantarolando, próximo de bom couval, também se podem encontrar rolas e pombinhos de todos, e quatro cordeirinhos que enriqueceram muito o rebanho nestes dias gélidos. Andam todos tão felizes com esta paridura e reconhecidamente os pequenotes, mais quando os miram a amamentar no curral com palha da Casa, abanando muito a cauda em jeito de contentamento.
Neste Natal tão discreto e caseiro, fomos assim chegados à Missa do galo, em que se beijou muito um Fortunato pertinho das doze badaladas. É assim mais compreensível que uma família destas se vá tecendo pela linhagem de Nazaré, de irmãos, na lógica da Encarnação, desejando assim ser uma célula familiar cristã. Não se pode, pois, nem deve obnubilar o encanto dos sinais específicos deste tempo do Menino Deus!
Entretanto, com o ano a virar, fomos vislumbrando a proximidade da justa memória do acolhimento dos três primeiros gaiatos nesta comunidade, no significativo dia 7 de Janeiro, dos idos de 1940, depois das primeiras Colónias de Férias do Garoto da Baixa de Coimbra, em S. Pedro de Alva e Vila Nova do Ceira (1935-1939). A bola de neve continuou, assim, a rolar numa família sui generis para os rapazes da rua, na Casa de Repouso do Gaiato Pobre, com estes filhos: Mário Diniz de Carvalho, da Sé Nova (Coimbra), José Araújo Pereira e seu irmão Aristides, de Santa Cruz (Coimbra). Eram três mendigos das ruas de Coimbra. Pela primeira vez comeram de garfo, viram uma cama lavada, sentiram a presença de um amigo! Assim, é ocasião para recordar carinhosamente e com gratidão a multidão de rapazes da Obra da Rua, com os seus padres (pais), senhoras (sacrificadas), colaboradores e miríades de amigos e amigas, que deram corpo e alma - o seu coração - nas/às famílias que Pai Américo sonhou e criou...
Nesse abençoado dia, há 79 anos, era festa do Santíssimo Nome de Jesus. Com marca franciscana, este benditíssimo Nome foi enaltecido por S. Bernardo e S. Bernardino de Sena, entre outros bem-aventurados, pois não há outro mistério de Deus, senão Jesus [Santo Agostinho]. A invocação deste Nome é uma prática tão antiga como o Cristianismo, pois nasceu na vida de Jesus. Este Nome doce de Jesus, tão grato para nós, está enraizado de tal modo no nosso coração que não pode ser dele arrancado.
Como lembrete para ajudar a que os pequeninos deste tempo, de tantas dores e com flores perdidas, nunca deixem de perder a alegria maravilhosa do nascimento do Nosso Salvador, Jesus Cristo Senhor, transcrevemos um ligeiro excerto neste cantinho, rabiscado à beira da manjedoura das nossas ovelhitas, das cantigas do muito singelo Cancioneiro Popular das Festas do Menino Deus [Porto, 1900], que poisou bem nas nossas mãos. Eis:
Cantemos com alegria;/ Nado é o Rei da Glória,/ Filho da Virgem Maria,/ Que nasceu pobre em Belém,/ Para a todos nos salvar,/ Entre a mula e o boi bento,/ Que o estava a bafejar./ Patriarca S. José/ Pegai no vosso Menino,/ que entre palhas stá deitado,/ A chorar que é pequenino!/ Os Anjos com alegria/ Músicas Lhe vão cantando:/ É o Rei dos altos Céus,/ que na glória está reinando! E, ainda: Bons anos, felizes anos/ Aqui vos vimos cantar;/ Se o Céu cumprir nossos votos,/ Muitos haveis de contar.
Deus vos dê festas felizes, do Natal de Jesus Menino, estimados leitores; a bênção de Deus vos cubra de virtudes e favores!
Padre Manuel Mendes