PÃO DE VIDA
Dos Rapazes fundadores em Paço de Sousa
Todo o progresso que quiser ser verdadeiro tem de ser um regresso ao Evangelho. Nós queremos, na Casa do Gaiato, obreiros do Senhor e servos dos pequeninos. Quem não semear comigo, desperdiça.
Padre Américo
O Padre Américo pertenceu ao presbitério da Diocese de Coimbra, porém a sua doutrinação e a prática da Caridade evangélica não se limitaram a essa Diocese, pois ultrapassou-a largamente. Sendo originário da Diocese do Porto, foi-se familiarizando com as misérias do Porto, em especial do Barredo, das ilhas e dos bairros degradados. Em 1942, foi sonhando com uma Casa do Gaiato das Ruas do Porto, nos arredores dessa cidade, o que veio a acontecer na freguesia de Paço de Sousa, pegada à sua terra natal (Galegos).
Com letras a ouro gravadas num singelo tecido de linho, de flores azuis, num tear desta antiquíssima terra, nestas notas históricas da sua fundação, têm lugar central todos os Rapazes, pois foram e são eles a razão de ser da Casa do Gaiato, que foi evoluindo para Aldeia do Gaiato, bem como quem os acompanhou - em especial, os Padres e as senhoras. Das suas histórias de vida, algo foi dito e muito haverá para contar, em especial na correspondência e nas páginas do jornal O Gaiato, por Pai Américo até Julho de 1956... Os Rapazes fundadores começaram a sua vida familiar, em comunidade, no antigo Mosteiro beneditino, mesmo na pontinha do mês de Maio do ano da graça de 1943, segundo o Padre Américo, como refere uma missiva ao seu amigo António Russell de Sousa, datada de 2 de Junho desse ano, que citamos: As obras de Paço de Sousa levam a Cruz de Cristo, como as naus dos nossos descobridores. [...] Já temos três Gaiatos de Miranda [do Corvo], desde o dia 31 de Maio [de 1943] - os Fundadores.
Com base numa sucinta Cronologia da Obra da Rua (inédita), do próprio punho do Padre Américo, a que tivemos acesso por cópia (antiga), o seu Fundador, na sequência de acontecimentos, com mais informações, deixou estes dados que respigámos: Casa do Gaiato do Porto - 1943 - Tomei posse da antiga Casa Pia no dia 20 do mês de Abril de 1943. [...] Em o dia 27 de Maio, do mesmo ano, deu-se início à construção das casas n.º I, n.º II e n.º III, as quais subiram simultaneamente. Em Agosto, ainda do mesmo ano, coube a vez aos alicerces da chamada Casa-Mãe. Neste mesmo ano, a 31 de Maio, chegaram da Casa do Gaiato de Coimbra 3 pequeninos súbditos, que formaram a Comunidade infante, instalada nas ruínas da Casa Pia. A Comunidade foi engrossando e no dia em que nos instalámos na Aldeia, que foi no 1.º de Janeiro do ano de 1946, o número de Rapazes subia a 96. Em o dia 8 de Agosto do ano de 1944, lançámos a primeira pedra da Capela.
No livro de Registo de Entradas N.º 1 da Casa do Gaiato de Miranda do Corvo, ora no Memorial da Obra da Rua, em Paço de Sousa, o Padre Américo anotou (pela sua mão), em algumas notas biográficas, que os primeiros Rapazes de Paço Sousa retiraram daquela Casa no dia 31 de Maio de 1943. A mesma fonte regista mais pioneiros, que serão indicados adiante.
Numa nota de imprensa, recolhida depois no Pão dos Pobres (4.º vol.), deixou um relato interessante e muito próprio desse acontecimento: De começo apresentam-se os três pequeninos fundadores que seguiram da Casa do Gaiato de Coimbra para Paço de Sousa, no derradeiro dia de Maio, sob o sinal da Cruz. [...] /O trabalho na Casa do Gaiato é todo feito por eles. A Obra é deles, para eles: nós aprendemos com as abelhas. Trata-se duma Instituição absolutamente nova, fora e acima de tudo quanto existe no País em matéria de Assistência, fundada na experiência da Casa do Gaiato de Coimbra e na própria natureza das coisas: carrilar o rapaz, respeitando e orientando a sua personalidade./ Os três primeiros são: o António, de Amarante; o Adolfo, de Coimbra; e o Amadeu, de Elvas - ontem sem norte, hoje felizes. No grupo aparece também a figura de um sacerdote. Não é que ele se queira mostrar ao mundo, mas sim para que se saiba e compreenda que o Padre é indispensável nas Obras de regeneração de almas. Não é por ele; é por via da sua missão. A eficácia do seu apostolado está, até, na medida da fidelidade ao mandato que recebeu. Ele é a sigla das obras divinas, penhor da sua misteriosa irradiação: Haveis de fazer coisas que Eu não fiz, se tiverdes fé do tamanho de um grão de mostarda./ Dizem que o rádium tem força; quanto mais a fé que faz cair as montanhas - e tu não acreditas, infeliz!/ Dentro em breve seguem mais pequeninos mestres da Casa do Gaiato de Coimbra para Paço de Sousa, sede da Casa do Gaiato do Porto. Vão-se ocupar no arranjo das mobílias das casas da futura Aldeia dos Rapazes. Nós somos pobres, temos que poupar e ensinar os pequeninos a fazer na mesma./ Presentemente, estamos a levantar dos escombros do incêndio que devorou o convento, sucata de ferro, de onde já se armaram umas dezenas de camas que garotos lixam e pintam, depois de preparadas por um ferreiro da terra; mas nós necessitamos de cem delas, antes do próximo Outubro./ Esta Obra do Porto, não pode ser do Estado; ela há-de ser, antes, a menina dos olhos de todos e de cada um dos seus habitantes.
Para que conste, cruzando alguns dados que temos à mão, saídos da pena de Pai Américo e referidos supra, esboçámos um elenco dos 10 Rapazes fundadores da Casa do Gaiato de Paço de Sousa, que ficaram instalados nas ruínas do extinto convento beneditino. Assim, recolhidas as datas de entrada, os seus nomes e as proveniências, com ligeiras diferenças que tentámos superar, elaborámos uma lista das primeiras levas de Rapazes que chegaram ao terreiro de Gamuz para formar a Comunidade nascente. Ei-la: Em 31 de Maio - o António, de [Amarante]; o Amadeu Mendes, de Elvas; e o Adolfo, de Coimbra. Em 7 de Julho - o António Sérgio, de [Figueiró dos Vinhos]; o Camilo, da Póvoa de Varzim; o Carlos Alberto, de Lisboa; e o José Merino (o Pepe), de Badajoz. E a 16 de [Agosto] - o João de Freitas, da Lousã; o Júlio Mendes, de Elvas (irmão do Amadeu); e o José Pires, de Coimbra.
Segue-se, para a próxima, um excerto de um relatório, com o título Obra da Rua, de vários anos de compaixão e acção de Pai Américo em prol dos pequeninos de palhas infelizes. Os Rapazes fundadores, quais abelhas laboriosas duma Obra de amor, davam então os primeiros passos em terra de D. Egas Moniz (†1146), símbolo da lealdade portuguesa, e na qual seus pais Ramiro e D. Teresa tinham contraído matrimónio cristão, há cerca de 70 anos (23-X-1873), pois era daí natural a sua mãezinha - a mulher mais fresca e linda do mundo inteiro!
Padre Manuel Mendes