PÃO DE VIDA
Dores de Natal
O amor do próximo, nomeadamente da criança sem lar.
Aonde houver este amor, há necessariamente o olhar de Deus.
Padre Américo
Na tradicional mensagem de Natal, o Papa Francisco denunciou o sofrimento das crianças, nomeadamente vítimas das guerras que ensanguentam e destroem a humanidade, e dos dramas trágicos da emigração forçada: Vemos Jesus nas crianças de todo o mundo, onde a paz e a segurança se encontram ameaçadas pelo perigo de tensões e novos conflitos. E sublinhou a Estrela deste tempo de ternura e encanto: O Natal lembra-nos o sinal do Menino, convidando-nos a reconhecê-l'O no rosto das crianças. A 17 de Dezembro, já o dissera simplesmente: Se retirarmos Jesus, o que é o Natal? Uma festa vazia.
Em Portugal, as situações injustas e dolorosas que dilaceram a sociedade portuguesa são motivos fulcrais para que também a voz e as acções eclesiais, mesmo em silêncio e discretamente, não esmoreçam...
Os dramas dos fogos e da seca, no Estio deste ano de má memória, foram (são) tragédias duras cujas lições não podem deixar ninguém insensível, colocando em discussão e desafiando medidas urgentes sobre a floresta e o ambiente como prioridades nacionais e globais; pois, o dito progresso continua a produzir degradação humana, social e ambiental, conforme alertou o Pastor universal da Igreja.
Ao termo laico solidariedade, preferimos a verdadeira caridade e a justiça, como sinais de partilha e comunhão de bens para a dignidade humana. A paróquia de Valongo articulou com a nossa comunidade a entrega de mobiliário e electrodomésticos para a sofrida Oliveira do Hospital. Do amanho destes campos, porque há aí rebanhos famintos, como também em Pedrógão Grande, centenas de fardos de palha de aveia são uma pequenina ajuda do suor do rosto desta família que nessas comunidades é acolhida tão bem, em especial na Ceia do Senhor.
Entre nós, depois de 5 anos de Colónias de Campo, em que beneficiaram cerca de mil garotos pobres, há 78 anos que Pai Américo começou por acolher 3 filhos de forma estável, entre a multidão de rapazes das ruas, nesse tempo de guerra e miséria.
No nosso tempo, digital e também de múltiplas guerras, por fanatismo e ganância, parece-nos pertinente uma reflexão séria e profunda sobre as leis e valores no tocante aos frágeis (em especial crianças, velhinhos e enfermos) e à família, para se atinar com caminhos de promoção da pessoa humana desde a concepção ao ocaso da vida. Para os cristãos, Deus ensina-nos a amar os débeis e os pequenos, os tesouros humanos, da linhagem de Jesus do presépio de Belém e de Nazaré. Que fazer diante de certas situações em que devia haver o seu protagonismo e justiça social? É evidente que tem havido desenvolvimento no acesso aos cuidados de saúde e à escolaridade da população portuguesa; porém, é preciso investir mais e melhor no serviço estatal de saúde e no ensino técnico (precocemente).
Há periferias com que também nos confrontamos, em especial pais e rebentos fragilizados, pela desarticulação familiar, precariedade laboral e dificuldades de legalização, sem direitos básicos nenhuns. Na sua pobreza material, mas riqueza dos filhos, não querem perder os frutos tenros das suas entranhas. Num bairro problemático, o Maurício mais uma vez saltou de contente, arregalando os olhitos, quando chegou outro avio de papa; contudo, estes encontros amigos não suprem a satisfação dos seus direitos básicos, pois a sua mãe não tem um lar minimamente seguro nem nada para criar o menino. Uma mulher (africana), do tempo da guerra no Ultramar e mãe de Rapaz nosso, doente e aflita, pediu ajuda para se legalizar; mas, é como a pescadinha de rabo na boca, pois não trabalha e não desconta... Com um emprego precário, o pai do Trancolino anda preocupado com uma dívida ao serviço oficial respectivo e clamou também por auxílio. Em zona dita perigosa, a mãe do Barrigana ficou sem rendimento social, mas as condições de habitabilidade e sustento da prole são mesmo parcas; e disse-nos, enregelados: - Precisamos de mantas... Depois, num tiro de madrugada, urgiu correr e acompanhar ao SEF uma mãe de 3 rebentos; estando já dois com documentação em ordem, a prazo, devido à sua patologia - malformação crâneo-encefálica congénita, fez-se bom caminho na tramitação por razões humanitárias. Um rapaz, que por cá gostava de estar, mas teve de ir para outra paragem, precisou mais uma vez de cuidados médicos no Pediátrico e foi necessário acompanhá-lo, sendo logo bem atendido.
Se nos fosse dado sugerir leis, quando é que as mães desta Pá(má)tria, que desejam dar à luz e com filhos (em necessidade), têm um rendimento e acompanhamento capazes de criarem os seus tesouros?... Mais e lindos meninos e meninas (de Jesus) veriam as estrelas e a Estrela!
O Padre Américo foi um pastor que viu bem in loco e fez muito por tantos presépios sujos e manjedouras repelentes. Meditemos, agora, num naco de palavras interpeladoras da sua missão profética, noutro tempo (24-V-1952) e regime, cuja pertinência dão que pensar: Família que somos, aonde o Pai come à mesa e reparte com os seus filhos, não nos parece avisada nem necessária a jurisdição da Assistência. Esta tem de se exercer, sim, mas doutra maneira e por razões mais altas do que os simples subsídios. Para isso estou aqui. Para isso venho hoje a esta coluna chamar pelos Homens de boa vontade, que me ajudem a sair da encruzilhada, com um corpo de doutrina nova. Onze anos de vida dão a matéria. Odres novos, que o vinho é novo. É tão espumante a nossa acção, que a antiga lei não nos comporta. Poderá alguém tomar-nos por indisciplinados, mas isso é outro equívoco.
O Evangelho, a Boa Nova de Jesus, não passa e afirma perenemente os valores do ser humano; daí que Pai Américo tenha afirmado, com profunda convicção e fruto da sua acção: Tudo quanto seja regresso a Nazaré, é progresso social cristão.
Padre Manuel Mendes