PÃO DE VIDA

Da Missa Nova em Paço de Sousa

Com certeza que os estimados leitores tomaram bem nota duma afirmação do então seminarista Manuel Peixoto [1908-1994]: Ah! Se todos os sacerdotes dissessem a sua milésima Missa como este [Padre Américo] celebrou a sua primeira, não haveria tantos descrentes. De S. Vicente de Paulo, um dos modelos sacerdotais do Padre Américo, os fiéis afirmavam: Meu Deus, como este Padre diz tão bem Missa!

É notório que o fenómeno contemporâneo da perda do sentido de Deus tem acontecido paralelamente ao processo da perda do sentido verdadeiro da pessoa humana, desde a concepção à morte natural. Também tem sido proposto um Deus sem Cristo e um Cristo sem Igreja. Contudo, é bem verdade: Les Saints nous conduisent à Jesus [os santos conduzem-nos a Jesus], sublinhou o P. François-Marie Lethel, OCD [2018].

Continuando a seguir os primeiros passos do neo-presbítero, agora seguros por notas autobiográficas, verifica-se que a celebração da segunda - Missa Nova do Padre Américo foi acontecimento preparado de forma discreta, mas com sentido muito profundo, vincando o seu carácter sacerdotal, sem exterioridades, de acordo com missivas para o seu irmão Jaime Aguiar [22-VII-1879; 14-V-1954]. Assim, em 22 de Julho de 1929, escreveu: Não dou novidade nenhuma se te disser que a nossa Missa é no dia 5 próximo [Agosto de 1929], de manhã, mas quero avisar-te particularmente, porque a festa é toda, toda, para ti. Ninguém o sabe. Se vires por aí ânimos exaltados, o nosso abade [Padre Miguel Baptista Lopes] é extremamente meridional, bota água na fervura, muita água. É em silêncio que correm a águas fundas que fertilizam as terras. Não quero festa de foguetes; não quero que ninguém olhe para o ar, mas sim que todos, todos, olhem para dentro./ Esta festa, grande, imensa, assim preparada, assim sentida e assim realizada é toda, toda - para ti./ Até breve./ Teu/ Américo de Aguiar.

Em 31 de Julho de 1929, noutra carta para o irmão Jaime, a propósito, continua com idênticas recomendações, de silêncio e simplicidade. Diz assim: Segunda [feira], temos Missa às 7 pm [a.m.]. Era minha vontade logo a seguir tomar um carro para [S. Miguel de] Paredes [em Penafiel]. Depois venho passar um dia intelectual a A... [Antelagar?], durante a semana, mas [Padre] José disse-me que seria melhor dar-te parte, pois pode ser que tu desejes que eu suba acima tomar qualquer coisa quente. Se fôr da tua vontade eu vou, com sacrifício, mas assistir a uma sit down meal [refeição sentada] com tudo quanto ela envolve, isso está totalmente fora do meu programa e resisto à vontade seja de quem for./ Eu quero que esse dia seja de silêncio, sobretudo desejo que ninguém te perturbe. Esta festa que há-de ser grande como o pensamento; preciosa como as pérolas; modesta e recolhida como as violetas - compreendes que seria prejudicada com qualquer materialeira das coisas mesquinhas e efémeras cá de baixo. E a festa é tua... toda tua./ Até muito breve./ Padre Américo de Aguiar.

Entretanto, para nos indicar alguns lugares do início deste itinerário presbiteral, recorremos ainda ao testemunho de um amigo penafidelense, António Moreira da Rocha, que diz assim: Como havia programado, ao fim de alguns dias [no Seminário de Coimbra], pusemo-nos a caminho de Paço de Sousa, onde o P.e Américo celebrou a segunda-primeira Missa [Nova]./ Tudo correu como previsto. De Paço de Sousa, para S. Miguel de Paredes, a passar os tais "dois mesitos".

Na escolha da histórica freguesia e da igreja do antigo Mosteiro beneditino do Salvador de Paço de Sousa, para a segunda-primeira Missa, sem desmérito para Salvador de Galegos, onde nasceu (na Casa do Bairro), terão pesado alguns motivos marcantes, que elencamos. O ramo materno da sua família tem origem nesse torrão, pois sua mãe, Teresa Ferreira Rodrigues [25-I-1847; 12-XII-1913], era da Casa de Antelagar, em Paço de Sousa. Seus avós maternos eram também desta terra ancestral: António Joaquim Ferreira, da Casa de Antelagar, e Lourença Rodrigues da Silva, da Casa de Vales de Cadeade, em Paço de Sousa. Na igreja paroquial de Paço de Sousa, em 23 de Outubro de 1873, Teresa Rodrigues contraiu matrimónio com Ramiro Monteiro de Aguiar [17-VIII-1848; 5-VIII-1921], da freguesia (próxima) de S. Martinho de Lagares. Na sobredita Casa de Antelagar viveram e faleceram os seus pais, que foram sepultados no cemitério de Paço de Sousa, contíguo (a norte) a essa igreja monástica, onde se encontra jazigo de família (a nascente). Nesse tempo, Jaime Aguiar era senhor da Casa de Antelagar, o qual trabalhou em Moçambique; e, tendo-se afastado da fé cristã, nesta altura feliz, voltou ao regaço sacramental da Igreja. Na Costa oriental de África também Américo de Aguiar labutou nos seus verdes anos...

Ainda sobre esta Eucaristia festiva, em comemoração dos nossos mortos e à beira dos vivos, conforme escreveu Padre Américo, em 11 de Agosto de 1929, tem de ficar para a próxima uma carta do seu punho para o amigo Simão Correia Neves [12-III-1888; 22-V-1965]. Foi seu companheiro em Moçambique e com ele se cruzou (no início de 1923) no Funchal, na firma Blandy Brothers. Na Madeira, Américo de Aguiar esteve pouco tempo, pois o Mestre fê-lo atravessar o Atlântico, de regresso à Pátria, saudoso dos seus e sobretudo tocado pelos desígnios insondáveis de Deus!

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In memoriam: O dia 6 de Agosto, festa da Transfiguração do Senhor, amanheceu cinzento e trouxe a notícia do passamento do Padre António Salvador dos Santos, no hospital de Évora. De coração alentejano, este distinto Presbítero nasceu em 7 de Setembro de 1950 e foi ordenado em 25 de Junho de 1978, na Arquidiocese de Évora. Entre outros serviços pastorais, foi Pároco de Nossa Senhora da Boa-Fé e de S. Sebastião da Giesteira, e Cónego da Sé de Évora. Foi jornalista e Director do prestigiado jornal A Defesa, tendo dito, sorrindo: Uma vez toda a gente escreve, mas todas as semanas... Foi um dos fundadores [em 1993] e presidente da Associação de Imprensa de Inspiração Cristã [AIIC]. Empenhou-se em defender e promover a comunicação social católica, de proximidade. A sua dedicação e lucidez, na causa da boa imprensa, é um bom exemplo para aqueles que dão voz aos que não têm, pugnando pela justiça. À sua família e amigos, um abraço muito sentido. Pelas suas canseiras, caritativas e ao erguer a voz da Igreja, que descanse em paz, com o Senhor das palavras de vida eterna!

Padre Manuel Mendes