Padre Manuel "nosso Pai"

Expressão tantas vezes ouvida na voz cantada e sorridente das mamãs do Bairro da Graça.

Foram quase seis dezenas de anos que o P. Manuel acompanhou os seus filhos e filhas angolanos na dor e na alegria.

Numa eucaristia, no mosteiro das monjas dominicanas, um sacerdote, com emoção na voz, dizia de como foi marcante para a sua vida o seu encontro com o P. Manuel no acompanhamento espiritual do seminário. Muitos outros sacerdotes, que estavam nas terras do interior, ao passar por Benguela, vinham saudar o "pai".

No início de cada ano escolar vinha o convite para que o P. Manuel fizesse o acompanhamento espiritual do 3º ano de filosofia. Convite sempre aceite com alegria e responsabilidade na formação de novos pastores.

Pai para as monjas de clausura, cujo portão fica face-a-face com o da Casa do Gaiato. Foram recebidas pelo P. Manuel em 1972, tendo o seu mosteiro sido construído em terreno que o sr. Bispo pediu à Casa do Gaiato e desde então foi sempre o seu capelão, "pai" como também elas lhe chamavam.

Comunidades de irmãs ou formadoras e suas formandas vinham, periodicamente, junto do P. Manuel para confissão e acompanhamento espiritual.

No período difícil da guerrilha muitas mães vinham do interior sem nada, apareciam apenas "com os filhos pendurados nos peitos secos", como o P. Manuel costumava dizer.

Pediam ajuda. Dava. Mas achava que era mais educativo se colaborassem e, por isso, iam para a lavra do Gaiato. Chegaram a ser mais de cento e cinquenta pessoas e cada uma com o seu agregado familiar. Ao sábado levavam alimentos e sabão. Quando os filhos ficavam doentes o P. Manuel mandava-os ao posto médico e as despesas de consulta e medicamentos eram pagos por ele.

Os filhos e filhas não podiam ficar sem escola. Todos tinham lugar na que funciona nas instalações da Casa do Gaiato. Mas para isso tinham que ser registados e P. Manuel tratava disso.

Também as "mamãs", muitas ainda jovens, não sabiam ler. Organizou turmas de alfabetização.

Não regressavam para o interior e precisavam de casa.

Com adobes feitos por elas e, entre-ajudando-se, construíam a casa. Mas onde encontrar as chapas para as cobrir, é que a chuva aproxima-se? Combinavam o dia e lá ia o P. Manuel ao bairro com a fita métrica medir as paredes. As chapas pedidas nos armazéns ou compradas pela generosidade dos benfeitores cobriram muitas casas. E a porta? A carpintaria da Casa do Gaiato fazia.

Com razão muitas vezes diziam. "Sem a ajuda do nosso pai, as crianças teriam morrido, não teriam estudado...".

Pai na Casa do Gaiato.

Os rapazes chegaram a ser cento e cinquenta que, por necessidades urgentes, viviam na Casa do Gaiato, depois diminuiu o número para cento e quinze. O P. Manuel era o primeiro a levantar-se. Às 06h00 já estava a sair de casa para celebrar nas monjas. Ainda assim era o último a deitar-se e passava em todas as casas dos rapazes.

Gostava que as casas estivessem arrumadas e os jardins e espaços exteriores limpos e cuidados. Por isso ele passava e levava o chefe para ver onde era necessária alguma intervenção. Gostava de dizer às visitas, que se alegravam com o bom aspecto da aldeia: "O que está bem feito é obra deles. O que está mal também é obra deles, porque são rapazes não são anjos".

O grupo de chefes era a sua preocupação, dizia-lhes que eram as colunas da Casa. Cada quinze dias reunia com eles para orientar e escutar o eco das suas preocupações.

Todos os domingos saía com a carrinha ou mini-autocarro para a praia ou passeio com os mais pequenos e aqueles que quisessem.

Jovens seminaristas, que por vezes vinham passar algum tempo para ver como era a vida no Gaiato, perguntavam-lhe: "O que vamos fazer?" A resposta era sempre a mesma: "Onde estiverem os rapazes, aí é o vosso lugar. No trabalho, no estudo, no desporto..."

O P. Manuel procurava estar sempre presente nas actividades comunitárias: refeições, oração, estudo. Sabia que, por vezes, a pouca idade não deixa ver o quanto é importante aproveitar o tempo de estudo. Passava para ver se os acompanhantes de estudo estavam nos seus lugares.

Também a vida espiritual dos rapazes era sua preocupação. Repetia as palavras de Pai Américo: "Pôr-lhes a mesa..." Todos os anos um grupo de seminaristas e algumas religiosas vinham colaborar na catequese.

Muitos grupos de escuteiros e outros jovens vinham ao fim-de-semana acampar. Sempre que possível estava com eles, para deixar a sua mensagem.

Foi por obediência e com dor que se afastou destes filhos a quem se deu sem reservas. Mas para o coração não há longe nem distância e enquanto fazia a sua caminhada, de terço na mão pela linda mata do Calvário, não vai só, caminha com todos eles, entregando-os ao Pai, que sempre foi a sua força e o seu refúgio.

Teresa