O NOSSO CALVÁRIO

No Coliseu do Porto, em 1954, como que em discurso "fundador" e emotivamente proferido pelo Pai Américo, do que viria a ser a futura realização da Obra da Rua, O Calvário, em casa cheia, com gente de coração palpitante, ele dizia: "O êxito de uma obra assim não se discute. Não há homem de bem que possa duvidar..." (Obra da Rua, 5ªed., Paço de Sousa, Editorial Casa do Gaiato, 2012, p. 134).

Nos já longínquos tempos, pelo menos cronologicamente falando, esta intuição prática do nosso fundador dava início ao Calvário, que diferentemente das outras casas já em funcionamento vinha dar resposta a outra situação igualmente emergente: os doentes incuráveis e abandonados familiar e socialmente. Realidade esta que permanece até aos nossos dias. No entanto, foram surgindo estruturas de acolhimento, que vão procurando atender à problemática referida. Pai Américo intuía o surgir de tais instituições: "Noutras vilas, noutras aldeias abram-se casas desta natureza" (idem, p. 134), quais serviços de Cuidados Continuados e Paliativos, hoje implementados.

Apesar de finalidade diferente do objectivo primeiro da Obra da Rua, mas imposta pela premência da realidade, tal como acontecera com os "gaiatos", Pai Américo sempre acreditou no seu sucesso, porque obra de fé: "Mas há ainda outra razão mais subida do seu formidável êxito, e esta não pode faltar: é a vontade de Deus" (ibidem, p. 134).

Mais tarde, o "grande obreiro" na concretização desta casa, sonho do fundador, parafraseando o poeta escreveu: "... quando o homem sonha aquilo que Deus quer, a obra nasce"(O Calvário, 1.ª ed., Paço de Sousa, Editorial Casa do Gaiato, 1978, p. 15).

Neste "Calvário" dos tempos modernos, onde o beneplácito divino se reencontra com a humanidade dorida, aconteceria verdadeiramente todo o sentido da sua existência.

No seu mister, pela infatigável perseverança, dedicação e plena entrega de Padre da Rua, António Baptista cumpriu os desideratos originais.

Também aqui, em regime de voluntariado, pessoas simples, outras letradas e homens da Igreja, se reencontraram consigo mesmos e com Deus, a começar pelo próprio construtor: "Eu é que preciso do Calvário para ser mais eu mesmo... eu preciso do Calvário. Muito." (Padre Baptista, O Calvário (Páginas Escolhidas e Documentário Fotográfico). Org. e Pref. de Walter Osswald. Penafiel, Editorial Casa do Gaiato, 2018, p. 96).

A fidelidade ao sonho do Pai Américo e à construção do Pe. Baptista convidam-nos e obrigam-nos a prosseguir, certos da Providência e fortalecidos pela Razão dos homens.

Perante uma obra de inspiração divina como esta, alicerçada no mandamento do Amor, obra da Caridade cristã em que os protagonistas foram e serão sempre "os doentes", por isso o lema Obra de Doentes, para Doentes, pelos Doentes, não será por uma invectiva de alguns homens que deixará de continuar a realizar tão nobre, tão necessária e, sobretudo, tão bela missão.

Muitas vezes se constata que há necessidade de "crise", que ao contrário do que comummente se possa pensar, revela-se, não raras vezes, verdadeira oportunidade. Oportunidade de superar e transformar os momentos dolorosos em caminhada de "revivificação". Tal como a Cruz dolorosa do Calvário se transfigurou na Cruz da Salvação, também a Casa do Calvário de Beire passando pela cruz do "esvaziamento", ressurgirá como a "cruz florida" das "aleluias", qual beleza ímpar que ladeia os caminhos da nossa Quinta da Torre.

Continua no próximo número

Padre Fernando Fontoura