MOÇAMBIQUE
O teorema do Paulinho
A tarde dos sábados é hora de recreio. Os rapazes têm um tempo mais longo para brincar. Todos procuram um lugar para brincar à vontade: bola, baloiços, instrumentos, corrida de burros... Enfim, cada um vai fazer o que lhe apetece. Neste sábado algo de especial aconteceu. Os cães começaram a ladrar. Aproximamo-nos deles e vimos um senhor estranho com uma criança a chorar. Os dois não conseguiam entender-se. Ficamos assustados quando o pobre homem começa a tirar de um saco de plástico toda a documentação da criança. Ele não sabia o que dizer. Só sabia que era o Paulinho de 3 anos de idade. A sua mãe faleceu quando ele era bebé e foi acolhido num orfanato de Maputo. Como as leis devem ser cumpridas, o pai foi chamado no dia anterior para assumir o seu filho. Pai da rua, sem condições para cuidar da criança. Desempregado, sem residência, doente, sem família. Um pai que nunca pegou no seu filho ao colo, e para a criança é um desconhecido.
A nossa Casa está cheia, temos um número acima da nossa capacidade. Temos sido fortes, porque é Deus que nos bate à porta. Todos os dias aparecem novos pedidos. Às vezes apetece-me gritar perante a sociedade para os problemas que ela própria não consegue ver.
No dia-a-dia ouvimos muitas vezes, e de várias formas, pessoas a falar de assaltos, insegurança, violência e com muita facilidade esquecem que este mal é criado pela própria sociedade. Como é possível gastar tanto dinheiro com coisas inúteis e desprezar as crianças que são o futuro deste País ou colocá-las em perigo de vida?
Os grandes continuam grandes. Para eles não há crise económica, mudanças climáticas, problemas de saúde, alimentação, segurança, educação, emprego... Deles é o Reino da terra e de quem será o Reino do Céu?
Há dias, recebemos uma visita de um grupo de idosos da Paróquia dos Santos Mártires de Uganda, de Maputo. Participaram da Santa Missa connosco e foram convidados ao almoço. Dividimos o pouco que tínhamos com eles. Ficaram impressionados e convidaram os nossos rapazes a animar a Missa na Festa de Cristo Rei. O convite foi aceite. Todos os rapazes queriam participar nesta Celebração.
Saímos bem cedinho de Casa e fomos recebidos com alegria pelos paroquianos. Todos estavam de coração aberto para nos receber. Após a Missa serviram-nos um banquete e saímos de lá com a carrinha cheia de alimentos, material de higiene, roupas, brinquedos. O nosso muito obrigado a todos que participaram na organização deste dia. Que maravilha sermos acolhidos dentro do Espírito do Evangelho onde Jesus responde: "em verdade vos digo: quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos a mim o fizestes".
Cristo Rei, nós queremos acolher o faminto, o que tem sede, o peregrino, o nu, o doente, o que está preso. Nem sempre podemos, pois muito está nas mãos de poucos e pouco está nas mãos de quem Te quer servir nos mais pequeninos.
Que o Seu Reino comece entre nós, a sua Igreja, santa e pecadora, onde não deveria haver discriminação e falta de respeito, mas, sim, defesa da sacralidade da vida.
Paulinho, sejas bem-vindo aos desafios que esta nossa Família enfrenta neste momento. Queremos cuidar bem de ti e de todos que precisam de nós.
Quitéria Paciência Torres