MOÇAMBIQUE
No início do dia tenho sempre pessoas com as suas preocupações, o electricista, o machambeiro, o professor, os da saúde..., enfim, o nosso dia-a-dia. Hoje foi diferente, fui chamada à esquadra para resolver assuntos de um dos nossos que resolveu ser rico antes do tempo. Depois de 2 meses aos cuidados da polícia e aconselhamento de amigos e irmãos, sentimos a necessidade de entregá-lo à responsabilidade da família. Não foi fácil, pois nestes casos resolver assuntos na esquadra o mais importante não são os aspectos morais ou comportamentais mas sim aspectos materiais. Tudo resolvido, dinheiro, dinheiro, dinheiro, o mais importante. Que dor na minha alma e na alma daquela que é sua mãe biológica, que o quer muito. Finalmente, saiu com a sua mãe e eu com a tristeza de não ter conseguido alcançar o objectivo e ver aquele pobre cego, de olhos abertos e bem esperto, à espera da liberdade para aprontar mais uma. Os caprichos deste filho são insaciáveis. Chego a Casa; mais uma chamada da polícia, desta vez dizem que devo ir com muita urgência, pois estavam para encerrar o expediente. Fecham às 15 horas e diziam ter encontrado uma criança abandonada à beira do rio. Meu Deus, mais uma vez voltar à Polícia e deixar a Casa!? Mas por amor a Deus e aos mais pobres lá fomos. Ao chegar à esquadra, disseram que a criança tinha sido acompanhada ao Hospital, pois estava muito mal. Lá fomos ao Hospital. A senhora que o encontrou estava ali para o acompanhar. A pobre criança mal mexia os olhos. Dizia ela: «Estava deitada e não se mexia. Ao aproximar pensei que estivesse sem vida. Passado algum tempo mexeu-se. Aproximei e vi uma capulana ao lado, envolvi-o e levei-o à Polícia». Ali naquele momento estava no lugar ideal, mas a pobre senhora que o encontrou teve toda manhã com ele e a responder a inquéritos sobre onde, como, de que maneira o encontrou, com roupa, sem roupa, olhos abertos ou fechados..., enfim. Parece que somos papéis, e isto é o que vale. Médicos e enfermeiros passavam indiferentes. Alguns julgavam a mãe, o pai... Finalmente, foi-nos entregue um papel com o diagnóstico de criança má nutrida e deficiente. Era dia de São João Maria Vianney. O Joãozinho tinha muita fome, logo parámos num estabelecimento para pedir água quente para lhe fazer um leite. Não falava, não sorria, não andava, nem reagia a nada. A observação da nossa pediatra indicou que deveria ter 3 anos. Hoje, passados 15 dias, o Joãozinho é a alegria da Casa. Ri, brinca, reage a todos os estímulos e já tenta dar os primeiros passos.
Queremos agradecer a todos os nossos benfeitores que nos têm apoiado para que estes milagres aconteçam. Neste ano, de seca, crise económica e de perda de valores da sociedade, é preciso ter Fé e todos os dias acreditar em milagres. Queremos também agradecer a todos os voluntários que neste ano têm passado pela nossa casa, pois têm sido um grande apoio para todos nós. Que o Padre Américo interceda por nós junto de Deus e que nunca nos falte o Amor e Pão de cada dia.
Quitéria Paciência Torres