
MEMÓRIAS
A praia está repleta de banhistas. O sol convida e são muitos os que o aproveitam. Um pobre homem está sentado na areia, com o boné a seu lado, já com uns trocos, que os passeantes vão deitando, condoídos. Não tem morada, nem amigos, nem família. De vez em quando levanta-se, vai ao bar mais próximo, come umas sanduíches, bebe uns copos e regressa ao poiso habitual. Com o sol posto e a noite a cair, a praia fica deserta. Mas ele permanece. Deita-se então na areia, cobre-se com um barco, virado do avesso, e tenta dormir...
Uns senhores, condoídos, conhecedores daquela situação, avisam-me e pedem ajuda. Vou ao encontro do pobre homem. Converso e convenço-o a vir comigo para o Calvário. Pelo caminho faz-me muitas perguntas sobre o que vai encontrar. A alegria dele ao deitar-se na cama parece a de uma criança feliz. Já tem vontade de viver.
Perto da praia encontra-se uma instituição de acolhimento de doentes convalescentes. Um pobre homem cego e paralítico, sem família que o visite, está ali indevidamente, segundo me informam, e desejam que ele saia. Pedem ajuda e acolho o pobre homem. Estranho a cegueira e peço ajuda ao médico oftalmologista que nos acompanha. Ele diz-me que se trata de cataratas em estado avançado, mas que pode tirá-las. O pobre homem passa a ver normalmente, feliz por tornar a ver a luz do dia. Vai então para junto dos outros doentes e começa a jogar às cartas. Mas perde sempre e desanima. Lembra-se, então, que os parceiros vêem as cartas nos seus óculos e passa a jogar sem eles e a ganhar. Fica contente como uma criança. Como umas simples cartas podem tornar um homem feliz.
Padre Baptista