
MALANJE
A semana passada precisamos fazer compras no Mercado e reparei num grupo de crianças que saía dos montes de lixo com uma saca. Colocaram-se à sombra duma garota e começaram a retirar restos de bananas, abacate..., e, depois, a escolher os melhores, para comer. Logo outro pequeno grupo se aproximou, para se juntar..., seriam duas da tarde. Centenas de crianças passam todos os dias pelo mercado vendendo daquelas sacas pretas que usamos para fazer compras. Outras, dedicam-se a lavar louça nas cantinas em troca de um prato de comida; outras, estão atentas a algum desprevenido ou distraído, para roubar.
Muitas vezes paro para falar com eles. Pergunto se vão à escola, se têm família ou onde dormem. Uns desconfiam, porque ouvem-se casos de roubos e desaparecimentos de crianças... outros não têm problemas e são eles próprios que vêm pedir uma moeda ou algo para comer. Um deles me surpreendeu quando explicou que dormiam em uma casa abandonada. Naquela casa moram umas raparigas adolescentes que recolhem crianças na rua para ali dormirem por um pequeno preço por noite ou alguma comida... quando não têm dinheiro para pagar, deixam-nas dormir depois de algumas bofetadas... nunca deixam entrar pessoas com mais de 14 anos.
Com o problema da Covid, o governo da província retirou muitas crianças da rua e quis distribuí-las por diferentes instituições. Explicamos-lhes que normalmente estas crianças não aceitam ir para uma instituição de um dia para o outro e que é necessário um processo de longo prazo, assim como acompanhá-los. Também lhes explicámos que nós todos os anos recebemos alguns deles, mas nem todos continuam em nossa Casa; alguns voltam à rua. Não demorou muito tempo para que montassem um acampamento com colchões, cozinhas... e começaram a recolher todas as crianças da rua... Em menos de quinze dias, todos tinham voltado à sua vida normal, nenhum deles ficou. Uma coisa é dar de comer... o que eles podem fazer com refeitórios... e outra é oferecer-lhes uma família que os crie com amor.
Já entrámos no tempo seco. As chuvas só voltarão em Outubro. Muitas pessoas procuram terreno perto dos rios para cultivar vegetais. Em muitos locais do sul de Angola, já se passaram 2 anos desde que caíram as últimas chuvas e muitas pessoas alimentam-se de raízes e frutos silvestres, outras estão migrando para os países vizinhos. Mais uma vez, a fome e a pobreza assolam muitas terras deste continente esquecido.
Padre Rafael