MALANJE

Após alguns anos, voltei a visitar aquela família. O irmão mais velho encontrava-se preso por tráfico de drogas. O pai falecera há quatro anos como peritonite. A mãe teve que fugir, pois para sustentar o resto da família, também entrou no mundo das drogas. Ali encontrava-se a mais velha como o resto dos seus quatro irmãos: três meninos e uma menina.

Tinham feito café e vi que a casa estava muito bem arrumadinha. Então, mandou os seus irmãos para a escola e começou a desabafar: «Depois da morte do meu pai, a minha mãe e o meu irmão continuaram no negócio e acabei por ficar sozinha com os meus irmãos. Tinha apenas 16 anos e a segurança social queria enviar-nos para a protecção de menores; nós queríamos continuar juntos. Então, falei com uma tia minha, irmã de meu pai, para que assinasse um documento em como assumia a nossa custódia. Ela aceitou até eu completar os 18 anos. Depois, seria eu a responder por eles. Foi assim que fiquei com os meus irmãos que estou a criar como meus próprios filhos. Quando completei a maioridade deram-me um posto de vendedor ambulante, e pedi dinheiro emprestado ao Banco para comprar uma camioneta e ir pelos mercados. A minha família insiste em casar-me para eu ter alguém que me ajude, só que eu, até os meus irmãos serem grandes, vou continuar assim...».

Passaram-se mais alguns anos e voltei lá. Encontrei a irmã mais velha com um bebé no colo e o seu companheiro, perguntei-lhe pela família. Entretanto o esposo pegou no bebé e ela começou a desabafar: «A mãe e o irmão mais velho estão constantemente a entrar e a sair da prisão, às vezes vou visitá-los. Do resto dos irmãos: um conseguiu uma bolsa de estudos e está a estudar algo que tem a ver com medicina. A minha irmã trabalha como cozinheira num restaurante. O rapaz que lhe segue só terminou a primária e foi com um tio meu como ajudante de mecânica. O menor está comigo e não quer deixar-me, pois diz que vai tomar conta de mim quando eu for velhinha...».

Agora, passaram-se mais alguns anos e o meu pensamento voltou àquela família e àquela jovem, e entendi um bocadinho mais da palavra amar: ela leva-nos a oferecer, primeiro, o que temos; depois, o que nos falta; depois, o que somos; no fim, nada. O amor é a recompensa dos que estão sempre dispostos a perder ou a ficar em último lugar. Por isso, uma das coisas que admiro ainda hoje nos padres da rua é que: «Antes de receber já estão a pensar a quem vão dar».

Padre Rafael