MALANJE

O verbo mendigar nunca foi bem visto em minha família. Para meu Pai, supunha uma humilhação e uma vergonha para quem tem dois braços para trabalhar. Por isso, não há outro caminho, não há maior orgulho, do que sustentar a família trabalhando honestamente.

Foi este espírito que me acompanhou todos estes anos na Casa do Gaiato de Malanje e, por isso, eu queria transmiti-lo aos Rapazes. Hoje, ainda recebo muitas mensagens de Gaiatos dizendo que: do Padre Rafael aprendemos o amor ao trabalho.

Para um padre da Rua, é vergonhoso ver as crianças a mendigar nas ruas, vender sacos no mercado, para ganhar dinheiro, ou lavar a louça num quartel para, finalmente, receber um prato de comida. Não falamos de dezenas ou centenas... falamos de milhares. Depois, gastar esse dinheiro, uns, em vícios, outros, em refeições e outros, em pagar a propina da escola. Sempre que ia ao mercado, voltava com o desejo de encher o carro daquela rapaziada e levá-la para a Casa do Gaiato... mas não era possível.

Todos os domingos, pareciam anciãos a pedir algo para comer. Tínhamos celebrado juntos a Eucaristia, comemos à mesma mesa de Cristo que nos deu o mesmo Pão para todos. Dava-me vontade de abrir as portas da despensa e dizer ao despenseiro: - Enche um saco de comida para cada avô...; mas não... quase envergonhado, dizia ao ancião: - Vê onde está seu neto -, e depois dizia ao despenseiro: - Lá vai a tua avó, dá-lhe algo porque não tem nada no estômago. - E de longe assistia com os olhos ao milagre da partilha.

Quando o tractor não avariava, era uma máquina e as pessoas perguntavam, se tínhamos mibangas, para comprar e poderem plantar mandioca... a resposta foi muitas vezes: - As peças ainda não chegaram de Luanda; iguais, temos que pedi-las para Portugal. Outras vezes, a Serra não tinha madeira ou estava danificada... muitos pequenos carpinteiros, que não podiam comprar madeira em grandes empresas, fecham até que volte a funcionar novamente... e os trabalhadores? Alguns, acabam mendigando; outros, no álcool, frustrados; os piores, roubando.

Quase todos os dias troco mensagens com o padre Fernando sobre a situação da Casa do Gaiato de Malanje e as coisas não melhoram. Os problemas continuam... e o Povo sempre sofre - como sempre acontece no mundo. Muitos dias escapa-me a mente desta realidade sofrida de Angola. Faço o possível para servir a Obra no Calvário com minhas duas muletas.

Junto a padre Telmo, aprendi aquele desejo do padre Américo, onde ele chama todos os padres da Rua para serem mendigos. E assim o continuaremos a fazer... antes que mendigue um filho, mendigo eu... antes que mendigue um pobre, mendigo eu. Neste jornal, não quero mendigar por todos os pobres... apenas por aqueles que conheço e com quem durante esses últimos anos e, nestes últimos meses, o padre Fernando está compartilhando sua dor. Hoje eu quero mendigar pela Casa do Gaiato de Malanje. Portanto, se um dia destes quiseres deixar uma pequena oferta na Obra da Rua, não esqueça de escrever: isto é para a Casa de Gaiato de Malanje - tudo o que te posso oferecer, é a oração deste mendigo.

Padre Rafael